Uma das falácias econômicas mais perniciosas e difundidas é a crença de que o consumo é a chave para uma economia sólida e em contínuo crescimento.
Ouvimos essa ideia constantemente na imprensa e nas conversas casuais, especialmente em épocas de recessão econômica. As pessoas dizem coisas como: “Ah, se todos começarem a comprar novamente, a economia voltaria a crescer” ou “Se conseguíssemos colocar mais dinheiro nas mãos dos consumidores, sairíamos dessa recessão”.
Essa crença no poder do consumo não apenas conduziu grande parte da política econômica nos últimos anos, com seus infindáveis pacotes de estímulo, como também estimular o consumo sempre foi o objetivo supremo de todas as políticas econômicas adotadas por governos.
Tal ideia é uma herança do equivocado pensamento keynesiano. Ela ignora o fato de que é aprodução, e não consumo, a fonte de riqueza. Se o que se quer é uma economia saudável, então é imprescindível criar as condições para que empreendedores possam produzir e criar riqueza. Igualmente importante é criar as condições para que pessoas e empresas possam poupar o suficiente para financiar toda essa produção e, também, para consumi-la no futuro.
Quanto mais poupança, maior a quantidade de fundos a serem emprestados. Quanto maior a quantidade de fundos a serem emprestados, menores os juros. Quanto menores os juros (e os juros serão baixos por uma consequência de mercado, e não por manipulação de um Banco Central), mais economicamente viáveis serão os investimentos de longo prazo, que são os que realmente enriquecem uma economia e geram maiores salários.
Simultaneamente, quanto maior a poupança, maior a capacidade de consumo futura da população. Mais demanda haverá para os investimentos de longo prazo iniciados hoje.
É tentador dizer que essa questão do consumo é uma espécie de enigma “do ovo e da galinha”: afinal, qual é o benefício de se produzir coisas se não houver ninguém para consumi-las? A solução para essa charada é reconhecer que somente temos o poder de consumir se antes produzirmos e vendermos algo para então termos os meios de consumir. É impossível consumir sem antes você ter produzido e vendido (como a sua força de trabalho, por exemplo).
Iniciar a análise pelo consumo pressupõe que o indivíduo já adquiriu os meios. Contrariamente a essa análise, a riqueza é criada por meio de atos de produção que rearranjam recursos de uma maneira que as pessoas valorizam mais do que arranjos alternativos. Esses atos são financiados com a poupança que vem de indivíduos que se abstêm do consumo.
A criação de riqueza e os consumidores
Em uma economia capitalista, a riqueza está majoritariamente na forma de capital.
Capital é toda a riqueza acumulada que pertence a empresas ou a indivíduos, e que é utilizada para o propósito de se auferir receitas e lucros. O capital abrange todas as fábricas, minas e fazendas agrícolas, bem como todos os maquinários e equipamentos, todos os meios de transporte e de comunicação, todos os armazéns, lojas, escritórios, imóveis comerciais e residenciais, e todos os estoques de materiais, componentes, suprimentos, bens semimanufaturados e bens acabados que são propriedades de empresas.
Capital, portanto, é a riqueza empregada na produção, e subsequente venda, de bens e serviços. Essa riqueza é o alicerce tanto da oferta dos produtos que as pessoas compram quanto da demanda pela mão-de-obra que as pessoas vendem.
Quanto maior a riqueza dessa economia, maiores serão os salários reais. E por dois motivos: haverá uma maior oferta de bens produzidos e uma maior demanda pela mão-de-obra de assalariados.
Tributar os lucros dessas empresas significa privar-lhes de fundos que elas utilizariam para adquirir bens de capital e pagar salários. Déficits governamentais também geram o mesmo efeito, pois são majoritariamente financiados com o dinheiro que essas empresas emprestam para o governo. Portanto, tanto a tributação quanto os déficits governamentais irão reduzir a demanda por (e a produção de) bens de capital e a demanda por mão-de-obra. Em outras palavras, déficits governamentais e tributação reduzem o nível da produção, contribuem para a elevação dos preços eimpedem o aumento de salários.
Consumidores e seu ato de consumo não são e nem podem ser os responsáveis pelo desenvolvimento industrial de nenhum país. Consumidores possuem uma miríade de necessidades e desejos, os quais permaneceriam totalmente não realizados caso empreendedores e capitalistas não investissem sua riqueza e capital acumulado para encontrar maneiras de suprir essas necessidades e desejos.
Empreendedores e capitalistas irão investir sua riqueza e capital na criação e desenvolvimento de novos e aprimorados produtos, bem como de mais eficientes e menos custosos métodos de produção, tudo para satisfazer os desejos dos consumidores. E quando tais aprimoramentos forem introduzidos, só então os consumidores irão adquiri-los, e frequentemente em ampla escala.
As empresas e indústrias que produzirem os melhores produtos, ou os mais baratos, e com isso conquistarem grandes fatias de mercado, irão se expandir continuamente, tornando-se assim grandes integrantes do sistema econômico.
Isso, no entanto, não significa que haverá um aumento geral no número de empregos. Por exemplo, ao passo que o desenvolvimento da luz elétrica levou a um grande aumento no número de empregos relacionados à produção de lâmpadas incandescentes e de fiação elétrica, tal fenômeno também levou a uma quase total extinção da produção de velas, lanternas e lâmpadas a gás, com uma correspondente perda no emprego nestas áreas.
Similarmente, quando o automóvel substituiu o cavalo e a charrete, o vasto número de empregos criados na indústria automotiva foi acompanhado de uma maciça perda de empregos nos setores de construção de charretes, ferraria, criação de cavalos, fabricação de selas e cultivo de aveia.
Não há estímulos benéficos
Por tudo isso, o ato de colocar mais recursos nas mãos dos consumidores por meio de pacotes de estímulo governamental falha exatamente porque a riqueza transferida provém, acima de tudo, dos produtores. Isso é óbvio quando o gasto é financiado por impostos; porém, é igualmente verdadeiro quando se trata de déficits do governo e inflação.
Em caso de déficits, como dito, a riqueza vem das compras de títulos do governo pelos produtores. Com a inflação monetária, o efeito é outro.
Levados pela crença de que é o consumo o que gera emprego, economistas keynesianos defendem estimular o consumo por meio da inflação monetária — isto é, da criação de quantias adicionais de dinheiro. Tal procedimento tem o potencial de aumentar o emprego apenas sob determinadas circunstâncias: somente se aqueles vendedores de bens de consumo que estiverem sendo premiados com esse volume adicional de gastos dos consumidores pouparem e investirem essas suas receitas adicionais. Nesse caso, eles poderão expandir sua produção e contratar mais mão-de-obra.
Porém, se eles também consumirem essas suas receitas adicionais, ou se o governo tributar essa receita adicional — e ele fará isso —, não haverá aumento nos gastos para mão-de-obra ou bens de capital. Consequentemente, não haverá aumento no emprego.
O poder da inflação monetária em promover o emprego também depende de os sindicatos serem fracos ou até mesmo não existentes. Se existirem sindicatos e eles forem poderosos, então eles irão se aproveitar da inflação para exigir maiores salários nominais — mesmo em meio a um maciço desemprego —, anulando desta forma a capacidade de um maior volume de gastos por mão-de-obra aumentar o emprego.
Obviamente, é desnecessário enfatizar que a inflação faz com que o poder de compra de todas as pessoas, e em especial dos mais pobres, seja reduzido, o que irá afetar diretamente o poder de consumo futuro — que é exatamente o contrário do almejado por essa política.
Em nenhum desses casos, portanto, o governo criou riqueza. Tampouco o consumo o fez. A capacidade de consumir continua dependendo de atos anteriores à produção.
Se o que se quer é um estímulo econômico de verdade, então os empreendedores devem ser liberados para fazer suas atividades. E a maneira certa de se fazer isso é criando um ambiente mais propício para a produção, em vez de penalizar a poupança que a financia.
Culpe Keynes
Historicamente, foi o keynesianismo quem introduziu a ênfase no consumismo como a força-motriz da economia. Antes da revolução keynesiana, a crença padrão entre os economistas era que a produção era a fonte da demanda e que encorajar a poupança e a produção era a maneira de gerar crescimento econômico.
Essa era a compreensão correta da Lei de Say. Como o próprio Jean-Baptiste Say escreveu no início do século XIX:
O estímulo ao mero consumismo não é benéfico para o comércio; a dificuldade está em ofertar os meios e em produzir, e não em estimular o desejo pelo consumo; e já vimos que somente a produção fornece tais meios. Portanto, é o objetivo do bom governo estimular a produção, e do mau governos estimular o consumo.
É claro que “estimular a produção” nada mais é do que deixar os produtores livres para buscarem o lucro como desejarem, dentro de um arcabouço liberal-clássico. Isso não significa que o governo deve beneficiar artificialmente produtores, assim como não deve estimular o consumo.
A grande ironia é que os esquerdistas frequentemente argumentam que o capitalismo é sinônimo de “consumismo”. Eles genuinamente pensam que os defensores do livre mercado acreditam que mais consumo promove crescimento econômico. Consequentemente, somos acusados de fornecer uma espécie de cobertura ideológica para justificar aquele consumismo que, na visão deles, destrói vidas e desperdiça recursos. O que esses críticos de esquerda não percebem é que os economistas clássicos nunca viram o consumo como sendo a força-motriz do crescimento econômico e da prosperidade. Quem introduziu essa ideia foi Keynes e quem a entronizou foram os economistas keynesianos críticos do livre mercado.
Graças ao keynesianismo, a manipulação dos elementos que compõem a equação do PIB (consumo, investimento e gastos governamentais) se tornou o foco de todas as políticas macroeconômicas. Foi o arcabouço teórico keynesiano que levou à criação das estatísticas de PIB e que implicitamente gera as incitações para mais consumo.
Por mais de 150 anos, os defensores do livre mercado viram o consumismo como destruidor de riqueza, e a poupança como a sua criadora. Eles nunca defenderam que “estimular o consumo” era o caminho para a prosperidade. Portanto, eles não podem ser acusados de justificarem a “cultura consumista”. E o mesmo é verdadeiro para os defensores do livre mercado do século XX, como Mises e Hayek.
Se a esquerda progressista quer lamentar o enfoque da economia moderna no consumo, então ela deveria voltar suas artilharias para os intervencionistas keynesianos.
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Publicado originalmente em Instituto Mises Brasil.
Revisado por Matheus Pacini
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