O governo realmente é necessário?

Governos não são intrinsecamente bons ou ruins. O fato de o governo ser uma instituição estabelecida para usar a coerção, a força, não faz dele algo necessariamente nefasto. Pelo contrário: o governo, por não ser, intrinsecamente, nem bom, nem ruim, precisa ter relação com algo que seja necessariamente bom, com um valor que não seja avaliado nem por suas características intrínsecas ou subjetivas, mas sim por padrões éticos que levam em consideração o beneficiário e a finalidade desses valores.

O governo somente será uma entidade de valor se e quando estiver alinhado com o maior valor para qualquer ser humano – a sua vida e a sua felicidade -, respectivamente, mantida e alcançada através do exercício do direito à liberdade, pensar e agir sem coerção, e do direito à propriedade, poder criar, manter e dispor daquilo que sua mente e trabalho fizeram jus.

Um governo só pode ser considerado como tal enquanto sua natureza coercitiva servir a esse fim, o de defender a vida daqueles que querem usar a liberdade para criar valor para si na busca da realização dos seus próprios propósitos, sem impor sacrifícios a ninguém. Entende-se como sacrifício não o esforço ou o sofrimento necessários para alcançar valores maiores do que aqueles de que abrimos mão, mas sim a troca irracional de valores maiores por valores menores do que aqueles que realmente permitirão que nossos propósitos de vida e nossos desejos sejam saciados.

A sociedade atual vê desmoronarem sobre os princípios da modernidade as paredes do conhecimento que permitiram à humanidade escalar as barreiras da irracionalidade para alcançar, geração após geração, uma vida melhor, mais saudável, mais longeva e mais pacífica.

O entendimento de que somos seres conceituais, de que temos a capacidade volitiva de usar a razão para controlar o meio que nos cerca, assim como as nossas emoções, através da percepção, da linguagem, da conceituação, da integração, das abstrações e das ideias que formamos a respeito do universo em que estamos inseridos e de nós mesmos, nos fez e nos faz senhores do universo. Não somos maiores que o universo, mas somos a única espécie de ser vivo que pode moldá-lo de maneira incomparável, superando nossas limitações físicas que, comparadas a dos outros animais, são patéticas.

Racionalidade é a ideia central que faz do governo um bem objetivamente necessário; é uma virtude, é uma atitude moral perante a vida que nos leva a considerar que, por sermos seres racionais, precisamos, para escolher, criar, manter e dispor dos valores que nos permitirão viver como seres humanos e colocar em funcionamento nosso aparato cognitivo de maneira produtiva, honesta, íntegra, independente e justa.

Quando abrimos mão das palavras, dos conceitos, das ideias, do convencimento, só nos resta usar a coerção, a mentira, a trapaça, o roubo e a força para sobrevivermos. Esse tipo de ação faz parte do nosso ser, mas não é o tipo de ação que nos caracteriza. Agir irracionalmente através do uso da coerção é o que nos iguala – e não o que nos diferencia – dos animais irracionais. Por isso, precisamos do governo, essa instituição cuja natureza coercitiva deve estar a serviço do ser humano que entende e respeita a racionalidade como a principal das virtudes.

Ao governo cabe investigar, identificar, processar e julgar aqueles que, abrindo mão de sua racionalidade, resolvem usar de coerção para se saciar com ganhos imerecidos, seja locupletando-se com bens materiais ou satisfazendo prazeres bestiais, hedonistas, à custa da vontade de suas vítimas.

É óbvio que o governo é feito por seres humanos, sujeitos aos mesmos vícios daqueles que se valem do uso da força ou de fraude. É por isso que o tamanho do governo deve ser o suficiente para controlar seres violentos, mas limitado para não transgredir e passar ele próprio a agir como os parasitas e perversores que deve combater.

No Brasil, nunca antes na nossa história, nem mesmo durante as ditaduras passadas, perdemos como agora, em plena vigência do melhor modelo desenhado pela socialdemocracia, os limites que temos à nossa disposição para controlar o leviatã. Vínhamos sendo consumidos em fogo brando até que despertamos do torpor que o calor nos infringe. Acordamos do que parecia um sonho e se revelou um pesadelo. Mas nem todos acordaram. Ainda há os que acreditam que cabe ao governo resolver nossas necessidades, em vez de as resolvermos nós mesmos. Esses são os que querem benesses pagas pelos outros. Anseiam por privilégios, mesmo que os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à busca da felicidade alheia sejam violados. Quem pensa assim são os altruístas que são contra o uso da força praticada individualmente, mas não veem mal algum se a violência for praticada pelo estado.

O problema aqui é de mentalidade. A mentalidade positivista do “irmão provedor”, que diz sermos todos irmãos, cuja virtude é a obediência, e o sinal de nobreza é o dever de entregar o que é seu para satisfazer a necessidade de quem não conhecemos, principalmente se o beneficiário não merece a nossa atenção. Essa é a mentalidade marxista que diz “de cada um segundo a sua capacidade, a cada um segundo a sua necessidade”.

Não restam dúvidas de que, depois de milênios de experiência histórica, a humanidade já deveria ter aprendido que isso tudo é falso. Que todos nós prosperamos apenas se formos livres para seguir nossa própria vontade, usar a nossa própria consciência, satisfazer com racionalidade nossos próprios desejos, acordar diariamente focados em nossos próprios propósitos, pensar e agir para realizar aquilo que nos fará felizes, criar oportunidades que levam em direção à felicidade aqueles que compartilham conosco dessa verdade.

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Revisado por Matheus Pacini.

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