Howard Roark versus Peter Keating: um conflito interno

**Se você ainda não leu o romance “A Nascente” de Ayn Rand, você deveria lê-lo antes de ler esse artigo.

Esse artigo pretende descrever como aplico alguns dos princípios d´A Nascente em minha vida diária. Poucos livros de ficção são tão aplicáveis à realidade como esse. De todos os livros que li (ficção e não ficção), esse oferece a melhor explicação com respeito à psicologia pessoal.

Rand logra tal feito através do uso de diversos personagens, mas só focarei em dois.

Howard Roark

Howard Roark é um arquiteto que foi expulso da faculdade por desenhar construções que não seguem o estilo tradicional. Ele é o homem ideal. Seu estado natural é de felicidade e possibilidade, logo, ele não sofre, porque acredita que o sofrimento é inútil. Ele vê o mundo ao seu redor como algo maleável, esperando ser usado por ele em novas construções; por essa razão, ele ama o seu trabalho.

Ele deriva seu senso de “identidade” de uma única coisa: ele próprio. Ele valoriza sua própria vida acima de qualquer outra coisa. Amor, felicidade, riso, criatividade e trabalho são todos elementos dessa vida que ele valora. Ele não perde tempo pensando no que os outros pensam dele. Ele vive, age e existe para conquistar seus objetivos. A citação seguinte retrata a sua atitude:

– Mas veja – disse Roark calmamente –, eu tenho, talvez, mais sessenta anos de vida. Vou passar a maior parte desse tempo trabalhando. Eu escolhi o trabalho que quero fazer. Se ele não me der nenhuma alegria, estarei me condenando a sessenta anos de tortura. E eu só posso encontrar alegria em meu trabalho se o fizer da melhor forma possível. Mas o melhor é uma questão de padrões, e eu estabeleço meus próprios padrões.

Peter Keating

Peter Keating é muito diferente de Roark. Keating deriva seu senso de valor, exclusivamente, de sua percepção de como os outros o veem. Qualquer coisa que diz pretende suscitar uma certa imagem dele na mente de outra pessoa. Ele também é arquiteto, mas considera a arquitetura um detalhe menor de seu trabalho que consiste em, principalmente, manipular a percepção dos outros para obter status.

Keating é o verdadeiro homem “de segunda mão”, posto que todos os seus valores têm essa origem. Ele não tem desejos particulares verdadeiros, e nada faz em prol de sua própria satisfação ou da realização de seus próprios objetivos. Ele vive a vida com um vago senso de temor que é temporariamente ocultado por um prazer culposo toda vez que recebe algum tipo de validação externa. A seguinte citação descreve a forma de agir de Keating:

Ouça o que é pregado hoje em dia. Olhe para todos ao nosso redor. Você se perguntou por que eles sofrem, por que buscam a felicidade e nunca a encontram. Se qualquer homem parasse e se perguntasse se alguma vez teve um desejo verdadeiramente pessoal, ele encontraria a resposta. Veria que todos os seus desejos, seus esforços, seus sonhos, suas ambições são motivados por outras pessoas. Ele não está realmente lutando nem mesmo pela riqueza material, mas pela ilusão daquele que vive à custa dos outros: o prestígio. Um carimbo de aprovação, mas não dado por ele mesmo. Ele não consegue encontrar nenhuma alegria na luta e nenhuma alegria quando é bem-sucedido. Ele não pode dizer, com relação a uma única coisa: “Foi isso o que eu quis porque fui eu quem quis, não porque fez com que os meus vizinhos olhassem boquiabertos para mim.” Então ele se pergunta por que é infeliz.

A dicotomia entre esses dois personagens destaca um conflito que eu (e muitos outros) tenho enfrentado ao longo de minha vida, identificado de forma consciente ou não. Esse conflito pode ser chamado de muitas coisas. De forma simples, é o conflito de não se importar com o que as outras pessoas pensam de você.

Eu imagino um espectro.

Em um extremo do espectro está Roark, que defende seus valores de forma objetiva e, genuinamente, não ser preocupa com as opiniões dos outros. Tudo que faz o faz por que o ajuda a alcançar seus objetivos. No outro extremo do espectro está Keating, que defende valores exclusivamente com base no que os outros pensam dele. Ele faz o que faz já imaginando como tal ação o fará parecer aos olhos das pessoas ao seu redor.

A motivação das ações de Roark é puramente interna; a de Keating, puramente externa.

Toda opinião que defendo ou ação que tomo pode ser situada em algum ponto desse espectro. Quando escolhi Engenharia Espacial na faculdade, posso situar tal ação no extremo de Keating. A razão primária era que eu me pareceria com um engenheiro espacial aos olhos dos outros. Eu não queria resolver os grandes desafios relativos ao design de aviões, eu queria ser visto assim pelos outros. Parecia errado para mim, mas não entendia o porquê na época. Tal qual outras ações dessa natureza, era vazia. Para mim, ela parecia uma bolha de sabão, frágil, prestes a estourar.

Quando larguei a faculdade e decidi conhecer o país, compartilhando a minha visão de educação, parecia correto. Eu fiz isso porque queria fazê-lo. Na verdade, a maioria das pessoas que conhecia me aconselharam a não fazê-lo. Eu não me importei. Essa decisão era correta, com base em meu julgamento racional, e não um edifício frágil, prestes a desmoronar. Eu estava nervoso, mas não era um nervosismo fruto de insegurança, mas sim da excitação com respeito ao desconhecido.

A realidade de minha vida está longe da vida ideal de Howard Roark. Em vez de aceitar tal fato como uma derrota, ou me enganar a pensar que nunca agi como Keating, vejo o espectro supracitado como um compasso que me auxilia na compreensão de meus próprios pensamentos e ações.

Analiso minhas ações por esse espectro, pois isso me é benéfico. Não estou sempre do lado de Roark, e pode ser que nunca aja totalmente como Roark agiria. Infelizmente, ainda me vejo, às vezes, agindo como Keating, e sei que é parte de mim. Felizmente, tenho a capacidade de me aperfeiçoar.

Meu objetivo não é emular Howard Roark. É emular, sim, a versão ideal de mim mesmo. Esse espectro só me proporciona uma referência clara para seguir adiante.

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Revisado por Matheus Pacini

Publicado originalmente em Simon Fraser

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