Frequentemente escuto pessoas dizendo que a moralidade evolui, em especial, de defensores do naturalismo humanista (ou humanismo naturalista). Mas o que significa dizer que uma moralidade “evolui”? E mais: isso é verdade? A evolução física por seleção natural é um fato bem-estabelecido, mas a ideia de que as teorias e práticas morais humanas sejam produto da evolução está nessa mesma categoria?
Para começar a responder, precisamos esclarecer o que significa dizer que a “moralidade evolui”.
A primeira parte dessa frase é “moralidade”. O que é moralidade? Ayn Rand definiu moralidade como o “código de valores que orienta as escolhas e as ações do homem — escolhas e ações estas que determinam o propósito e o rumo de sua vida[1]”. Então, a moralidade é um código ou conjunto de valores fundamentais aceitos por escolha que guia as decisões particulares em direção a algum objetivo. Esses valores básicos e primários na moralidade serão alcançados através de modos básicos de ação, que são chamados de “virtudes”.
Assim, a moralidade não consiste em atos isolados ou regras sociais, mas de normas fundamentais requeridas para guiar as escolhas de um ser conceptual (humano) em direção a um objetivo (de longo prazo).
Tampouco a moralidade se aplica àquilo que não é escolhido. Uma pedra não é imoral por ter lhe atingido (imoral é quem a atirou, se iniciando a agressão); ela é inanimada e não poderia ter agido de outra forma nessa circunstância. Uma planta não é moral por comer uma mosca; ela não tinha opção, dada a sua natureza. O vômito automático de um homem ao cheirar algo podre não é nem moral, nem imoral, pois não foi escolhido.
Agora, o que significa dizer que algo “evolui”? Significa que sua presença em um organismo é resultado necessário da evolução genética de seus ancestrais. Esse algo é produto dos genes e, assim, não é aprendido e não pôde ser escolhido pelo organismo em questão.
Então, o que as pessoas querem dizer quando afirmam que a moralidade humana “evolui”? Dada a definição correta de moralidade, creio que existam três significados possíveis: 1) a capacidade humana de comportamento moral é produto da evolução genética. 2) a necessidade humana de comportamento moral é produto da evolução genética ou 3) que existe, entre os humanos, um marco (enquadramento) moral universalmente seguido que é produto da evolução genética.
O Objetivismo não nega as duas primeiras, na medida em que a teoria da evolução for sustentada por evidências (e, de fato, é). Na verdade, o Objetivismo baseia sua moralidade no fato que o homem é uma criatura viva, de modo que as opções 1 e 2 são totalmente compatíveis com a filosofia. Mas 1 e 2 são as alegação mais fracas e, creio eu, não o significado principal na mente dos que afirmam que a “moralidade evolui”. A alegação que será respondida no restante do artigo é a 3. Essa é uma alegação mais forte de uma “moralidade evoluída”: um marco moral universal que é produto da evolução.
Em minha discussão sobre moralidade, já dei uma indicação de o porquê a moralidade, propriamente entendida, não pode evoluir. A moralidade é um código de valores, aceitos por escolha, cujo propósito é guiar escolhas. Se algo é produto da escolha individual, então, não é um produto necessário dos seus genes (isto é, não evoluído).
Existe um marco (enquadramento) moral universal?
Nesse ponto, alguém pode afirmar que a moralidade existe para governar escolhas, e que a moralidade não tem sentido se os governados por ela não tem escolha entre fazer o bem ou o mal. Ainda assim, alguém poderia insistir que as pessoas não têm uma escolha de aceitar ou não uma moralidade central. Elas podem dizer que “independentemente da sociedade ou da época, matar, roubar e trapacear sempre foram errados”. E que proibições contra ações como essas formam a base de uma moralidade universalmente aceita.
Ainda assim, quando analisamos o que várias culturas consideram “assassinato”, vemos muitas diferenças. Para quem vive sob o Islã tribal ou primitivo, não é considerado “assassinato” se um homem matar uma mulher ou garota que “desonrou a sua família”. No Japão medieval, um samurai poderia matar um camponês por desrespeito, ou só para testar a sua espada, e isso era perfeitamente aceito e legal.
Dizer que “todas as culturas consideram o assassinato errado”, quando se define assassinato de forma subjetiva como “morte considerada errada dentro de uma cultura” não faz sentido algum. Tudo isso indicaria que todas as culturas têm algum tipo de caso em que matar outra pessoa é considerado incorreto. Isso não indicaria uma norma moral universal. Se “assassinato” for definido de forma objetiva como “morte intencional ou negligente de uma pessoa que não é uma ameaça física iminente à vida das outras pessoas”, então, nem todo tipo de assassinato foi proibido no Japão feudal.[2]
A variação é similar com respeito ao roubo e à injustiça. O conceito de “roubo” pressupõe que alguém é proprietário legítimo do que está sendo “roubado”. Isso, portanto, pressupõe uma resposta à questão: “quem pode ser proprietário de algo e como a propriedade é estabelecida?” “Injustiça” pressupõe, pelo menos, uma definição implícita de “justiça”. Culturas e indivíduos (diferentes) têm ideias diferentes com respeito à “propriedade” e “justiça”. Na ex-URSS, ninguém tinha propriedade por direito inalienável, e qualquer um poderia ser preso ou exilado na Sibéria por questões políticas. Os bolcheviques expropriaram (roubaram) a propriedade de muitos empresários, e tal ação é considerada moralmente correta (adequada) sob o marxismo, dado que era o “caminho inevitável da história”. Até recentemente, a maioria das culturas pensava que as pessoas poderiam ter outras pessoas como escravos. Muitas culturas, incluindo o Japão feudal e medieval e a Europa renascentista, consideravam duelar em nome da honra uma atividade perfeitamente respeitável. Muitas tribos americanas não tinham o conceito de propriedade individual, por exemplo.
Então, não existe um conjunto universal de ideias morais inato às culturas humanas (ou entre seres humanos), mas sim diversos sistemas morais fundamentalmente diferentes. Existem a moralidade homérica, a moralidade estoica, a moralidade epicuriana, a moralidade confuciana, a moralidade japonesa medieval e a moralidade japonesa moderna, a moralidade cristã, a moralidade cristã moderna e a moralidade humanista, a moralidade aristotélica e a moralidade objetivista. Muitos desses sistemas morais têm algumas coisas em comum, outras não. Algumas delas são diametralmente opostas entre si. Com frequência, diferem quanto ao objetivo último a que servem.[3]
Então, o ponto não é que todos esses sistemas morais sejam igualmente completos ou igualmente válidos, mas que a moralidade não é inata. Ela é resultado de definição e escolha, em vez de herança genética.
“Definida e escolhida” ou “aprendida e aceita”?
Assim, o argumento contra a moralidade geneticamente herdada está completa. Não obstante, minha descrição de moralidade como “definida e escolhida” pode parecer inapta quando se analisa como a maioria das pessoas lida com questões morais. A maioria das pessoas parece não avaliar as opções de sistemas morais e escolher uma. Em vez disso, parece aprender ou absorver subconscientemente suas ideias morais dos outros em sua cultura.
É, de fato, verdade que a maioria das pessoas dentro de uma cultura não escolhe conscientemente um sistema moral. Todas as pessoas, todavia, exercem alguma escolha com respeito a ideias morais. Quem se torna filosoficamente consciente, através do aprendizado e/ou inovação conceptual, pode fazer uma escolha explícita sobre qual sistema moral seguir. Dentro desse grupo de pessoas filosoficamente conscientes é que surgem os inovadores filosóficos – que, de fato, definem novos sistemas éticos.
Assim, as várias moralidades são definidas por inovadores filosóficos, e escolhidas explicitamente pelo filosoficamente conscientes. Quem não é filosoficamente consciente tem um escopo menor de controle sobre suas ideias morais, mas ainda têm uma escolha: pode escolher fazer o esforço de pensar sobre o que lhe é ensinado, ou não. Ele pode absorver passivamente quais ideias morais que os outros lhes ensinem ou pode escolher questionar, ser crítico do que são ensinados e tentar obter entendimento.
A moralidade, portanto, é inequivocamente definida e escolhida. Em geral, algum tipo de escolha está sempre envolvida, mas essa escolha só é deliberada e explícita entre os que são filosoficamente conscientes.
Moralidade do chimpanzé?
Quem pensa ver moralidade no comportamento natural de animais não humanos como chimpanzés, tem uma interpretação equivocada do significado de moralidade. Como descrevi acima, a moralidade requer que um indivíduo possa viver pela orientação de seu raciocínio conceptual. Moralidade não é meramente comportamento social, seja geneticamente programado ou aprendido.
A moralidade serve para avaliação e controle de comportamento escolhido com respeito a se uma escolha serve a um objetivo último. O comportamento não pode ser escolhido ou avaliado por conceitos morais se o agente não tiver habilidade para projetar conceptualmente um objetivo último e entender conceptualmente como seu comportamento afeta tal objetivo.
Assim, ninguém pode afirmar que chimpanzés que atacam humanos ou outros chimpanzés sem provocação são “maus”. Ninguém pode dizer que chimpanzés que cuidam de companheiros de batalha estão sendo “bons”. Eles estão simplesmente reagindo à emoção do momento, e conceitos morais não se aplicam, dado que eles não são capazes de fazer escolhas com base em considerações de longo prazo.
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Publicado originalmente em Objectivism in Depth.
Traduzido por Matheus Pacini.
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[1] RAND, Ayn. A Virtude do Egoísmo. Trad. de On Line-Assessoria em Idiomas. Porto Alegre: Ed. Ortiz/IEE, 1991. p. 20.
[2] Note que essa definição de “assassinato” é uma definição legal. Como termo legal (jurídico), não se aplica a lugares e épocas em que não existe Estado de Direito, tais como em guerras.
[3] Traços genéticos que são produtos da evolução não são necessariamente universais entre humanos. Coisas como cor de pele, cor do cabelo e cor dos olhos variam. O que se entende por traços evolutivos são aqueles passados por herança genética na árvore genealógica. Para mostrar que a moralidade é um traço variável herdado variável, seria necessário mostrar que as ideias morais de indivíduos não são aprendidas ou escolhidas, mas sempre produto de uma mistura dos genes de pai e mãe. Esse não é o caso. As primeiras ideias morais de crianças adotadas geralmente tendem a espelhar a moralidade dos pais adotivos, em vez dos pais biológicos. As ideias morais da maioria dos americanos na década de 1970 foram significativamente diferentes daquelas de seus antepassados da década de 1950, por exemplo.