Nessa entrevista de rádio de 1966, Ayn Rand argumenta que os industrialistas do século XIX foram injustamente identificados pelo epíteto de “barões-ladrões”. No intuito de distinguir os homens de negócios que enriquecem com a produção e o comércio voluntário daqueles que enriquecem através do favoritismo do governo e da coerção legalizada, Rand afirma que todos os males atribuídos ao capitalismo se devem, na verdade, à interferência governamental na economia. Sua análise histórica se foca no trem transcontinental, com discussões sobre monopólios coercitivos e o fenômeno de controles que geram mais controles. Ela também argumenta que as leis antimonopolísticas não são objetivas e, pior, são totalmente injustas.
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Ayn Rand: se um marciano – ou seja, uma inteligência objetiva e não corrompida – analisasse o espetáculo da história econômica do século XIX chegaria à conclusão de que os chamados “barões-ladrões” foram os maiores benfeitores e humanitários que já pisaram na Terra, posto que geraram progresso econômico geral e nível de vida inigualável – de acordo com todos os precedentes históricos – no país onde operaram.
Eles foram homens (i) que assumiram riscos por novas ideias; (ii) que, por sua própria iniciativa, criaram nova riqueza; (iii) que não usaram a força (coerção) governamental em seus projetos. Ninguém era obrigado ou forçado a fazer negócios com eles, a trabalhar para eles ou a comprar deles. “Qual, então, foi seu crime? Possuir um gênio produtivo. Eles criaram produtos materiais, ofertaram empregos e colocaram produtos à venda. Mas, em vez disso, foram chamaram de “barões-ladrões”. “Ladrões”, em que sentido? Por terem tirado dos outros, pasmem, o que os outros não haviam produzido. Foram chamados de “ladrões” porque tiveram a capacidade e a produtividade para criar sua própria riqueza.
A confusão entre produção e roubo é necessária para que o estatismo possa ser vendido. Se não se diferencia poder político de poder econômico – entre força e produção – é consequência natural aceitar o “estatismo” e condenar os homens produtivos. Sem dúvida – e aqui é onde devemos começar, mantendo a clareza dos termos – lembre que, antes de que alguém possa roubar, deve existir algo que possa ser roubado; antes que alguém possa apropriar-se de algo, deve existir algo a ser apropriado, isto é, deve existir a riqueza material – e os chamados “barões-ladrões” criaram a riqueza que são acusados de roubar.
Essa é a pior injustiça intelectual que se pode cometer.
Entrevistador: muitos historiadores e comentaristas sociais apontam o desenvolvimento da indústria ferroviária nos Estados Unidos do século XIX como um exemplo de como um capitalismo sem controles leva ao crescimento do poder arbitrário e a muitas outras maldades. Há alguma verdade nessas alegações?
Ayn Rand: Não há nenhuma verdade nisso, mas sim um equívoco importante: temos que distinguir entre os capitalistas-industrialistas que operam no livre mercado e os corporativistas que operam com a ajuda do governo. Como os Estados Unidos têm sido uma economia mista desde a sua fundação – e não um país livre verdadeiramente capitalista (apenas o mais livre até esse momento da história) – sempre existiram controles e intervenções do governo na economia. Por sorte, esses foram mínimos e marginais (até pouco tempo atrás), não sendo capazes de impactar, em princípio, o progresso magnífico do país.
Há duas formas de enriquecer, e apenas duas: uma delas é produzir sua riqueza e comercializar com outras pessoas em regime voluntário, em benefício mútuo; a outra é adquirir riqueza através da força. Para adquiri-la pela força, uma pessoa tem que ser um delinquente comum, ou um delinquente legalizado: um indivíduo que usa o poder do governo para conseguir privilégios especiais que outros homens – seus concorrentes – não possuem, adquirindo assim riqueza por meio da força legalizada, a saber, a força da lei. É fato que ambos existiram nesse país desde o início e – nesse ponto crucial – todos os males que se atribuem normalmente aos capitalistas e ao capitalismo do século XIX foram, de fato, cometidos por corporativistas que não operavam com base em uma economia livre, que não funcionavam pela concorrência do livre mercado e que não prosperaram por mérito (ou não exclusivamente por seu mérito), senão predominantemente pela ajuda do governo, ou por intromissão do governo na economia.
O melhor exemplo dessa situação teve lugar na história das ferrovias. Por exemplo, a ferrovia que despertou maior ressentimento popular (com certa justiça) foi a Central Pacific da Califórnia, agora chamada de Southern Pacific. Essa foi uma das duas ferrovias construída com subsídios governamentais. Essa foi a primeira ferrovia transcontinental. Como a maioria de vocês sabe, o governo no século XIX subsidiou a Union Pacific e a Central Pacific (duas empresas privadas) para que pudessem construir uma ferrovia de um extremo ao outro do continente. Em ambos os casos, a principal motivação dos homens envolvidos na construção dessa ferrovia (não a única, mas a principal) foi conseguir os subsídios, e não construir uma ferrovia. E, pior, não existia nenhuma necessidade econômica especial de uma ferrovia transcontinental, não havia carga suficiente a ser transportada para justificar um investimento privado. Contudo, o governo, influenciado por propaganda similar a de hoje, e com a desculpa do “prestígio” do país, decidiu construir uma ferrovia, e o fez concedendo subsídios a grupos privados.
Esse é um exemplo típico do corporativista em uma economia mista – o homem que enriquece, não por mérito ou juízo econômico, mas por subsídio ou privilégios especiais do governo. Quem construiu essa rodovia transcontinental tinha uma vantagem especial que nenhum de seus concorrentes privados podia igualar: tinha os subsídios do governo. Como consequência, a Central Pacific teve o monopólio no estado da Califórnia durante 30 anos. E não só teve essa vantagem especial, senão que, controlando e subornando os legisladores da Califórnia, conseguiu que se aprovassem leis proibindo qualquer concorrente de entrar na Califórnia. Para ser exato, a lei proibia todas as rodovias concorrentes de entrar nos portos da Califórnia, e como a maioria da carga de transporte entrava pelos portos, isso significou que nenhuma ferrovia poderia sobreviver economicamente no estado da Califórnia. Houve várias tentativas de quebrar esse monopólio da Central Pacific na Califórnia e, infelizmente, seus concorrentes não conseguiram.
A Central Pacific realizou ações econômicas verdadeiramente imorais e incorretas, a saber: mudaram suas tarifas de transporte arbitrariamente cada ano, cobrando tanto quanto os agricultores tinham produzido, deixando-os praticamente sem benefícios e quase sem sementes para a colheita seguinte. Por não ter concorrência, a Central Pacific cobrou arbitrariamente tarifas devastadoras.
Bem, de quem é a culpa nesse caso? A política popular, mantida pelos tradicionais intelectuais coletivistas e estatistas, culpou a indústria privada. O famoso romance de Fred Norris, El Pulpo, que denunciava as ferrovias, baseou-se na atividade da Central Pacific, e foi a origem do enorme ódio popular contra as ferrovias. E, não obstante, quem foi o vilão da história? Não a empresa privada, nem o livre mercado, mas sim um ato do governo: foram inicialmente os subsídios do governo federal logo reforçados pela legislação da Califórnia que mantiveram o monopólio da Central Pacific e lhe permitiram cometer todos esses abusos ao colocar o público sob seu poder.
É um ato do governo, de privilégios especiais, o que necessita para estabelecer qualquer tipo de monopólio coercivo, e a história da Central Pacific é um exemplo clássico disso. Foi o governo e a legislatura os culpados pelos abusos cometidos. Em vez de identificar esse fato, foram a empresa privada e o livre mercado os culpados.
Se você perguntar se o problema são legisladores desonestos, não é o caso. A questão é que nenhum legislador que tenha o poder de controlar pode ser nem honesto nem desonesto. A desonestidade não está na pessoa, mas na instituição. Quando um governo ostenta um poder econômico arbitrário sobre a economia, não importa quais sejam os controles e as regulações, eles necessariamente terão de ser injustos, posto que terão sido necessariamente impostos à força, em favor de um grupo de pessoas em prejuízo de outros. A lição correta que deveríamos ter aprendido é que controles governamentais só podem criar danos, injustiças e desequilíbrios na economia, devendo ser revogados. O governo não deveria ter poder de interferir na economia, isto é, não deveria ter nenhum tipo de poder econômico. Mas como tem, e durante o tempo que tiver, isso necessariamente ocorrerá: cada controle conduzindo a mais controles, e cada vez mais desastrosos.
Essa não é a conclusão a que se chegou. Até hoje, as pessoas não compreenderam essa lição. E quando algo vai mal em qualquer indústria, os culpados são sempre o livre mercado e os capitalistas livres, e sempre, sem exceção – insisto aqui – se você investigar descobrirá que a raiz dos males ou dos abusos foi o governo: os controles do governo, não os empresários livres de um mercado livre.
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Traduzido por Matheus Pacini.
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