Qual a influência de Nietzsche na obra “A Nascente”?

Questão: ouvi dizer que Friedrich Nietzsche teve influência A nascente de Ayn Rand. Isso é verdade?

Resposta: a resposta simples é “sim”, mas há mais a dizer sobre esse tema, portanto, examinemos o dito por alguns acadêmicos à respeito.

A admiração de Rand por Friedrich Nietzsche (1844-1900) no início de sua carreira, acompanhada de seu repúdio completo à filosofia dele, proveem um fascinante material de estudo. Embora acusações vazias à Rand como expoente da filosofia de Nietzsche sejam totalmente imprecisas, a influência dele em A nascente é inegável. O tema é complexo, comenta Lester H. Hunt, professor de Filosofia da University of Wisconsin, pelo fato de que “a relação de Rand com Nietzsche muda consideravelmente com o passar do tempo.”[1]

Embora se opusesse frontalmente à filosofia de Nietzsche, Rand valorizava sua habilidade poética de capturar o estado emocional interno de um homem orgulhoso. Nas palavras de Rand, Nietzsche tinha “um sentimento grandioso pela grandeza do homem, expressado em termos emocionais, e não intelectuais” e foi capaz, em certas passagens, de resumir “as consequências emocionais para as quais A nascente provê uma base racional e filosófica.”[2]

O período de 1930 a 1943 em que Rand planejou e escreveu A nascente foram especialmente importantes para a mudança de sua atitude com respeito a Nietzsche. Sabemos disso pelo estudo cuidadoso de suas notas e manuscritos, conduzido por Shoshana Milgran, professora-associada de Língua Inglesa na Virginia Tech, em um ensaio chamado “A nascente do bloco de notas ao romance: a composição do primeiro homem ideal de Ayn Rand.”[3]

De acordo com Milgram, a conscientização de Rand acerca dos erros filosóficos de Nietzsche a motivaram a identificar e remover material problemático do romance. É por isso que, de acordo com Milgram, “os elementos nietzschianos aparecem, em grande parte, nos blocos de nota; menos no manuscrito, muito menos no texto final e quase nada nas seções do romance escritas depois de ela ter assinado seu contrato com Bobbs-Merrill.”[4]

Enquanto revisava e finalizava o seu romance, ela não só retirou as citações nietzschianas, mas também se empenhou em eliminar os diversos elementos negativos a la Nietzsche. Por exemplo, Nietzsche implica que existem moralidades diferentes para os nobres e os outros, que a vontade de poder é uma expressão de força, que o mundo é um lugar hostil para os homens nobres, que a nobreza espiritual é inata em vez de construída, e que a alma nobre não tem relação com a razão. Tudo isso, Rand repudiou com todas as suas forças…

Quando ela começou a escrever A nascente, ela incluiu e mesmo enfatizou diversos elementos nietzschianos: a hostilidade do mundo a Roark, sua falta de amigos, a oposição entre ele e o mundo. Mas ela, em última instância, mudou tudo isso. A hostilidade desapareceu. Os amigos se uniram a ele, como parceiros em vez de servos. Não é mais seu inimigo qualquer homem na rua, porque qualquer homem disposto a usar sua própria mente é um aliado.[5]

Em seu artigo, Milgram corrobora essas generalizações com numerosos exemplos detalhados oriundos das notas e manuscritos de Rand, lidando, em especial, com a relação do herói com o mundo e com a mulher que ama. Por exemplo, pela análise das notas feitas por Rand nas margens de suas cópias dos livros de Nietzsche, Milgram conclui que “Nietzsche não trata, em nenhuma das passagens que ela marcou, o amor sexual como uma expressão de amor; ela é, sempre, uma expressão de poder.”[6] Contudo, “o romance – em especial, nos capítulos finais – enfatiza não apenas a união de corpo e espírito, mas também a união espiritual de duas pessoas, em vez do poder de Roark sobre Dominique.”[7]

Rand resumiu sua visão mais madura sobre o filósofo alemão num pequeno ensaio que escreveu em 1968:

Do ponto de vista filosófico, Nietzsche era místico e irracionalista. Sua metafísica consistia em um universo byroniano e misticamente “malevolente”; sua epistemologia subordina a razão à “vontade”, sentimento, instinto, linhagem ou virtudes inatas de caráter. Mas, como poeta, ele projeta às vezes (embora, inconsistentemente), um sentimento magnificente pela grandeza do homem, expressada em termos emocionais, e não intelectuais.”[8]

As diferenças surpreendentes entre as filosofias de Nietzsche e de Rand ficam mais claras em um ensaio de John Ridpath, ex-professor de Economia na York University, em Toronto. Em Nietzsche and Individualism, Ridpath afirma: “uma análise da filosofia básica de Nietzsche – sua metafisica e epistemologia – mostra claramente que não há nada em sua visão fundamental que, de alguma forma, seja compatível com a filosofia social do individualismo.”[9]

Individualismo é a defesa do homem como um fim em si mesmo, de direitos individuais, de estado limitado de proteção dos direitos. Nietzsche defende a negação mais extrema possível do individualismo – racista, tirania elitista – e Nietzsche nem por um momento se envergonha de admitir tal ponto. “É essencial para o Objetivismo ser dissociado do pseudoindividualismo de Friedrich Nietzsche.”[10]

O estudo acadêmico mostra que Nietzsche inspirou Rand ao escrever A nascente; todavia, a filosofia dele não deixou marcas na dela.

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Publicado originalmente em New Ideal.

Traduzido por Matheus Pacini.

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[1] HUNT, Lester H. Ayn Rand’s Evolving View of Friedrich Nietzsche, in Allan Gotthelf and Gregory Salmieri (eds.), A Companion to Ayn Rand. Chichester, UK; Malden, MA, 2016, p. 343. (Nietzsche é “sem dúvida, o filósofo com quem Rand é mais frequentemente associada em discussões populares sobre suas ideias”. Hunt escreve que, infelizmente, a tendência prevalente é “exagerar as semelhanças entre as ideias dos dois pensadores”, levando à “má interpretação”)

[2] RAND, Ayn. “Introduction to ‘The Fountainhead,’” The Objectivist. Mar de 1968, p. 6.

[3] MILGRAM, Shoshana. The Fountainhead from Notebook to Novel: The Composition of Ayn Rand’s First Ideal Man,” in Robert Mayhew (ed.), Essays on Ayn Rand’s “The Fountainhead”. Lanham, MD: Lexington Books, 2007.

[4] MILGRAM, Notebook to Novel, p. 24, 36.

[5] MILGRAM, Notebook to Novel, p. 24, 36.

[6] MILGRAM, Notebook to Novel, p. 24, 29.

[7] MILGRAM, Notebook to Novel, p. 24, 30.

[8] RAND, Ayn. “Introduction to ‘The Fountainhead,’” The Objectivist. Mar de 1968, p. 6.

[9] RIDPATH, John Ridpath. “Nietzsche and Individualism,” The Objectivist Forum. (Fevereiro-Abril 1986), p. 5.

[10] Idem, p. 11.

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