No Objetivismo, existe o conceito de “valor objetivo”, que precisamos explorar em detalhe. Depois de entender e integrar mentalmente o que sabia sobre os seres humanos – seus aspectos físicos, biológicos, mentais e culturais –, Rand concluiu que uma concepção adequada “do bem” e “de valor”, baseada nos fatos, era: o que fosse benéfico para o homem enquanto homem, seria o bem, ou seja, o que beneficiasse o homem por sua natureza factual era o bem, ou tinha valor. Assim, coisas como saúde, liberdade, tecnologia, alimento, moradia, compatibilidade mental com a realidade e coisas semelhantes são boas para o homem com base nos fatos, sendo, portanto, “valores objetivos”. Em outras palavras, em vez de iniciar uma concepção do “bem” ou de “valor” fora de contexto, como fazem tantos filósofos, contemplando a ideia sem referência aos fatos da realidade ou aos aspectos do homem, Rand se concentrou naquilo que sabia sobre o homem considerando os fatos sobre o que ele é e como poderia viver melhor, e decidiu formular uma ideia que os levasse em conta e propôs o que o homem deveria fazer: perseguir as coisas que são benéficas para ele, com base em sua natureza como entidade viva natural e biológica. A ideia de um valor objetivo, e o fato de que o homem tem livre-arbítrio e pode perseguir ou evitar certas coisas por sua própria vontade, é a base para a ética objetivista – essencialmente, a primeira abordagem inteiramente racional da ética e da moralidade na história humana.
Nesse tipo de sistema ético – aquilo que beneficia o homem é o bem ou de valor, e deve ser perseguido – pode-se chegar a certas conclusões sobre o que será benéfico para si, no contexto de sua própria vida e propósitos, com base na observação, decidindo com antecedência o que perseguir e o que evitar. E por ser um animal conceitual, decide o que perseguir e o que evitar de forma conceitual e ética. Ayn Rand chama isso de tomar a vida do homem como padrão do que é bom ou de valor. É uma consideração abstrata, pois é alcançada pela observação do homem em geral (como uma abstração), incluindo toda a sua história e sua semelhança com outras entidades vivas, e extraindo ou focando no fato de que algumas coisas beneficiam e outras prejudicam o homem.
Considerando a história da humanidade e como ela vivia antes da Revolução Industrial, Ayn Rand pôde concluir, ao contrário de outros, que a Revolução Industrial foi um grande benefício ou um grande bem para a humanidade, pois deu mais tempo de vida ao indivíduo e bens e serviços mais benéficos que ele poderia usar para aumentar sua vida. Neste contexto, um automóvel é muito melhor do que um cavalo para se locomover a longas distâncias por ser mais barato, mais fácil de manter, menos propenso a defeitos, não pode ficar doente, etc. Nesse tipo de sistema ético, a natureza factual do homem é a base para o que é certo e errado como princípio geral. No Objetivismo, o capitalismo (incluindo a Revolução Industrial) é bom, tem valor ou é moral por causa dos benefícios factuais que traz ao indivíduo que vive na sociedade capitalista.
Decidir o que, especificamente, buscar ou evitar depende totalmente do contexto do indivíduo. Alguém pode fazer observações gerais sobre o homem e o que beneficia muitos indivíduos (“valor social”), ou o que beneficia os indivíduos mais racionais (“valor objetivo filosófico”), pode prever que isso será benéfico para si, e, assim, persegui-lo. Mas nem sempre é necessário levar em conta o que pode ou não beneficiar os outros, mesmo indutivamente, desde que se tenha contexto suficiente sobre o valor proposto para decidir por conta própria, sem questionar os efeitos que ela tem sobre os outros. Um amigo meu, por exemplo, sabia que queria um celular com internet, mesmo sem jamais tê-lo visto ser usado por alguém; como ele apontou, o inventor do celular com internet teve que imaginar com antecedência se ele sequer funcionaria e teria valor para as pessoas, sem levar em conta o que ele realmente faria por quem o usasse, pois ninguém poderia usá-lo antes de ele o inventar. Embora o método de relacionar um determinado item a si mesmo seja o mesmo em todos os casos – decidir se ele irá beneficiá-lo especificamente ou não –, às vezes, você pode observar os outros usando algo e fazer uma generalização, e outras vezes, pode observar o item e tomar uma decisão baseada apenas nesses fatos.
Por exemplo, uma pessoa pode saber o suficiente sobre o automóvel para decidir se terá algum benefício em ter um, ou observar o valor que outros obtêm ao dirigir, decidindo comprar um ou não. Mas embora o automóvel seja de grande valia para o homem em geral (é um “valor social”, ou mesmo um “valor objetivo filosófico”), não traz muito benefício para quem vive em uma cidade enorme, como Nova York, em que não há vagas ou é muito caro estacionar ou dirigir um carro. Consequentemente, para não haver uma contradição em que um suposto valor não beneficia, de fato, o indivíduo que deveria persegui-lo, deve-se levar em conta o contexto do indivíduo relativo à vantagem de ele comprar ou não um carro.
Em outras palavras, enquanto “a vida do homem” é uma abstração baseada no que se sabe sobre o homem em geral, os fatos e o contexto do indivíduo são fundamentais. É ótimo ter um carro em bairros residenciais – você pode ir aonde e quando quiser porque estacionar e dirigir não é tão caro. Mas para quem mora em Nova York, possuir um carro seria um prejuízo em sua vida pessoal, na maioria das vezes, porque os terrenos dentro da cidade são tão caros que até mesmo um pequeno espaço de estacionamento é muito caro – já ouvi falar em mais de 300 dólares por mês para alugar uma vaga. Então, não seria correto aconselhar eticamente essa pessoa a comprar um carro porque os carros são bons para o homem porque, se ela comprar um, pode ir à falência apenas para poder estacioná-lo. O Objetivismo é uma filosofia orientada para o indivíduo, e jamais proporia, fora de contexto, que um automóvel tem o mesmo valor para todos e, portanto, todos devem comprar o seu, mesmo que possa ser demonstrado que o automóvel (incluindo os caminhões de transporte e semelhantes) traz benefícios, como bens e serviços para as pessoas que vivem na cidade.
Outro exemplo: posso admitir, pensando de uma forma geral, que seja benéfico ter um smartphone com acesso constante à internet comparado a um telefone antigo que só pode se conectar às pessoas através de sinais de voz, mas não seria benéfico para mim, em particular, porque não posso pagar o preço do aparelho nem as taxas mensais de serviço associadas a um telefone desse tipo. Para mim, um smartphone não seria um benefício, dadas as minhas condições econômicas atuais e meu propósito de viver minha vida dentro da minha capacidade.
Assim, embora seja possível fazermos observações gerais indutivamente sobre o que beneficia os homens, ou se possa observar o item a ser avaliado e tomar uma decisão de que isso e aquilo sejam valores objetivos em uma consideração abstrata, é sempre necessário fazer essa consideração de forma racional, com “o pé no chão”, no sentido de saber com antecedência se você, enquanto indivíduo, se beneficiará por ter esse item ou não, no contexto completo de sua vida e circunstâncias. Em outras palavras, diferentemente dos platônicos e dos religiosos, o Objetivismo não sai por aí afirmando que certas coisas são valores se não beneficiarem o indivíduo que, supostamente, está perseguindo-os objetivamente (segundo os fatos).
É nesse contexto que os sistemas de valores propostos devem ser analisados e identificados, levando em consideração não apenas princípios abstratos (pois o homem é um ser conceitual); é preciso reduzir essa consideração até um nível pessoal, sob pena de nem todos os fatos serem levados em conta e acabarmos com uma contradição – um valor que não é um valor. Seria como dizer que o leite de vaca faz bem para o homem e, por isso, o indivíduo intolerante à lactose deve beber um copo de leite todos os dias.
Hoje em dia, um dos grandes erros que muitos políticos ou teóricos políticos cometem é tentar dizer que isso ou aquilo tem valor para a sociedade (na tentativa de considerar a determinação abstrata dos valores), sem levar em conta o que essa consideração ou o sistema proposto impactará o indivíduo. Seria possível dizer, por exemplo, que contratar um plano de saúde é benéfico, pois em casos de emergências médicas ou diante do alto custo de alguns procedimentos, você terá cobertura financeira caso algo aconteça com você. Mas chegar à conclusão de que “todos devem ter plano de saúde” não é aplicar todos os fatos aos indivíduos envolvidos. No meu caso, por exemplo, pagar um adicional de 200 dólares ou mais todo mês para ter a cobertura de um plano de saúde, como o Obamacare vai me obrigar a fazer, não irá me beneficiar nem um pouco.
Atualmente, pago por essas despesas do meu próprio bolso, e não está me custando 200 dólares por mês, embora eu tenha uma conta em aberto com o plano que me atende. Na verdade, se eu acabar tendo que pagar 200 dólares a mais por mês apenas para satisfazer a lei, que está tentando me forçar a pagar um valor proposto, posso muito bem ser levado à ruína financeira porque simplesmente não consigo pagar todas as minhas contas atuais e mais um adicional todos os meses para o seguro de saúde. Em nome de supostamente “fornecer cobertura de atendimento de saúde a todos” com o Obamacare, isso significa que eu teria que escolher entre pagar minhas outras contas ou cumprir a lei. Assim, embora o Obamacare seja apresentado como uma espécie de “valor universal” proposto para a sociedade como tal, ele provavelmente vai levar muitos indivíduos de baixa renda à falência; portanto, não é um valor em qualquer sentido objetivo da palavra, pois é contrário aos fatos de suas vidas.
Concluindo: embora devamos ser conceituais ao decidir que é ou não um valor levando em conta os fatos de uma forma abstrata e com um padrão abstrato (vida do homem), devemos levar em conta todos os fatos para sermos totalmente objetivos, incluindo o que esses valores propostos farão ao indivíduo em sua busca ou uso deles. Ao levar em conta todos os fatos, é possível ter uma abordagem totalmente objetiva (ou científica) à questão dos valores, do bem e da moralidade.
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Artigo publicado em Applied Philosophy Online.
Revisado por Matheus Pacini.
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