Qual é o conflito central em “A revolta de Atlas”?

Quem lê o romance A revolta de Atlas pela primeira vez, perceberá logo o conflito entre dois tipos principais de personagens: os criadores, que trabalham para alcançar e produzir valores, e os saqueadores, que não produzem e, em vez disso, buscam tirar valores dos outros.

De certa forma, esse é o principal conflito do romance: os dois grupos representam duas abordagens à vida fundamentalmente opostas. No entanto, a estrutura do enredo de A revolta de Atlas aponta para outro conflito, que se passa dentro da alma dos criadores, que enfrentam o dilema de decidir como agir em um mundo densamente povoado por saqueadores.

Ao estabelecer esse dilema como o conflito central do romance, Rand ilustra na dramaticidade de eventos concretos as implicações de seu princípio moral crucial de que o mal só tem o poder que o bem lhe concede. A estrutura do enredo de A revolta de Atlas é complexa, mas uma única ação funciona como o motor do resto da história: a greve dos criadores, liderada por John Galt.

A greve é a causa do rápido declínio no estado do mundo, pois o desaparecimento dos criadores deixa a sociedade com uma crescente escassez do principal recurso necessário para criar riqueza: homens produtivos. É também a causa das dificuldades dos criadores “fura-greve”, como Dagny Taggart e Hank Rearden, que descobrem que, à medida que mais criadores desaparecem, um fardo mais pesado recai sobre os ombros dos poucos que permanecem.

A resolução do romance – o destino de seus personagens principais e da sociedade como um todo – é determinada pela pergunta: se, e de que maneira, a greve atingirá seu objetivo de destruir e substituir o código moral dos saqueadores?

Em um aspecto importante, a greve é uma ação tomada pelos criadores contra os saqueadores. Os grevistas prejudicam os saqueadores, dificultando seu objetivo de viver dos esforços dos outros. Tão logo os últimos tomam conhecimento do fenômeno, tentam impedir que os criadores “desertem”. No entanto, o avanço da guerra não é determinado pelo sucesso dos saqueadores em impedir a “saída” dos criadores da sociedade.

O principal fator que determina se a greve avançará em direção ao seu objetivo é a decisão individual de cada criador de aderir a ela ou seguir trabalhando no mundo dos saqueadores. Assim que um criador entra em greve, ele não é impedido de seguir sua intenção.

O único obstáculo que ele deve superar é a própria motivação para permanecer neste mundo. Esse conflito interno, entre os princípios da greve defendida por Galt e seus aliados, e as razões para seguir tentando produzir no mundo apesar dos saqueadores, ocorre na alma de cada criador, e a soma desses conflitos individuais determina se a greve tem êxito ou fracassa.

Se um número suficiente de criadores decide adotar os princípios de Galt e, recusando-se a permitir que seus esforços sejam tomados pelos saqueadores, entra em greve contra o sistema social existente que depende da existência de criadores produtivos suficientes para sustentar os saqueadores improdutivos, esse sistema colapsará. Os grevistas prosperarão independentemente dessa sociedade, enquanto os saqueadores perecerão. Por outro lado, se os criadores rejeitarem os princípios de Galt, a sociedade seguirá operando como está, sob o comando dos saqueadores. A decisão de aderir ou não à greve também determina o destino de cada criador individual.

Aqueles que aderem à greve, pagando o preço por abandonar o mundo exterior e tudo o que lá construíram, libertam-se dos grilhões políticos da sociedade saqueadora e dos grilhões morais do código do autossacrifício. Eles conseguem fugir dos perigos do mundo em colapso, vivendo suas vidas livremente, por seus próprios esforços. Mas aqueles que não aderem à greve permanecem no mundo exterior para lutar por seus valores que lá permaneceram, fazem-no à custa de seguir servindo aos fins dos saqueadores.

Para cada personagem e para o resto do mundo, a resolução de todas as questões do enredo de A revolta de Atlas é, em última análise, determinada pela solução do conflito interno dos próprios criadores – a dúvida entre aderir à greve ou persistir no mundo dos saqueadores. O fato de os criadores terem dentro de si a capacidade de decidir como será o seu futuro e o do mundo, enquanto os saqueadores não têm a capacidade de afetar o resultado final dos eventos, não é acidental.

Este elemento do enredo serve para ilustrar um dos princípios mais importantes que John Galt defende: apenas os criadores têm o poder de atingir qualquer tipo de objetivo na realidade; os saqueadores são impotentes, podendo só realizar coisas com a ajuda dos criadores. Cada plano dos saqueadores depende da cumplicidade de algum criador: o Plano de Unificação do Aço depende de Hank Rearden querer trabalhar no prejuízo; o Projeto X depende do trabalho criativo de Robert Stadler (quando ele ainda era um criador); James Taggart só consegue operar a ferrovia de acordo com as demandas irracionais de seus amigos de Washington porque Dagny faz o trabalho para viabilizar isso.

Os saqueadores podem ter os desejos que quiserem, mas apenas os criadores têm o poder de torná-los realidade. Portanto, é lógico que os eventos do romance, em última instância, só possam ser afetados pela decisão dos criadores de ajudar os saqueadores ou não. Se eles se recusarem, o fracasso dos saqueadores está garantido, não importa o que esses façam.

Uma das principais revelações do romance é que este princípio é a consequência de uma verdade ainda mais profunda sobre a diferença entre o método de funcionamento mental dos criadores e dos saqueadores. A descoberta desta diferença, que talvez não seja óbvia à primeira vista, tem um papel importante na resolução dos conflitos internos de dois personagens centrais, Dagny e Rearden, que continuam a trabalhar para os saqueadores mesmo depois de perceberem que a eficácia dos saqueadores é devida inteiramente à sua cooperação. O momento de descoberta de Rearden ilustra o princípio de uma forma particularmente clara.

Ele se encontra com os principais saqueadores, que estão propondo o Plano de Unificação do Aço, um esquema supostamente projetado para salvar a indústria siderúrgica do país – à custa de que a Rearden Steel, a única empresa siderúrgica produtiva, opere indefinidamente no vermelho. Rearden fica perplexo com essa proposta insustentável, que não só o levará à falência, como também decretará o fim da indústria do aço e, portanto, o esgotamento de uma das últimas fontes de riqueza disponíveis do país.

“Não há como fazer o irracional funcionar”, diz ele. “O que pode salvar vocês agora?” “Oh, você fará alguma coisa!” responde James Taggart. Com isso, Rearden percebe que a ajuda que ele tem prestado aos saqueadores é de um tipo mais profundo que o material, que possibilita que vivam e que seus esquemas funcionem. Ele tem fornecido a ajuda que lhes permite pensar que vivem num universo irracional, onde seus caprichos não são regidos por nenhuma lei da realidade, podendo exigir o que quiserem, à espera de um criador que, de alguma forma, faça acontecer.

Os saqueadores tentam operar por um método totalmente irracional, e os criadores que cooperam com eles aplicando suas mentes racionais para ajudá-los, acreditam que o irracional é possível. A diferença fundamental entre os dois grupos, então, é que os criadores se envolvem com a realidade, enquanto os saqueadores a rejeitam em favor de seus caprichos. E o conflito que os criadores enfrentam, isto é, a escolha que enfrentam ao decidir se continuam trabalhando no mundo dos saqueadores ou entram em greve, é a escolha entre flexibilizar/fraudar sua capacidade de confrontar a realidade a serviço daqueles que procuram desafiá-la, ou deixar o irracional falir por seus próprios erros – como deve ser, já que, como diz John Galt, “a realidade não pode ser destruída. Ela destruirá quem tentar destrui-la”.

Vale observar que, na engenhosa estrutura de A revolta de Atlas, a natureza do conflito central serve para ilustrar um princípio filosófico, cuja descoberta pelos personagens principais leva à resolução final desse conflito. O fato de que a resolução do enredo depende inteiramente da resolução dos conflitos internos dos criadores ilustra o princípio de que a adoção do irracional pelos saqueadores torna-os impotentes, e que eles derivam seu poder do serviço voluntário daqueles que usam sua própria racionalidade para manter a irracionalidade dos saqueadores.

Então, Rearden resolve seu conflito interno assim que entende esse princípio, deixando seu emprego e renunciando ao mundo dos saqueadores. E embora Dagny não entre em greve imediatamente após compreender esse princípio, essa é uma etapa importante em sua própria jornada intelectual, que eventualmente a ela a se unir aos grevistas.

Esta interação entre ação concreta e filosofia abstrata transforma A revolta de Atlas em uma obra de arte distintamente eficaz, que concretiza verdades filosóficas profundas e as apresenta de forma nítida e dramática para o leitor.

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Ensaio vencedor do concurso de artigos do Ayn Rand Institute, edição de 2019.

Traduzido por Hellen Rose.

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