Escrito em 1937 por Ayn Rand, Cântico destina sua crítica central à anulação do indivíduo através do coletivismo.
Já no início da obra, o leitor pode estranhar que os personagens usam apenas pronomes na primeira pessoa do plural. Esse recurso foi utilizado propositalmente pela autora para representar o sistema de anulação de identidade, no qual eles estavam inseridos.
O ambiente onde esses personagens vivem é cercado por regras totalitárias, onde um pequeno grupo decide o que pode ou não ser feito. As regras devem ser seguidas por todos os habitantes da comunidade fictícia, sem questionamentos e sem vontades individuais, a ponto de não possuírem nomes próprios, não escolherem suas profissões e, até mesmo, não conhecerem pronomes e verbos na primeira pessoa do singular. Os nomes desses personagens foram dados de forma genérica, a exemplo do personagem principal, cujo nome é Igualdade 7-2521.
Ayn Rand foi uma grande defensora das liberdades individuais, inclusive defendendo o egoísmo racional como uma virtude. A visão da autora vai no sentido oposto ao coletivismo que, segundo ela, é definido como “a submissão do indivíduo a um grupo, não importa qual forma tome: se raça, classe ou país”. Essa submissão é nitidamente evidenciada em Cântico, através da obediência dos personagens a um grupo de “seres superiores” que tomam todas as decisões da comunidade.
Na contramão do coletivismo, Rand entende que “o individualismo sustenta que o homem é uma entidade independente com direito inalienável à busca de sua própria felicidade (…), através de trocas voluntárias não reguladas”. Nesse sentido, a autora defende que só é possível atingir a felicidade pessoal e desenvolver o progresso em uma sociedade através da liberdade de cada indivíduo de buscar seu caminho pelos próprios desejos, pois não existe razão coletiva.
Em uma cena descrita no livro, dois personagens com desejo de se libertarem do regime totalitário no qual vivem e de divulgar suas descobertas ao mundo, avaliam a legitimidade de suas recentes atitudes e concluem, em um dado momento, que “tudo que não é permitido por lei é proibido”. Nessa sociedade, é considerado proibido tudo que não estiver previsto em lei, evidenciando a inversão de valores em que vivem, pois leis deveriam ser previstas para impedir injustiças e não para criar a justiça, bem como utilizada para proteger um direito já existente do indivíduo, jamais para balizar o que os indivíduos não tenham direito de fazer – ideia também defendida por Frédéric Bastiat, em seu livro A lei.
Atualmente, em tempos de discussões acaloradas sobre políticas de esquerda ou de direita, no Brasil e no mundo, o coletivismo ultrapassa qualquer divisão de ideias entre essas duas perspectivas. Talvez o coletivismo seja a principal raiz das más ideias de ordem política e social, independentemente do regime, pois, para funcionar, o coletivismo precisa de uma pessoa ou um pequeno grupo de pessoas que tome as decisões por um grupo maior, fazendo com que o totalitarismo seja instaurado, sempre em nome do “bem comum”.
A censura, outro assunto bastante atual e evidenciado no livro, também anda na sombra do totalitarismo, uma vez que mentes livres e críticas podem ser grandes ameaças a governos controladores e precisam ser constantemente tolhidas.
Em Cântico, um dos personagens constata que as orientações que recebeu desde que nasceu o ensinaram que tudo que é oriundo de um só é mau, enquanto tudo que é oriundo de muitos é bom. Esse “bem comum” imposto por terceiros sobre o indivíduo cega e impede o verdadeiro progresso que uma sociedade precisa para prosperar em qualquer âmbito.
Ao chegar a essa conclusão e tomar conhecimento de sua primeira pessoa no singular, o personagem Igualdade 7-2521 acrescenta ao final: “que a palavra nós jamais seja dita, exceto por escolha e como segunda opção”, evidenciando a filosofia objetivista de que a individualidade, primeiramente, deva ser a escolha racional do indivíduo e que qualquer escolha coletiva deva ser voluntária e não regulada por terceiros.