Reflexão sobre a obra “Cântico”

Meu nome é Martina. Sou uma mulher. Tenho 20 e poucos anos. Sou formada em administração. Gosto de ler, viajar, jogar beach tennis e assistir Fórmula 1. Essa sou eu. Um indivíduo, assim como você.

Todas as características que citei sobre mim são verdades. Você talvez seja um homem, talvez seja uma mulher. Talvez seja mais jovem, talvez seja mais velho ou talvez tenha a minha idade. Talvez goste de jogar futebol. Talvez seja advogado. Eu não sei quem você é, mas você é você. Você é um indivíduo, assim como eu.

O romance Cântico, de Ayn Rand, é um folheto escrito em 1937 que descreve uma distopia na qual a individualidade foi proibida. Não existem desigualdades, não existe propriedade privada, não existe a palavra “Eu”. “Não somos nada. A humanidade é tudo. Pela graça de nossos irmãos estamos autorizados nossas vidas. Existimos por meio de, para e graças a nossos irmãos que são o Estado. Amém.” O direito de adotar e assumir características para si é básico em um mundo em que a individualidade é aceita. Nós somos quem somos pois tivemos a liberdade de testar-nos, testar coisas novas e testar pensamentos novos.

São pelas nossas diferenças ou semelhanças que nos atraímos ao outro ou desgostamos dos outros. Na distopia de Rand, é impossível amar ou desgostar de alguém diferente do outro, afinal, todos devem ser iguais e cumprir igualmente sua função na sociedade. Todos devem ser apenas mais uma peça no jogo da sociedade centralmente coordenada pelos aleatoriamente escolhidos líderes.


Tão verdadeira é a ausência de individualidade que não existem pais e mães, pois as crianças são da sociedade, são levadas assim que nascidas para um espaço de educação, sendo a gravidez apenas para cumprir a função de multiplicação da sociedade. No Lar das Crianças, todas as crianças são iguais, aprendem a não possuir vontades próprias e não possuem bens ou brinquedos próprios.


No mundo real, durante o processo de formação da personalidade de uma criança, suas interações com o mundo são fatores decisivos. A criança aprende as maneiras de brincar, fazer amigos e de se expressar. São nessas interações que a criança desenvolve um senso de personalidade, e carrega esses aprendizados desenvolvidos até o fim de sua vida.


Ainda no início da vida, sentimos e expressamos sentimentos positivos e negativos aos outros. Ao expressarmos esses pensamentos, recebemos uma resposta que necessariamente nos desenvolve. Seja no desenvolvimento de maturidade emocional, senso crítico, criação de laços e diversos outros pontos que vêm como consequência da expressão inicial do pensamento e sentimento.


O desenvolvimento de pensamentos e intelectualidade funcionam da mesma maneira, do início até o fim da vida. Quanto mais compartilhamos nossos pensamentos e argumentos, maior é nossa capacidade intelectual e crítica. Ler e escutar visões opostas de mesmos assuntos nos fazem entender melhor o assunto para então formar uma opinião.


O doutor e autor Jordan Peterson, em diversas entrevistas e aulas, fala que a liberdade de pensamento e de expressão são uma só. Enquanto nos expressamos, testamos nossos pensamentos. Se não podemos nos expressar livremente, ficamos limitados aos nossos próprios pensamentos e àquelas ideias que nos são permitidas escutar.


Mas estamos possivelmente chegando em um momento no nosso país em que ter opiniões se tornou um crime. Não temos mais a liberdade de escutar aqueles que não agradam ao Grande Irmão. A discussão de diferentes ideias, diferentes versões e diferentes escolas de pensamento é um luxo que querem tirar de todos nós.


“Todos os homens são um e não há vontade alguma, exceto a de todos os homens juntos” é a Grande Verdade descoberta por aqueles que criaram a sociedade de Cântico. Para que a sociedade funcione a partir da vontade única de todos os homens, é inevitável limitar pensamentos e eliminar detratores. Aquele que decide a vontade a ser seguida, e a vontade a ser eliminada, é o Grande Irmão.


Se tirarem nossa liberdade absoluta de expressão, nossas verdades e vontades serão decididas por outros que não nós mesmos. Aqueles que atuam como o Ministério da Verdade tirarão nossa individualidade, proibirão que pensemos diferente uns dos outros, que sejamos diferentes, que sintamos verdade e profundidade.


A verdade é encantadora. Ter a liberdade de ir atrás da verdade é um direito do homem. Tirar essa liberdade é reduzir nossa capacidade a um nível animalesco, é desumanizar. EU conhecerei e lutarei pela liberdade. EU acredito na liberdade como princípio. Talvez você não acredite. E que bom que nós ainda temos a liberdade de discordar. Ainda.

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