Poupar é o ato de utilizar a receita (no caso de um empreendimento) ou a renda (no caso de um indivíduo) para outros propósitos que não o gasto em bens de consumo. Trata-se da receita ou da renda que não é consumida.
Como aquilo que é poupado não é, por definição, gasto pelo poupador em bens de consumo, surgiu uma falácia muito popular que diz que poupança é sinônimo de entesouramento – isto é, a acumulação de dinheiro para si próprio, literalmente guardando-o sob o colchão. Essa falácia não é tão difícil de entender quando cometida por pessoas de educação limitada, que quase nada sabem além de sua própria experiência pessoal. Essas pessoas são, em sua maioria, assalariadas que normalmente não incorrem em quaisquer outros tipos de despesa que não aquela com gastos em consumo. Na ausência de um conhecimento mais amplo, é compreensível que tais pessoas confundam gastos em consumo com todos os outros tipos de gasto existentes, e consequentemente concluam que, aquilo que não está sendo gasto em consumo, simplesmente não está sendo gasto em nada.
Porém, tal falácia também é dominante na imprensa, que insiste em dizer que um aumento na taxa de poupança é igual a um decréscimo no gasto em bens de consumo. Por exemplo, sempre que se diz que houve um aumento na taxa de poupança, a imprensa conclui que o efeito disso será, no mínimo, economicamente depressivo.
Pior ainda: a falácia de que poupança é igual a entesouramento é predominante entre economistas profissionais – notavelmente neo-keynesianos e pós-keynesianos -, que rotineiramente descrevem a poupança como um “vazamento” que ocorre no “fluxo de gastos”. (Foram esses economistas que ensinaram essa falácia aos membros da imprensa).
Com efeito, tão completa foi a separação intelectual entre poupança e gasto, que por várias décadas as faculdades e universidades têm rotineiramente ensinado duas ficções: 1) aquilo que é poupado simplesmente desaparece do gasto e ajuda a deprimir a economia, e 2) tudo aquilo que é investido vem virtualmente do nada, e estimula financeiramente a economia.
Tal estado de confusão seria equivalente a acreditar que as sementes que um agricultor espalha em sua lavoura irão simplesmente desaparecer, e que a safra que aparecerá mais tarde estará vindo virtualmente do nada. Entretanto, tal estado de confusão é justamente o corolário de se acreditar que poupança é igual a entesouramento.
Se uma pessoa reconhecesse que o investimento advém da poupança, ela inevitavelmente teria de reconhecer que a poupança se transforma em investimento – que ambos são meramente aspectos distintos do mesmo fenômeno. Nesse caso, a pessoa não veria a poupança como um fenômeno recessivo, e nem o investimento como um fenômeno estimulante.
A doutrina do entesouramento é um exemplo da Falácia da Composição[*]
Uma coisa que tem de ficar clara é que, embora um indivíduo qualquer possa poupar na forma de “entesouramento” – isto é, acrescentando mais dinheiro sob seu colchão -, é impossível que o sistema econômico como um todo faça o mesmo. Com efeito, a crença de que o sistema econômico como um todo pode poupar por meio do entesouramento é um exemplo da falácia da composição – a mesma falácia encontrada na crença de que não apenas uma determinada indústria ou um grupo de indústrias podem produzir em excesso, superando a demanda, como também todo o sistema econômico pode incorrer em uma produção exagerada, para a qual não haveria consumidores.
O motivo pelo qual um indivíduo pode poupar por meio do entesouramento de dinheiro, ao passo que todo o sistema econômico não pode fazer o mesmo, está no fato de que, qualquer que seja a quantia em dinheiro que um indivíduo está acrescentando aos seus encaixes, algum outro indivíduo teve de subtrair essa mesma quantia de suas posses. Se eu vendo meus bens por, digamos, $1.000, e decido reter essa soma na forma de dinheiro, é verdade que estou aumentando em $1.000 minha poupança na forma de dinheiro vivo. Porém, nesse mesmo período de tempo, os indivíduos para quem vendi meus bens tiveram de reduzir seus encaixes, o que significa que suas poupanças acumuladas na forma de dinheiro vivo também se reduziram em $1.000.
Eu tenho agora $1.000 a mais na poupança em forma de dinheiro vivo, mas eles têm $1.000 a menos na poupança também em forma de dinheiro vivo. Se somarmos a mudança ocorrida não apenas na minha posição, mas na deles também, veremos que no sistema econômico com um todo não houve aumento algum na poupança na forma de dinheiro entesourado. O que alguns indivíduos poupam na forma de aumento de seu entesouramento, outros indivíduos tiveram que despoupar.
Uma ótima maneira de ilustrar essa proposição é utilizando o exemplo de alunos dentro de uma sala de aula. Em um dado momento, os membros da sala de aula possuem uma determinada quantia de dinheiro em seus encaixes. Se as portas da sala forem fechadas e a classe se tornar um “sistema econômico fechado” por algumas horas, com seus membros incorrendo em alguma forma de produção e comprando e vendendo coisas uns dos outros, qualquer aluno em particular poderá aumentar sua poupança caso venda mais do que consuma e entesoure esse dinheiro. Porém, para que isso aconteça, o resto da classe necessariamente terá de diminuir sua poupança na forma de dinheiro vivo exatamente na mesma quantia em que aquele aluno em particular aumentou sua poupança. Não há como a classe toda aumentar o dinheiro em seus encaixes. Ou seja: não há como a classe como um todo aumentar sua poupança.
Donde se segue que, se tiver de haver um aumento na poupança do sistema econômico com um todo – isto é, um aumento na poupança de alguns membros do sistema econômico que não seja compensado por um decréscimo na poupança de outros membros do sistema econômico -, a única maneira de isso ocorrer é por meio de um aumento nos ativos, desde que esses ativos não sejam dinheiro. O aumento na poupança do sistema econômico como um todo terá de se dar na forma de um aumento em seus capitais, como, por exemplo, instalações administrativas e industriais, maquinários, ferramentas, equipamentos e estoques.
A única exceção ao princípio de que o sistema econômico como um todo não pode aumentar sua poupança por meio de um aumento na quantidade de dinheiro entesourada irá ocorrer apenas quando houver um aumento na quantidade de dinheiro na economia. Se, durante um período de tempo, a quantidade de dinheiro no sistema econômico aumentar, então poderá haver um aumento nos encaixes de algumas pessoas sem que isso implique o decréscimo nos encaixes de outras pessoas. Mas essa é a única exceção, e ela obviamente não gera uma redução nos gastos.
Ademais, como inevitavelmente esse novo dinheiro terá de ir para os encaixes de alguém, esse aumento dos encaixes constituirá uma parte da poupança da poupança desse alguém. Porém, esse aumento da poupança não adveio de uma redução de gastos – o que, consequentemente, demonstra todo o erro contido no raciocínio keynesiano adotado pela mídia.
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Publicado originalmente em Instituto Mises Brasil.
Revisado por Matheus Pacini
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[*] Em termos keynesianos, a Falácia da Composição se refere ao paradoxo da poupança: um aumento da poupança é bom para um indivíduo, porém se todos pouparem mais, isto causará uma recessão, em decorrência da redução da demanda dos consumidores.