Reflexão sobre a inveja

Dando seguimento à série de reflexões sobre os pecados capitais do Cristianismo, falarei um pouco sobre a inveja, e como ela evidencia um senso de vida fundamentalmente falho.

Ao contrário do que prega a doutrina cristã, não existe absolutamente nada errado com a cobiça, seja ela direcionada a uma posse material, virtude ou habilidade. Cobiçar significa simplesmente desejar aquilo que outro possui. É o reconhecimento desconfortável de que é possível adquirir um certo valor – afinal, outra pessoa o possui – mas que você, em específico, não foi capaz de adquirir.

Podemos reagir de duas formas: (i) uma pessoa que se guia primazia da existência entende, em nível emocional, que o valor cobiçado é real e busca entender como alcançá-lo. Quem alcançou esse valor que cobiço deve ser estudado e, talvez, imitado. Como o conseguiu? De que forma ele agiu? Como posso me tornar assim? A resposta apropriada à cobiça é a admiração.

Por outro lado, (ii) uma pessoa que se guia pela primazia da consciência reage de forma completamente diferente. Se aceito a premissa de que a realidade é o que eu quiser que ela seja, existem diversas formas de pôr fim ao meu desconforto, dependendo do foco das minhas emoções. Se foco no objeto em si, posso renegar esse valor, fingindo que “ele não é tão bom assim”. Se foco na virtude necessária para atingir esse valor, posso me convencer de que ele foi atingido – ou apenas pode ser atingido – por vias desonestas. Se a minha inveja se dirige a outra pessoa como um todo, preciso apenas, para dar fim ao meu desconforto, focar em suas falhas. Essas são todas instâncias diferentes da mesma coisa – o que eu odeio, em última instância, é a realidade em si, porque ela inclui alguém capaz de atingir algo que eu não consigo.

Trabalhar com música diariamente me deu uma compreensão bastante concreta do assunto. Ao presenciar uma performance sublime, os músicos costumam reagir de duas formas: ou sorriem em reverência e admiração, pensando algo como “Meu Deus, isso é maravilhoso! Como ele faz isso?”, ou emitem sons nervosos, que, em última instância, significam “por que ele é tão melhor que eu? Isso não é justo!”.

A reação invejosa é inevitavelmente complementada por uma das três difamações supracitadas. Após os ruídos e bufadas, sempre escutamos um “é… eu não gosto muito desse tipo de música” pouco convincente (objeto); “isso é ótimo, mas se você focar muito na técnica, deixa de lado o elemento humano da arte” (virtude); ou “sim, ele é muito bom, mas ouvi dizer que sempre chega atrasado” (pessoa). Seja qual for a sua profissão, ao presenciar uma pessoa agindo dessa forma, evite-a a qualquer custo – o que está presenciando é a inveja, e ela não é uma resposta isolada, mas uma forma sistemática de ver a vida.

Podemos admirar aqueles que são melhores que nós, ou desejar a sua destruição – e essa é uma das escolhas mais importantes de nossas vidas.

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Revisado por Matheus Pacini.

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