Em A revolta de Atlas, as primeiras palavras de James Taggart são “não me perturbe, não me perturbe, não me perturbe…”. Por que isso é importante? Como as suas primeiras palavras relacionam-se com seus pensamentos e ações ao longo do romance?
Um pilar central do Objetivismo é o conceito de uma realidade objetiva caracterizada por absolutos: o que existe existe, tem certas propriedades, e obedece a certas leis. James Taggart, como muitos dos vilões de A revolta de Atlas, recusa-se a aceitar esses princípios. Um mundo de absolutos imutáveis é um mundo que não está sujeito aos seus caprichos, e isso o frusta permanentemente. Suas primeiras palavras no romance, “não me perturbe”, reflete sua luta incessante para negar a realidade.
Nesse caso, Taggart está falando com Eddie Willers, que lhe entrega um relatório pessimista sobre os fracassos recentes da Taggart Transcontinental. O “não me perturbe” caracteriza a abordagem normal de Taggart frente a essa e outras verdades inconvenientes. Para se proteger da realidade, Taggart fabrica um sistema irracional de valores que celebra sua mediocridade; exige que pessoas mais capazes o protejam das consequências de suas decisões; e até oculta de si próprio a natureza de seus próprios desejos derrotistas e desprezíveis. James Taggart é um homem que não suporta ser incomodado por absolutos inconvenientes, não importando o preço a pagar para preservar suas ilusões.
Taggart é direto em sua rejeição da realidade ao tentar convencer os outros – e ele próprio – de que ele é um “tipo superior de pessoa”. O propósito moral de um ser consciente, como explica John Galt em seu discurso, é a sua própria vida; portanto, “Tudo aquilo que é apropriado à vida de um ser racional é bom”. Como “a mente do homem (razão) é a sua ferramenta básica de sobrevivência”, ele deve aprender e aplicar seu conhecimento para remodelar seu ambiente a serviço de sua vida e felicidade. Viver “através de realizações”, é o único caminho moral, posto que a lei de causa e efeito não permite que valores humanos sejam conquistados via inatividade e fracasso. Portanto, o valor de uma pessoa é proporcional à extensão com que usa sua mente para criar valor – e, por essa medida, Taggart é um homem sem valor. Sua afinidade por fraude e corrupção lhe permite apoderar-se do produto do trabalho dos outros, embora lhe falte a “capacidade” e o desejo de “produzir riqueza”. Ele se sente ameaçado pelo sucesso de pessoas mais capazes, como se estivesse sempre “correndo para alcançá-las”. Ele não está disposto a encarar sua própria mediocridade, mas a realidade implacável não lhe permite fugir de tal fato. Nenhuma causalidade imutável o recompensará por sua falta de habilidade.
Sua reação defensiva busca idealizar um mundo imaginário onde a moralidade é desatrelada da realidade, onde ele é superior por ser desprezível. Ele insiste, como se a repetição fosse criar uma verdade, que a habilidade de gerar riqueza não é “o critério adequado para medir o valor de um homem na sociedade”. Em vez disso, ele incita a celebração de “considerações não materiais” em detrimento da realização tangível: ele coloca a fraqueza em um pedestal, enquanto demoniza os produtores de riqueza como egoístas, criaturas arrogantes que devem “pedir desculpas” por seus êxitos. Como ele quer ser amado pelo simples fato de existir, e não “por nada que faça, tenha, diga ou pense”, ele defende que é intrinsicamente virtuoso amar e elogiar o imerecido. No mundo ideal de Taggart, sua incompetência no mundo real implicaria nobreza de espírito; sua infelicidade seria um “selo de virtude” e admirá-lo incondicionalmente seria um “gesto supremo de caridade”.
Não obstante sua negação da realidade objetiva, Taggart é impotente para alterá-la. Em vez disso, ele constrói a fachada de sua utopia à custa dos produtores. Taggart consegue utilizar sua habilidade política para alcançar vitórias pessoais à custa dos outros, mas depende totalmente dos “mestres da realidade” para financiar suas artimanhas. Ele recebe uma posição imerecida de poder numa companhia construída por seus ancestrais e operada por sua irmã, o Plano de Unificação das Ferrovias lhe permite confiscar os lucros de seus concorrentes, e ele até mesmo “conquista” a admiração de sua esposa ao assumir o crédito pelas realizações de sua irmã. Ainda assim, seu império parasítico é insustentável. Ele durará apenas enquanto houver algo a ser roubado, e essa é outra verdade que Taggart não consegue confrontar.
Como John Galt recruta a maioria dos produtores para a sua greve, e o peso da sobrevivência da humanidade fica sobre os ombros dos que sobram. Ao mesmo tempo, Taggart e seus “corporativistas” apertam seu cerco ao mercado, redirecionando a riqueza que resta para seus bolsos. Privados de recursos e acorrentados por leis crescentemente repressivas, os homens de habilidade que ainda buscam carregar a civilização nos ombros se veem incapazes de fazê-lo. Ainda assim, Taggart se recusa entender a razão. Ele exige que os produtores encontrem uma forma, em desafio direto à lógica dos fatos, de manter o castelo de cartas de sua utopia – “como se, ao concordar em falsear a realidade que ele lhes ordena a falsear, os homens conseguiriam, de fato, cria-la”. “Eu quero esse tipo de mundo”, diz ele a sua irmã, pois “permite sentir-me importante – faça-o funcionar para mim!” Quando Hank Rearden explica como o Plano de Unificação do Aço o fará sangrar até a última gota, até ele e os saqueadores perecerem juntos, e questiona por que esperam qualquer outro resultado, a única resposta de Taggart é “você dará um jeito”. Nesse ponto, a única forma de salvar a civilização humana é permitir que os produtores a reconstruam sem interferência, mas essa é uma opção que Taggart não considera. Em vez de se curvar à realidade, de admitir que seu paraíso de saqueadores está sujeito à causalidade e não pode persistir não importando o quanto ele assim o deseja, ele se apega às ruínas do sistema até que não haja mais nada em que se agarrar.
Essa é a verdade que está na essência de James Taggart, a verdade que ele está mais desesperado para negar: ele prefere morrer junto com os “mestres da realidade” do que viver ao lado deles. Embora finja ser motivado pelo desejo por dinheiro, o luxo não desperta sentimentos nele. Seus raros momentos de prazer são sempre uma reação a um dano sofrido por uma pessoa capaz, amante da vida – mesmo quando as consequências daquele dano são catastróficas para o próprio Taggart. Toda pessoa que abraça a realidade é um lembrete que Taggart está ligado à mesma realidade, e ele responde com um ódio cego. Embora ele engane a si próprio sobre seus motivos, todas as suas ações – suas práticas de negócio e suas negociações políticas, e até mesmo o abuso de sua vida – serve como compulsão para matar todo o bem “pelo desejo de matar”. Ele é motivado apenas “pelo impulso de negar a realidade pela destruição de todo valor de vida”, mesmo que ao custo inevitável de sua própria sobrevivência.
O objetivo último de Taggart é tão terrível que conhece-lo é tanto seu maior medo, como o motivo de sua eventual queda. Ele busca o “triunfo da impotência” e “prova da derrota da realidade racional” na morte da civilização humana; sacrificar todo valor no altar “sacrificar todo valor no altar do “a indiferença, a falta, o vazio – o zero” (945). O “não me perturbe” é a exigência fútil que Taggart faz a toda a existência. Ele não pode suportar ser perturbado por nada, e não há nada a que ele possa aspirar a lei da morte.
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Publicado originalmente em Ayn Rand Institute.
Traduzido por Matheus Pacini.
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