A atitude cultural comum trata o idealismo como uma fase da juventude, e o cinismo como um sinal de maturidade. Jovens e adolescentes até podem venerar heróis e buscar respostas claras às grandes questões da vida. Espera-se, todavia, que adultos maduros aceitem que o mundo real não é assim: (i) que seus heróis têm sérias falhas, (ii) que a certeza é uma ilusão, e (iii) que o compromisso moral é a chave do sucesso num mundo repleto de corrupção e covardia.
É por isso que o romance A nascente de Ayn Rand continua a ter impacto na cultura muito depois de sua publicação em 1943. Por diversos motivos, entre eles, a história oferecer uma visão positiva da natureza e das possibilidades da vida do homem, o herói ser um idealista apaixonado que conquista o sucesso, e o romance ter apelo global a milhões de leitores de todas as idades – grande parte dos formadores de opinião de nossa cultura opta por ridicularizar qualquer demonstração de entusiasmo por esse romance.
O herói do romance, Howard Roark, é um arquiteto independente que se recusa a sacrificar a integridade de seus projetos apesar de intensa pressão social e econômica para seguir os padrões tradicionais. Para muitos jovens, em especial, Roark oferece um exemplo inspirador do verdadeiro potencial do homem.
Esses jovens leitores devem realmente abandonar seu idealismo para sobreviver na fase adulta? A resposta é “não”, de acordo com Ben Bayer do ARI. E ele explica por que em seu artigo “A nascente e o espírito de juventude”, publicado no livro Essays on Ayn Rand’s “The Fountainhead”, editado por Robert Mayhew.[1]
Rand identificou o “espírito de juventude” como “um sentimento de grande expectativa, o sentimento de que a sua vida é importante, que grandes conquistas estão ao seu alcance e que grandes coisas estão por vir.”[2] Muitas pessoas se recordam de tais sentimentos, mas relativamente poucas o conservam na vida adulta ou identificam sua origem em termos conceptuais. Como mostrado no artigo de Bayer, o mais notável em Roark é que ele preserva conscientemente o espírito de sua juventude durante sua vida adulta, mesmo desafiado por uma cultura cujos valores são opostos aos seus.
Bayer observa que o conceito randiano de “espírito de juventude” tem três características fundamentais: idealismo, independência e boa vontade – e todos eles estão incorporados ao caráter de Howard Roark.[3]
Para Rand, a essência do idealismo é “levar as ideias a sério”. Isso significa uma convicção de que as ideias importam, ou seja, que “o conhecimento importa, a verdade importa e a mente do indivíduo importa.”[4] Citando eventos do romance, Bayer descreve como Roark mantém sua certeza intelectual frente a demandas incessantes para que ele “cresça” e aprenda a necessidade do pacto (compromisso ou meio-termo).
A independência de Roark é exibida ao longo do romance através de sua confiança em seu julgamento racional, versus personagens “de segunda mão” que se submetem voluntariamente às opiniões dos outros sem uma convicção racional de que elas estão corretas.
A boa vontade de Roark consiste primariamente em um grande respeito pela mente dos outros. Ele trata as outras pessoas como indivíduos racionais, a menos que demonstrem que estão fechadas à razão. Roark é tão confiante em sua própria eficácia que experimenta um “tipo de excesso de potencial”, como Bayer cita, ao ser feliz por ver outros se beneficiarem de seu esforço. Bayer nota que “a própria autoconfiança suprema de Roark o impede de se sentir ameaçado ou magoado pelos outros de qualquer forma significativa.”[5]
Pelo contrário, o vilão do romance, o crítico de arquitetura Ellsworth Toohey, procura conscientemente matar o espírito de juventude de todas as pessoas que encontra. Ele frequentemente menospreza os adultos ao seu redor por buscarem valores particulares como carreiras significativas e amor romântico. Toohey considera a dor sentida por uma pessoa ao comprometer seus ideais como “dores do crescimento”. Diz Toohey: “todo crescimento demanda destruição.”[6] Bayer analisa com cuidado como Toohey executa a destruição calculada do frágil espírito de juventude de sua sobrinha, Catherine Halsey, na medida em que a instiga a substituir seus desejos “bobos” e “infantis” pelas “virtudes” morais convencionais de serviço e autossacrifício.
Para Rand, a moralidade do autossacrifício reduz, e mesmo destrói, o próprio idealismo, posto que ela não pode ser praticada de forma consistente. Esse é o poder mortal do altruísmo, a noção de que o indivíduo não tem autoridade moral separada de seu serviço sacrificial aos outros. Essa ideia de abnegação não apenas torna o sacrifício tanto uma necessidade como uma virtude, mas também sanciona a culpa originada da incapacidade de viver uma vida totalmente moral. O cinismo se apresenta como um bálsamo oportuno para tal culpa purulenta, e uma racionalização para as emoções indescritíveis que alguém sente pelos objetos de seus sacrifícios.[7]
Creio que tudo isso explica por que muitas pessoas denunciam esse romance – às vezes, de forma feroz – como um pensamento infantil que deveria ser abandonado por todo adulto responsável.[8] Segundo Bayer, A nascente exalta o espírito de juventude ao mostrar que “os ideais de juventude não precisam ser abandonados, pois eles representam o estado próprio e natural do homem”.[9] Ler a história e levar seu tema a sério é experimentar um mundo onde idealismo e independência são virtudes práticas para viver a vida e alcançar a felicidade. A figura implacável de Howard Roark serve como uma repreensão a todos aqueles que traem o espírito de sua juventude e um lembrete de que ele não tinham que renunciar aos seus ideais.[10] Roark não renuncia a nenhum de seus valores, não compromete nenhum de seus princípios, e não se sacrifica em nenhum aspecto – ainda assim, ele tem sucesso na vida e no amor.
A nascente, escreve Bayer, “oferece aos leitores uma commodity escassa: o senso de crescimento que se origina da contemplação de um homem ideal.”[11] De fato, Rand “praticamente encurrala o mercado literário” ao retratar a visão do maior potencial humano desejado pelos jovens.[12] Diz Bayer: “os jovens de todas as gerações continuarão a ler e encontrar inspiração nesse romance – e aqueles originalmente inspirados por ele (tais como esse autor) continuarão a relê-lo. “Se o homem quiser obter e manter uma estatura moral, ele precisa da imagem do ideal desde o primeiro dia de sua vida, até o seu último."[13]
Em seu último romance, A revolta de Atlas, Rand escreveu: ““conservar intacta a juventude é chegar, no fim, à visão da qual se partiu.”14. Essa é uma marca de todos os heróis de Rand – e de sua própria história de vida – que preservem o espírito de juventude.
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O primeiro best-seller de Ayn Rand, A Nascente, foi publicado em 7 de maio de 1943. Para comemorar o aniversário de 75 anos de sua publicação, estamos destacando temas do Essays on Ayn Rand’s “The Fountainhead,” uma coleção editada pelo filósofo Robert Mayhew da Seton Hall University. Existem muitos mal-entendidos e miscaracterizações na cultura com respeito ao romance A Nascente (e todo o resto que ela escreveu), e contínua perplexidade em alguns círculos com respeito à sua popularidade crescente, em especial, entre os jovens”, diz Mayhew. “Esses ensaios contêm respostas para muitas perguntas que as pessoas fazem – ou deveriam fazer – sobre esse grande romance.
“The Ayn Rand Institute has granted permission to Objetivismo Brasil to translate this article to Portuguese from its original English version, but does not directly endorse the translation nor guarantees its accuracy, completeness or reliability.”
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Publicado originalmente em New Ideal.
Traduzido por Matheus Pacini.
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[1] BAYER, B. John. The Fountainhead and the Spirit of Youth em Essays on Ayn Rand’s “The Fountainhead,” ed. Robert Mayhew . Lanham, MD: Lexington Books, 2007. p. 227-42.
[2] BAYER, B. John. The Fountainhead and the Spirit of Youth em Essays on Ayn Rand’s “The Fountainhead,” ed. Robert Mayhew . Lanham, MD: Lexington Books, 2007. p. 228.
[3] Bayer retira esses elementos do artigo “The ‘Inexplicable Personal Alchemy,’” in Return of the Primitive: The Anti-Industrial Revolution, ed. Peter Schwartz. New York: Meridian, 1999.
[4] BAYER, B. John. The Fountainhead and the Spirit of Youth em Essays on Ayn Rand’s “The Fountainhead,” ed. Robert Mayhew . Lanham, MD: Lexington Books, 2007. p. 229.
[5] BAYER, B. John. The Fountainhead and the Spirit of Youth em Essays on Ayn Rand’s “The Fountainhead,” ed. Robert Mayhew . Lanham, MD: Lexington Books, 2007. p. 233-234.
[6] BAYER, B. John. The Fountainhead and the Spirit of Youth em Essays on Ayn Rand’s “The Fountainhead,” ed. Robert Mayhew . Lanham, MD: Lexington Books, 2007. p. 237.
[7] BAYER, B. John. The Fountainhead and the Spirit of Youth em Essays on Ayn Rand’s “The Fountainhead,” ed. Robert Mayhew . Lanham, MD: Lexington Books, 2007. p. 241.
[8] “É uma grande surpresa que muitos adultos sensatos ainda levem Ayn Rand a sério,” escreveu uma pessoa no New York Times, discutindo uma adaptação teatral de A nascente. “Mas ele não deveria se surpreender,” respondeu Robert Mayhew, professor de Filosofia da Seton Hall University em resposta. “Rand explicou o apelo do romance em sua introdução à edição de 25 anos: ‘Essa é uma das razões cardinais pelo apelo duradouro de A nascente: é a confirmação do espírito de juventude, proclamando a glória do homem, e o que ele tem capacidade de fazer.’”
[9] BAYER, B. John. The Fountainhead and the Spirit of Youth em Essays on Ayn Rand’s “The Fountainhead,” ed. Robert Mayhew . Lanham, MD: Lexington Books, 2007. p. 240.
[10] Como Onkar Ghate escreve em “Ayn Rand’s Appeal,” “Se considerarmos a essência do que Rand defende, a ideia de que sua filosofia é uma supersimplificação infantil revela muito não da fragilidade de suas ideias, mas do nível intelectual dos muitos adultos que a criticam.”
[11] BAYER, B. John. The Fountainhead and the Spirit of Youth em Essays on Ayn Rand’s “The Fountainhead,” ed. Robert Mayhew . Lanham, MD: Lexington Books, 2007. p. 239.
[12] BAYER, B. John. The Fountainhead and the Spirit of Youth em Essays on Ayn Rand’s “The Fountainhead,” ed. Robert Mayhew . Lanham, MD: Lexington Books, 2007. p. 228.
[13] BAYER, B. John. The Fountainhead and the Spirit of Youth em Essays on Ayn Rand’s “The Fountainhead,” ed. Robert Mayhew . Lanham, MD: Lexington Books, 2007. p. 241.
[14] BAYER, B. John. The Fountainhead and the Spirit of Youth em Essays on Ayn Rand’s “The Fountainhead,” ed. Robert Mayhew . Lanham, MD: Lexington Books, 2007. p. 241.