O elo perdido na educação

Kevin era um estudante do ensino médio em recuperação, cuja tarefa tinha sido memorizar o processo completo de síntese de proteínas: transcrição, ativação de aminoácidos e tradução – em seus mínimos detalhes. Tão logo aprovado, o seu ex-professor questionou: “Kevin, o que é uma proteína?” Como a diretora daquela escola, Lisa VanDamme, respondeu: “Kevin não fazia ideia.”

Você provavelmente passou pela mesma experiência. Um professor exige que você memorize a fórmula de bhaskará ou o significado de “ligação covalente”, e você obedece sem fazer ideia do seu significado ou para que tal informação lhe será útil no futuro. Em todos os níveis, existem muitas pessoas – muitas delas, educadores – que consideram repetição sinônimo de educação, e a habilidade de fazê-la como indicativo de conhecimento.

Desde a década de 1950, o movimento educacional progressista buscou banir tal repetição ao retirar a ênfase da matéria, acabando, com um só golpe, tanto com o problema como o propósito da educação. Em vez de ensinar, educadores progressistas focam na socialização da criança, tornando-a “um membro efetivo e competente do grupo em que está inserida.”

Embora alguns educadores resistam à dominância do progressivismo, buscando ensinar a matéria, a maioria falha no combate ao problema da memorização mecânica. Ben Orlin – professor de matemática insatisfeito por sua aula se resumir a um jogo de perguntas e respostas – caracterizou a verdadeira compreensão como “construção sobre fatos já conhecidos”, pela qual “conexões emergem naturalmente do material. O fato não é mais um ponto perdido, mas sim parte da trama. Quando você aprende um fato, esse se liga a outros fatos através de uma rede lógica. Não há como ser diferente.”

Essa abordagem de “rede lógica” está correta em muitos pontos, mas falha em ajudar os estudantes a fundamentar as lições e, portanto, entendê-las verdadeiramente. Ela aceita que o conhecimento deve ser construído em cima de conhecimento anterior, seguindo uma sequência particular. Você não pode aprender gramática antes de saber ler; álgebra antes da aritmética; ou bioquímica antes da química. Você não pode estudar as tragédias gregas antes de ser capaz de entender a A Menina e o Porquinho. Tampouco você pode entender as causas da Revolução Francesa antes de entender o conceito de “governo.”

Mas o que falta no modelo de “rede lógica” é uma conexão direta com a realidade. Assim, a professora poderia utilizar a abordagem da “rede lógica” para ensinar quadribol (o esporte competitivo e mágico de Harry Potter). Começando pelo básico, explicaria: “as partidas são jogadas entre duas equipes de sete jogadores voando em vassouras.” Daí em diante, falaria das posições dos jogadores, dos tipos de vassouras, das técnicas de ataque e defesa, além de como capturar o pomo dourado. Concomitante à teoria, daria uma explanação física do ato de voar. Mesmo assim, não importa quão seriamente você memorize tais lições, qualquer tentativa de voar numa vassoura não funcionaria. Embora conectadas por uma “rede lógica”, o quadribol não tem base na realidade.

Ainda assim, muitas matérias ensinadas nas escolas atuais podem muito bem ser sobre quadribol. Com muita frequência, as matérias são ensinadas sem o ponto de partida inicial: a evidência da realidade.

Você pode memorizar uma afirmação sem evidência, mas não pode entendê-la. E memorizar constantemente em lugar de entender pode, de fato, prejudicar sua capacidade de raciocínio. Após 12 anos de escolarização, você considera, desgastado, seus professores autoridades, e as ideias que apresentaram – do pi ao aquecimento global – como verdades oriundas de tal autoridade. Em vez de aprender a testar uma hipótese, você pode pedir ao Google, ao New York Times, ou a qualquer outra fonte que parecer mais crível ou conveniente. Afinal, você aprendeu a buscar, bem como a colocar total confiança na mente de outrem. Em vez de ser capacitado e motivado a entender e controlar o mundo ao seu redor, você leva consigo alguns dogmas desconexos.

Se você é assim, o significado de conhecimento para você pode estar equivocado.

Se você permitir, memorizar e regurgitar destruirão sua motivação e retenção. Por quanto tempo você acha que estudantes como Kevin repetirão o encantamento da síntese proteica depois do teste? Se uma ideia não faz sentido para você, você não pode testá-la ou utilizá-la. O que resta? Esquecer-se dela.

A solução é reconhecer que todo conhecimento deve ser conectado e construído diretamente de evidência perceptual. Por exemplo, quando você era criança, ninguém tinha de lhe convencer da existência de cães. Você via um cão e percebia que ele, independentemente da raça, era diferente de seus pais, bem como da bolinha que ele perseguia. Depois de ver o segundo cão, apesar de ser totalmente diferente do primeiro, você entendia que os dois eram mais parecidos entre si, do que com seus pais ou com a bola. Inconscientemente, você integrava a similaridade num único conceito. Você usava a memorização de forma apropriada, tendo os atributos ‘latido’ e ‘cão’ para se referir a todas as coisas como “cães”.

Em algum momento, você compreendeu conceitos de outras coisas percebidas, tais como “pessoa”, “coelho”, “tigela” e “colher”. Isso lhe permitiu ver as similaridades entre “cão”, “coelho” e “pessoa”, o que os tornam mais parecidos entre si que com “tigela” e “colher”. Abstraindo de um conjunto de diferenças entre cães, pessoas e coelhos, você formou um conceito ainda mais afastado da percepção direta: “animal”. Posteriormente, você continuou nesse esforço racional, apreendendo conceitos ainda mais distantes da percepção direta, tais como “mamíferos” e “répteis”. É provável que você tenha ido mais longe, observando similaridades mais amplas e diferenças mais pontuais, relativas ao conhecimento específico de biologia ou zoologia.

Assim construído, o conhecimento conceptual não toma a forma de rede dispersa, mas sim de hierarquia lógica que cresce de uma base de evidência diretamente perceptível aos níveis mais elevados de abstração.

Contudo, se existem elos perdidos em sua mente entre conceitos abstratos (seja quadribol ou RNA-mensageiro) por um lado, e a evidência do outro, então, esses conceitos permanecem efetivamente desconectados da realidade. E serão essencialmente inúteis para você. Inconsciente dessa estrutura hierárquica de conhecimento, educadores em todos os níveis introduzem diariamente conceitos sem evidência e falham em conectar novas evidências aos conceitos de lições anteriores.

Se você busca o verdadeiro poder da educação, nunca aceite ideias com base em autoridade (argumento de autoridade) ou por padrão. Não permite que a obrigação da memorização corroa a sua mente. Trate alegações infundadas como hipóteses que são. Exija evidência e siga o caminho que ela apontar.

__________________________________________

Traduzido por Matheus Pacini.

Publicado originalmente em The Undercurrent.

Curta a nossa página no Facebook.

Inscreva-se em nosso canal no YouTube.

__________________________________________

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Inscreva-se na nossa Newsletter