CONTÉM SPOILERS DE “A NASCENTE”
“Um prédio honesto, assim como um homem honesto, tem que ter uma única unidade e uma única crença”.
A arquitetura sempre foi a materialização de um ideário correspondente a cada personalidade, povo e época. Não existe arquitetura separada de todo resto que nos faz humanos. Dentre as influências para a arquitetura, temos a literatura, seja na forma de livros de urbanismo, arquitetura e arte, ou, até mesmo, de romances. Mas afinal, qual é o arquiteto mais influente da literatura?
Seu nome é Howard Roark, protagonista do romance A nascente, de Ayn Rand. Ele foi inspiração de diversos arquitetos desde o lançamento do romance e para entender o motivo disso, é preciso conhecer um pouco sobre a história do romance e alguns elementos da filosofia da escritora Ayn Rand.
Roark, um arquiteto completo
“Não pretendo construir para poder ter clientes, pretendo ter clientes para poder construir.”
A arquitetura sempre foi uma das profissões mais nobres do mundo. Na antiguidade, os arquitetos tinham como principal responsabilidade a construção de monumentos e palácios dos imperadores, mas detinham grande conhecimento nas mais diversas áreas.
Imotepe, o primeiro arquiteto da história, também era engenheiro, médico e intelectual. Sua importância foi tamanha a ponto de ser um dos poucos mortais a ser ilustrado em parte de uma estátua de um Faraó do Egito — considerado um Deus vivo na sociedade egípcia.
Em A nascente, Roark é retratado como um homem culto, entendedor de todas as minúcias da concepção e execução de um projeto de arquitetura. É responsável por conceber, fiscalizar e executar as obras, liderando os operários para que a edificação seja construída conforme foi idealizada no papel.
Além disso, Roark apresenta ideias autênticas e é pioneiro de uma nova arquitetura racionalista e objetiva. Mesmo expulso da faculdade, ele se mostra um arquiteto mais brilhante do que seus pares (Peter Keating, por exemplo), provando seu valor contra todos que preferiam uma arquitetura tradicional e subsidiada, amparada em contratos vultuosos de condomínios de habitação popular.
Roark não admitia nenhuma mudança em seus projetos, aceitando comissões apenas quando os clientes lhe permitissem aplicar integralmente sua visão arquitetônica. Quando faltaram clientes, não teve vergonha de largar tudo para trabalhar como um obreiro comum de construção civil, aprendendo ainda mais sobre a arte de construir.
Vale destacar que os atributos positivos de Roark vão além de suas inovações arquitetônicas. Valores como confiança, amor próprio e racionalidade já faziam parte de seu caráter muito antes de se tornar o arquiteto. Foram eles que o ajudaram a se tornar um arquiteto de vanguarda.
Roark, um arquiteto moderno
“Se é isso que você quer… Eu quero ser arquiteto, não arqueólogo. Não vejo nenhum propósito em criar vilas renascentistas. Para que aprender a desenhá-las, se nunca vou construí-las?”
Apesar de não deixar isso claro no romance, Rand defende a arquitetura moderna, contrapondo, de um lado, Roark e Henry Cameron e, de outro, todos os arquitetos americanos, críticos de arquitetura, intelectuais e formadores de opinião.
Cameron tinha sido um grande arquiteto, precursor de uma nova arquitetura. Porém, já era considerado obsoleto quando Roark decidiu entrar nesse mundo. No entanto, vendo em Roark muitas semelhanças consigo mesmo, decide contratá-lo, ensinando-lhe boa parte de sua filosofia arquitetônica.
Ambos são adeptos de uma arquitetura racionalista e, por conseguinte, enfrentam forte oposição da sociedade e dos críticos de arquitetura. As semelhanças nos remetem para o final do século XIX e início do século XXI, quando a arquitetura eclética e historicista viu a ascensão dos pilares da arquitetura moderna.
Naquela época, a arquitetura moderna sofreu duras críticas por sua adoção de plantas livres sem ornamentação, bem como pelo uso de materiais industriais e outros elementos – era considerada uma arquitetura sem vida e de mau gosto.
Roark, um egoísta
“Nenhum criador foi incitado pelo desejo de servir os seus irmãos, uma vez que os seus irmãos rejeitaram o presente que ele lhes deu e esse presente destruiu a rotina ociosa das suas vidas. A sua verdade foi o seu único motivo. A sua própria verdade e o seu próprio trabalho para o conseguir à sua própria maneira.”
Howard Roark é um dos personagens mais interessantes de toda literatura objetivista. Podemos afirmar que é a personificação do homem ideal para a filosofia da escritora russo-americana. O arquiteto não se sacrifica pelo bem comum, ou por qualquer outro propósito não relacionado ao seu interesse. Seu único objetivo é atingir seus objetivos e sua própria felicidade.
Ao longo do romance, Roark mostra diversas vezes preferir o ostracismo a rejeitar suas próprias convicções, criticando duramente as premissas do ‘altruísmo’. Ele enfrenta a Associação dos Arquitetos Americanos, os intelectuais e os formadores de opinião. Ao final do romance, projeta uma edificação com moradia acessível, cujo resultado só foi possível graças aos conhecimentos avançados de Roark em arquitetura, estrutura e materiais. Com propósitos escusos e buscando atingir os valores de Roark, o projeto é modificado durante sua execução. As habitações que, conforme o projeto, eram mais acessíveis do que qualquer moradia popular, passaram a custar bem mais do que o previsto. A proporção, a forma e a estética do prédio também foram modificadas. A edificação não era mais um projeto de Howard Roark, mas um remendo — muito mal feito.
Sentindo que seu trabalho tinha sido roubado, Roark dinamita Cortlandt Homes. Em seu julgamento, discute-se a questão-chave de se ele era culpado ou inocente: um homem pode viver sem se preocupar com os demais cidadãos de uma sociedade?
Roark, um personagem real?
“Henry Cameron não tinha nada a oferecer em oposição a isso — nada além de uma convicção que ele mantinha, simplesmente porque era só sua. Não tinha ninguém para citar e nada importante a falar. Dizia apenas que a forma de um prédio deve seguir a sua função, que a estrutura de um prédio é a chave da sua beleza, que novos métodos de construção exigem novas formas, que desejava construir como quisesse e, somente por esta razão. Porém as pessoas não podiam escutá-lo, quando estavam discutindo Vitrúvio, Michelangelo e Sir Christopher Wren.”
Embora Ayn Rand nunca tenha falado abertamente sobre a real inspiração para o personagem Howard Roark, muitas evidências e informações ao longo do livro apontam para a figura de Frank Lloyd Wright.
São várias as semelhanças entre o personagem fictício de Ayn Rand e o maior arquiteto americano do século XX: apesar de não terem formação em arquitetura (largaram o curso por incompatibilidade com seus tutores), tinham profundo conhecimento dos aspectos técnicos de estrutura e materiais — o que os colocava em vantagem em relação a outros arquitetos.
Ademais, a dica mais importante de uma ligação potencial entre Howard Roark e Frank Lloyd Wright aparece no primeiro emprego de Roark em um escritório de arquitetura: Henry Cameron. Este personagem apresenta inúmeras semelhanças com Sullivan, o pioneiro do modernismo na cidade de Chicago, que também foi o primeiro empregador de Frank L. Wright.
Sua principal ideia é ensinada até hoje em qualquer escola de arquitetura: “A forma segue a função”, citação que foi atribuída a Cameron em A nascente quase de forma literal. Adiante, Cameron comete o mesmo “erro” de Sullivan. Por pressão, permite que suas obras adquiram uma cara historicista, totalmente antagônica aos pilares da sua arquitetura racionalista e moderna.
Frank Lloyd Wright não cometeu o mesmo erro. Com uma incrível capacidade de convencimento e uma total convicção sobre o seu modo de fazer arquitetura, construía para clientes selecionados, que aceitavam e entendiam as suas ideias. Inúmeros críticos de arquitetura também chegaram a esta conclusão sobre a semelhança entre Roark e Lloyd Wright, como Lansey Hosey e Peter Reidy.
Assim sendo, Roark é um dos personagens mais interessantes e geniais de Ayn Rand, protagonista do segundo romance de uma das escritoras mais lidas nos EUA no século XX. A construção do personagem se inspirou em uma filosofia própria e em figuras reais, apoiado em informações precisas sobre a história da evolução da arquitetura do final do século XIX e XX.
Seja para saborear um bom romance, seja para entender um pouco mais sobre a filosofia objetivista ou mesmo sobre arquitetura moderna, arquitetos e pessoas interessadas em arquitetura devem conhecer Howard Roark, o arquiteto mais influente da literatura.
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Revisado por Matheus Pacini.
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