Sempre me intrigou a presença insistente do comunismo na mente dos intelectuais americanos. Como um sistema pode falhar por tanto tempo e de tantas formas, deixando um rastro de morte e sofrimento em seu encalço – e ainda ser considerado “idealista”?
A resposta é que o comunismo é “idealista” em um sentido estritamente filosófico. E isso não é nada bom.
Cheguei a essa conclusão enquanto lia o último panegírico a Marx no The New York Times, jornal que passou o último ano se esforçando muito para reabilitar a imagem do comunismo. Anteriormente, tentei explicar por que o sonho comunista não morrerá ao se analisar seu apelo moral – o desejo desesperado de entrega ao ideal de altruísmo coletivizado, mesmo quando ele se traduz, na prática, em gulags, fome e miséria. Contudo, esta última matéria revela uma explicação ainda mais profunda: a recusa do indivíduo a ajustar suas ideias em resposta ao (feedback) da realidade é, em si, uma base crucial do comunismo.
Chamei este novo artigo no The New York Times de um panegírico a Karl Marx, e isso não é um exagero. O título é: Happy Birthday, Karl Marx. You Were Right! (Feliz Aniversário, Karl Marx. Você estava certo!) Veja, completa-se o 200º ano de nascimento de Marx em 2018. Então, Jason Barker, um professor-associado de Filosofia na Coréia do Sul – por que ele não trabalha um pouco mais ao norte? – parabeniza Marx por ele ter acertado tanto.
Em 5 de maio de 1818, na cidade alemã de Trier, localizada na região pitoresca e vitivinícola do Vale do Mosela, Karl Marx nasceu… Hoje, seu legado está vivo e forte. Desde a virada do milênio, muitos livros foram publicados – de trabalhos acadêmicos a biografias populares – endossando amplamente a análise de Marx do capitalismo e sua relevância perene em nossa era neoliberal.
Em 2002, o filósofo francês Alain Badiou declarou em uma conferência em Londres que Marx tinha se tornado o filósofo da classe média. O que ele quis dizer? Creio que ele quis dizer que a opinião progressista é hoje, mais ou menos, unânime em sua concordância que a tese básica de Marx – que o capitalismo é movido por um conflito de classe profundamente divisivo onde a minoria (classe dominante) apropria-se da mais-valia da maioria (classe trabalhadora) sob a forma de lucro – está correta.
Analisem a cronologia. Em 1818, Marx nasceu. Em 2002, um filósofo francês declara que ele está certo. Bem, algo relevante ocorreu entre tais datas? Por incrível que pareça, a resposta de Barker é “não”. A citação seguinte é o seu resumo da história do comunismo no século XX.
A ideia de uma sociedade sem classes e sem Estado passaria a definir o conceito de comunismo de Marx e Engels e, é claro, a história subsequente e problemática dos estados ‘comunistas’ (ironia!) que se materializaram durante o século XX. Ainda há muito a ser aprendido de seus fracassos, mas sua relevância filosófica permanece, no mínimo, duvidosa.
No século XX, houve estados que se autodenominaram “marxistas”, baseando todos os seus sistemas – da educação à economia – nos ensinamentos de Karl Marx. E, então, fracassaram espetacularmente como economias e sociedades compatíveis com a vida e a felicidade humanas.
O fracasso deles persiste – milhões de pessoas ainda passam fome, isoladas em campos de trabalho forçado, nesse momento, enquanto você lê esse artigo. Contudo, siga em frente, nada digno de nota. Cem anos de morte e destruição tem “relevância filosófica duvidosa.”
São filósofos como esses que têm relevância duvidosa. Por “filósofos como esses” quero dizer algo muito específico e, por ironia, meu ponto é explicado pelo próprio Barker. Ele descreve o encontro de Marx com os primeiros filósofos alemães: “Marx concluiu que os idealismos de Immanuel Kant e Johann Gottlieb Fichte, que tanto dominaram o pensamento filosófico no início do século XIX, priorizaram o pensamento em si – de tal sorte que a realidade poderia ser inferida através do raciocínio intelectual.”
Quando “Idealismo” é usado para descrever uma escola filosófica, ele não significa um compromisso apaixonado com um ideal moral, mas algo próximo de um “ideia-ismo”: a noção de que as ideias têm precedência sobre, e são anteriores aos fatos, e que a realidade deve se ajustar a elas. Nesse sentido, pode haver uma declaração mais sólida de “idealismo” que declarar que conflitos ideológicos sangrentos do século XX são “filosoficamente irrelevantes” porque você não quer duvidar da teoria de Marx?
Essa é a marca da defesa do comunismo – e, outrossim, da esquerda contemporânea. Muitos intelectuais ocidentais negaram categórica e abertamente a miséria na Ucrânia e o reino de terror de Stálin e, até o último momento, superaram Baghdad Bob em sua insistência de que as coisas ficariam bem no comunismo, e que os soviéticos superariam os EUA a qualquer hora.
Essa atitude frente aos fatos explica resto do artigo de Barker. Aqui, por exemplo é o único fato que ele escolhe citar relativo a 200 anos de capitalismo industrial: “de acordo com a Oxfam, 82% da riqueza global em 2017 foi para o 1% mais rico.” No mundo real, o capitalismo global gerou riqueza sem precedentes para as massas, e está a uma geração de eliminar a pobreza extrema.
Ele também cita a previsão de Marx de que profissionais qualificados – uma classe mais consolidada hoje que antes – seria reduzida a assalariados comoditizados. Sua prova? Avanços recentes em AI que, algum dia, produzirão robôs-doutores. Sim, se pularmos 200 anos até o presente, saltando daí para um mundo futuro de ficção científica, Marx estará totalmente certo. Como eu disse: primeiro, ideias em sua mente; talvez, depois, a realidade.
Barker tenta nos vender que Marx era “totalmente contrário” aos idealistas filosóficos por afirmar que “o mundo material determinava todo pensamento.” Mas isso não significa o que você pode pensar que significa. Isso não significa que fatos, observação e evidência é base ideal das ideias. Em vez disso, significa que todas as ideias são apenas desculpas ou racionalizações para as relações existentes de poder econômico (luta de classes).
Isso torna a filosofia marxista ainda mais imune à evidência, pois qualquer argumento feito contra o marxismo pode ser rejeitado como tentativa de impor o pensamento repressor que perpetua o poder da classe dominante. Na verdade, falar ou argumentar contra ideias esquerdistas em si é uma forma de opressão. É assim que a teoria marxista tornou-se o dogma mais rígido e sorrateiro de todos, totalmente insulado do impacto da experiência, análise, críticas e um século de evidência histórica. E artigos como o de Barker são exemplos disso.
Pelo menos, ele nos faz um favor ao explicar que essa estratégia/abordagem marxista é a base de toda a esquerda contemporânea. Agora que o marxismo foi expandido para cobrir “opressão racial e sexual”, a única solução para esses problemas é a revolução marxista: “pensamento iluminado ou racional não é o bastante, dado que as normas de pensamento já estão distorcidas por estruturas de privilégio masculino e de hierarquia social, até mesmo a linguagem que usamos). É por isso que palestrantes com visões contrárias devem ser “desconvidados fisicamente dos campi, expulsos de jornais/revistas, identificados e excluídos pelas mídias sociais.
Isso explica a teimosa imunidade dos intelectuais marxistas às evidências, sua compulsão a pôr a ideia do marxismo acima do domínio dos fatos e argumentos. Mas isso também revela algo mais sinistro: dá brecha à desculpa de que o totalitarismo é uma distorção do marxismo. Intolerância absoluta por discordância ideológica é adicionada às fundações mais profundas da teoria marxista, fomentando a popularidade continuada dessa teoria mortal para o futuro da liberdade de expressão.
__________________________________________
Publicado originalmente em The Federalist.
Traduzido por Matheus Pacini.
Curta a nossa página no Facebook.
Inscreva-se em nosso canal no YouTube.
__________________________________________