Nem toda vida tem valor

Traduzido por Manu Olik

“Orientada pela crença de que toda vida tem o mesmo valor, a Bill & Melinda Gates Foundation trabalha para auxiliar todas as pessoas a terem vidas saudáveis e produtivas.” Que base menos controversa poderia haver para uma fundação do que essa?

A ideia de que todo ser humano tem valor é considerada como um ponto de partida moral autoevidente no raciocínio moral. Mas é uma ideia ruim — não porque está errada, mas porque nem sequer é coerente.

“Valor” é um conceito relacional: ser um valor é ser valioso para alguém. Rochas em uma galáxia distante não têm e não podem ter valor, mas as rochas que revestem meu jardim têm valor: têm valor para mim porque servem aos meus propósitos. E meus propósitos são todos os meios para meu propósito final: minha própria vida. É o fato de eu valorizar minha própria vida que torna outras coisas valiosas para mim na medida em que promovem minha vida.

E quanto aos outros seres humanos? Suas vidas podem ter valor para eles (embora infelizmente nem sempre), mas — para mim?

Certamente as pessoas que eu conheço e com quem me importo têm valor para mim. Minha felicidade está profundamente ligada à felicidade de meus filhos, minha namorada, meus amigos mais próximos. Mas até estranhos distantes podem ter valor para mim. Eles não são só potenciais amigos, mas eu prospero vivendo em um mundo interconectado onde bilhões de pessoas estão descobrindo conhecimento e criando riqueza.

Na medida em que os seres humanos são racionais, produtivos e pacíficos, são aliados na busca pela vida e pela felicidade. É por isso que um Egoísta Eficaz é um humanista radical. Seu florescimento é ajudado pelo florescimento humano em si.

Mas nem todos os seres humanos têm valor para mim. Um monge vivendo em uma caverna não é um aliado — sua vida não tem nenhum impacto sobre mim. Não desejo mal a ele, mas baseado em que eu poderia valorá-lo? Ainda mais relevante, existem muitas pessoas que representam uma ameaça para mim: não apenas ditadores sedentos por poder e criminosos psicopatas, mas qualquer um que seja essencialmente irracional. Eles são inimigos de tudo o que valorizo. Valorá-los seria imoral e suicida.

E é por isso que é tão crucial não concordar que “toda vida tem valor”. Com muita frequência, esse princípio é invocado para justificar a injustiça. Não puna criminosos ou destrua agressores estrangeiros: toda vida tem valor. Não siga seus próprios sonhos e aspirações: sirva e se sacrifique pelos outros porque toda vida tem valor.

Temos só uma obrigação para com todos os outros seres humanos, incluindo o monge na caverna e o teórico da conspiração desocupado que manipula emocionalmente seus pais para conseguir um lugar para morar: temos a obrigação de respeitar seus direitos.

Os direitos individuais não se baseiam na premissa de que “toda vida tem valor”. Os direitos individuais estabelecem as condições sociais que permitem a cada indivíduo valorar sua própria vida e felicidade — se ele assim escolher. Para respeitar os direitos individuais de um teórico da conspiração desocupado, eu não preciso valorá-lo — só preciso deixá-lo em paz. E se alguém violar os direitos individuais, ele se coloca fora da proteção desses direitos e será tratado como ele mesmo demandou ser tratado: como um animal perigoso.

Os seres humanos possuem livre arbítrio. E, neste sentido, até mesmo o monge ou o vagabundo têm um valor potencial para mim — eles têm a capacidade de mudar seu rumo e se tornarem aliados na busca pela vida e felicidade. Mas você não pode valorar alguém por uma capacidade que ele escolheu deliberadamente não exercer. O fato de o monge e o vagabundo poderem viver vidas morais, mas terem escolhido não o fazer, é precisamente o que os torna perversos.

As pessoas devem ser julgadas pelo que realmente fizeram de si mesmas — não pelo que poderiam ter feito. Hitler poderia ter sido um pintor. Stalin poderia ter sido um poeta. Mas não foi esse o caminho que escolheram. Eles se tornaram monstros, e assim como seria absurdo condenar um homem moral por ter a capacidade de cometer atrocidades, também seria absurdo valorar um homem imoral por ter a capacidade de alcançar a nobreza.

No final das contas, a ideia de que “toda vida tem valor” é um legado do Cristianismo. Para os cristãos, você é valioso não por algo que tenha feito ou conquistado, mas porque é feito à imagem de Deus. Na verdade, a graça de Deus é a única coisa que o torna valioso, porque todos nós somos pecadores e não podemos ser redimidos por nossas próprias boas obras.

Nenhum ser humano com um pingo de moralidade ou autoestima poderia considerar esse ponto de vista aceitável: isso significa que tudo de bom em você vem de Deus, tudo de ruim vem de você e não há nada que você possa fazer para se tornar mais moralmente digno do que Hitler ou Stalin. Você só pode esperar pela graça de Deus, da qual Hitler e Stalin eram igualmente dignos, desde que, no último suspiro de sua existência terrena, tenha pedido perdão a Deus.

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