Em primeiro lugar, algumas boas notícias sobre o desastre ambiental do Love Canal, ocorrido na década de 1970, na cidade de Nova York: o resultado de estudos de longa duração não mostrou aumento na taxa de câncer ou defeitos de nascimento (malformações congênitas) entre os residentes da vizinhança. Essa é uma boa notícia, mesmo que produtos químicos tóxicos tenham sido lançados no meio ambiente, e moradores tenham sido aterrorizados e transferidos de local, sofrendo grandes perdas no valor de sua propriedade.
Agora, as más notícias: o Love Canal é um exemplo clássico de jornalismo tendencioso combinado com má filosofia que, quatro décadas depois, continua a contaminar o pensamento popular e as políticas públicas.
A história começa na década de 1940, quando a empresa Hooker ElectroChemical Corporation adquiriu um terreno que desejava utilizar como depósito de resíduos químicos, próximo às Cataratas do Niágara. Antes disso, o exército dos EUA e o governo municipal já tinham usado o terreno como aterro. A empresa testou o local e o julgou seguro. Os inspetores dos governos estadual e municipal aprovaram o projeto e emitiram as licenças correspondentes. A Hooker usou o local até o início da década de 1950, quando a capacidade do aterro se esgotou. Nesse momento, o aterro foi coberto com uma camada impermeável de argila e abandonado.
Avance duas décadas (até 1970), e chegamos ao desastre. Alguns moradores do Love Canal notaram infiltrações em suas casas e notificaram as autoridades, e foi descoberto que se tratava de produtos químicos tóxicos. Os residentes ficaram naturalmente assustados e ofendidos. A mídia se dirigiu ao local e a história se tornou nacional e internacional. O presidente Jimmy Carter declarou o Love Canal como área de desastre e cerca de 900 famílias foram realocadas.
Agora, tratemos da importância do jornalismo e da filosofia.
Na imprensa, a empresa Hooker foi amplamente condenada. Ralph Nader denunciou-a como uma “empresa insensível” que depositou resíduos químicos sem preocupação com a saúde pública. Um artigo publicado em 1979 no Atlantic Monthly questionava se poderíamos esperar que corporações privadas agissem de forma responsável, sugerindo que a busca pelo lucro as levava a se preocuparem mais com o dinheiro do que com a saúde de funcionários e moradores. A empresa Hooker logo foi processada em mais de US$ 2 bilhões. A Agência de Proteção Ambiental rapidamente estabeleceu diversas novas regras com respeito ao tratamento de resíduos industriais. Em 1980, o Congresso dos EUA aprovou um superfundo proposto pelo senador Al Gore — no valor de US$ 400 bilhões — dedicado à questão da destinação do lixo tóxico nacional.
Em grande parte, graças ao Love Canal, é que uma filosofia ambiental se arraigou na consciência pública: corporações insensíveis, sedentas por lucros, estão poluindo nosso ambiente, causando defeitos de nascença e câncer, e somente o governo pode nos salvar.
Essa narrativa abstrata do caso do Love Canal é quase perfeitamente oposta à verdade. Daqui em diante, discutiremos sobre uma narrativa mais importante.
Também no início dos anos 1950, o Conselho de Educação da cidade de Niágara Falls desejava algum terreno para a construção de uma nova escola. Para os membros deste conselho, a região do Love Canal era ideal e fizeram à Hooker uma oferta de compra do terreno. Mas a Hooker se negou a vender. A corporação informou que o local continha resíduos químicos tóxicos e, portanto, era inapropriada para uma escola. Contudo, o Conselho de Educação, como agência governamental, tinha o poder político ao seu lado — nesse caso, o poder da desapropriação. Dessa forma, ignorou a recusa da Hooker, ameaçando utilizar o governo municipal para forçá-la a vender.
Então, a Hooker vendeu a propriedade à cidade por US$ 1 dólar. Mas no contrato de venda — e em vários veículos públicos de informação — a Hooker deixou explícito o histórico da propriedade como um depósito de lixo químico, expressando sua forte oposição aos planos do governo municipal, e especificou que, sob nenhuma circunstância, a camada de argila deveria ser rompida.
Mesmo assim, o governo municipal prosseguiu com seus projetos: estabeleceu redes de esgoto, vendeu alguns terrenos a construtores que, por sua vez, construíram casas. E, como originalmente desejado, uma escola foi construída no local.
Então, quem são os verdadeiros vilões da história?
Toda a informação supracitada é de domínio público, e alguns críticos argumentaram que a discussão sobre o desastre do Love Canal estava perdendo o rumo, e que lições erradas estavam sendo retiradas do fato.
Não obstante, o poder da narrativa corporação má / governo bom é realmente forte. Mesmo hoje, quatro décadas depois, ela prevalece. Em 2013(!), um jornalista do USA Today resumiu a história dessa maneira: “a tragédia do Love Canal começou quando a empresa Hooker usou um canal abandonado, de 1942 a 1953, para despejar 21.800 toneladas de resíduos industriais perigosos. O canal foi posteriormente coberto, e casas e escolas foram ali construídas”. Nenhuma menção ao Conselho de Educação ou à habilidade governamental de forçar a venda.
Mas a tragédia do Love Canal não teria acontecido sem (1) o poder político da desapropriação, e (2) a confiança dos oficiais do governo de que não seriam responsáveis caso algo de errado acontecesse.
A questão é séria, pois vivemos em uma sociedade intensiva em ciência e engenharia. Existem muitas vantagens relacionadas à vida em uma sociedade de alta tecnologia — mas também existem muitos riscos, incluindo resíduos tóxicos. Como trataremos os produtos químicos perigosos dos quais depende nosso estilo de vida, mantendo nosso ambiente seguro? Devemos tirar as lições corretas dos grandes erros.
Deveríamos nos questionar, como resultado do Love Canal:
• Esse caso reduziu a habilidade do governo de adquirir propriedades por meio da desapropriação?
• Algum político ou oficial do governo foi:
1. Condenado por negligência?
2. Forçado a pagar indenizações?
3. Preso?
As respostas são: não, não, não e não.
No caso do Love Canal, a empresa comportou-se de forma responsável — precisamente por causa da busca do lucro. Os diretores da empresa eram seres humanos normais que não queriam envenenar ninguém, mas a busca do lucro concedeu-lhes um incentivo adicional a agir de forma responsável: desejavam uma reputação positiva para a empresa, evitando processos judiciais onerosos.
E no caso do Love Canal, o poder público comportou-se de forma irresponsável — precisamente porque os oficiais tinham pouco ou nenhuma responsabilidade monetária ou legal.
Jornalismo tendencioso junto com má filosofia ambiental reforçaram a irresponsabilidade. A história subsequente do caso foi a punição da parte responsável. A Hooker e a Ocidental Petroleum — empresa que adquiriu a Hooker em 1968 — foram forçadas a pagar centenas de milhões de dólares em indenizações e, além disso, criticadas e ridicularizadas na imprensa, sofrendo condenação pública.
E a história subsequente foi o perdão à parte irresponsável. Os membros do Conselho de Educação de Niagara Falls e seus apoiadores no governo municipal conseguiram, em grande parte, livrar-se tanto do escrutínio público por seu papel no caso, quanto dos custos financeiros relacionados às ações judiciais e à limpeza do local.
A questão aqui não é a dicotomia liberal de empresas privadas responsáveis versus governos irresponsáveis. A questão é que todos os poderes, privados ou públicos, deveriam assumir a responsabilidade por seus atos.
Em especial, o caso do Love Canal serve de exemplo de que o poder coercivo governamental da desapropriação deveria ser minuciosamente verificado. Dezenas de milhares de governos locais ao redor do mundo ainda possuem esse poder não verificável da desapropriação; dezenas de milhares de políticos ainda desejam construir escolas e aumentar sua arrecadação de impostos.
__________________________________________
Publicado originalmente em EveryJoe.
Traduzido por Matheus Pacini.
Curta a nossa página no Facebook.
Inscreva-se em nosso canal no YouTube.
__________________________________________