Filosofia: quem precisa dela

Nova York, 6 de março de 1974.

Já que sou uma escritora de ficção, comecemos com uma pequena estória. Suponha que você é um astronauta cuja espaçonave perde o controle e se choca com um planeta desconhecido. Quando você retoma a consciência e descobre que não está gravemente ferido, as três primeiras questões que viriam à sua mente seriam: onde estou? Como posso descobrir isso? O que devo fazer?

Você observa vegetação não familiar lá fora e percebe que existe ar para respirar; a luz do sol parece mais pálida do que você se recorda e também mais fria. Você se vira para olhar o céu, mas para. É acometido por um sentimento repentino: caso não olhe, não terá de saber que, talvez, você esteja longe demais da Terra e que retornar não é possível; enquanto você não souber disso, estará livre para acreditar naquilo que desejar – e você, então, experimenta um tipo de esperança nebuloso e prazeroso, ainda que, um tanto cheio de culpa.

Você se volta para os seus instrumentos: eles podem estar danificados, você não sabe o quão seriamente. Mas você para, acometido por um medo repentino: como confiar nesses instrumentos? Como ter certeza de que eles não o enganarão? Como saber se funcionarão num mundo diferente? Você se afasta dos instrumentos.

Agora você começa a refletir por que não tem vontade de fazer nada. Parece tão mais seguro apenas esperar que algo simplesmente aconteça; é melhor, você diz a si mesmo, não mexer na espaçonave. Bem adiante, você vê algum tipo de criaturas vivas se aproximando: você não sabe se são humanos, mas vê que são bípedes. Eles, você decide, dirão a você o que fazer.

Nunca mais ouvem falar de você.

Vocês diriam que isso é fantasia? Que vocês não agiriam dessa forma assim como nenhum astronauta? Talvez não agissem. Mas é essa a maneira como a maioria dos homens vive suas vidas aqui na Terra.

A maioria dos homens gasta seus dias lutando para evitar três questões, cujas respostas subjazem a todo pensamento, sentimento e ação do homem, quer esteja consciente disso ou não: Onde estou? Como posso saber disso? O que devo fazer?

Quando os homens estão velhos o suficiente para entender essas questões, julgam saber as respostas. Onde estou? Digamos, na cidade de Nova York. Como sei disso? É autoevidente. O que devo fazer? Aqui, eles não estão muito certos – mas a resposta comum é: o que quer que todos façam. O único problema parece ser que eles não são muito ativos, nem muito confiantes, nem muito felizes – e eles experimentam, às vezes, um medo sem causa e uma culpa indefinida, que não conseguem explicar ou se livrar.

Eles nunca descobriram que o problema vem das três questões que não respondidas – e que há apenas uma ciência capaz de respondê-las: a filosofia.

A filosofia estuda a natureza fundamental da existência, do homem e da relação do homem com a existência. Diferente das ciências especiais, que lidam apenas com aspectos particulares, a filosofia lida com aqueles aspectos do universo que pertencem a tudo que existe. No reino da cognição, as ciências especiais são as árvores, mas a filosofia é o solo que torna a floresta possível.

A filosofia não lhe diria, por exemplo, se você está em Nova York ou em Zanzibar (embora ela pudesse lhe fornecer os meios para descobrir). Mas eis o que ela de fato lhediria: você está num universo que é dirigido por leis naturais e que, portanto, é estável, firme, absoluto – e inteligível? Ou está num caos incompreensível, um reino de milagres inexplicáveis, um fluxo imprevisível e ininteligível, o qual sua mente é incapaz de compreender? As coisas que estão ao seu redor são reais – ou são apenas ilusões? Elas existem independentemente de qualquer observador – ou são criadas pelo observador? Elas são o objeto ou o sujeito da consciência do homem? Elas são o que são – ou podem ser alteradas por um mero ato de consciência, tal como um desejo?

A natureza das suas ações – e da sua ambição – será diferente, de acordo com o conjunto de respostas que você vier a aceitar. Estas respostas constituem a província dametafísica – o estudo da existência enquanto tal, ou, nas palavras de Aristóteles, do “ser enquanto ser” – o ramo básico da filosofia.

Não importa as conclusões que você alcançará, você será confrontado pela necessidade de responder outra questão corolária: Como eu sei? Já que o homem não é onisciente ou infalível, você tem de descobrir o que você pode afirmar ser conhecimento e como provar a validade das suas conclusões. O homem adquire conhecimento por um processo racional – ou por revelação repentina de um poder sobrenatural? A razão é uma faculdade que identifica e integra o material fornecido pelos sentidos do homem – ou é preenchida por ideias inatas, implantadas na mente do homem antes do seu nascimento? A razão é competente para perceber a realidade – ou o homem possui alguma outra faculdade cognitiva que seja superior à razão? O homem pode alcançar a certeza – ou ele está condenado à dúvida perpétua?

A dimensão da sua autoconfiança – e do seu sucesso – será diferente, de acordo com o conjunto de respostas que você aceita. Essas respostas constituem a província daepistemologia, a teoria do conhecimento, que estuda os meios de cognição do homem.

Estes dois ramos da filosofia constituem a fundação teórica da filosofia. O terceiro ramo – a ética – pode ser considerado a sua tecnologia. A ética não se aplica a tudo que existe, apenas ao homem, porém se aplica a todos os aspectos da vida do homem: seu caráter, suas ações, seus valores, sua relação com toda existência. A ética, ou a moralidade, define um código de valores para guiar as escolhas e ações do homem – as escolhas e ações que determinam o curso de sua vida.

Da mesma forma que o astronauta da minha estória não sabia o que deveria fazer, porque se recusava a saber onde ele estava e como descobrir isso, você também não pode saber o que deve fazer até que você conheça a natureza do universo com que está lidando, a natureza de seus meios de cognição – bem como sua própria natureza. Antes de chegar à ética, você deve responder as questões postas pela metafísica e pela epistemologia: o homem é um ser racional, capaz de lidar com a realidade – ou é um desajustado impotente e cego, uma migalha empurrada pelo fluxo universal? Realização e satisfação são possíveis ao homem na terra – ou ele está condenado ao fracasso e desgosto? A depender das respostas, você pode prosseguir e considerar as questões postas pela ética: o que é o bem ou o mal para o homem – e por quê? A preocupação primeira do homem deve ser uma busca pela alegria – ou uma fuga do sofrimento? Ele deve manter a autorrealização – ou a autodestruição como meta em sua vida? O homem deve perseguir seus valores – ou deve colocar os interesses de outras pessoas acima dos seus próprios? Deve buscar a felicidade – ou o autossacrifício?

Não preciso apontar as diferentes consequências desses dois conjuntos de respostas. Você pode observá-las em toda parte – em vocês e ao redor de vocês.

As respostas dadas pela ética determinam como o homem deve tratar os outros homens, o que vai determinar o quarto ramo da filosofia: a política, que define os princípios de um sistema social adequado. Como um exemplo da função da filosofia, a filosofia política não lhe dirá a quantidade de gasolina racionada que deve ser dada a você, nem qual o dia da semana – o que ela dirá é se o governo tem qualquer direito de impor racionamento sobre algo.

O quinto e último ramo da filosofia é a estética, o estudo da arte, o qual se baseia na metafísica, na epistemologia e na ética. A arte lida com as necessidades – o reabastecimento – da consciência do homem.

Agora, alguns de vocês podem dizer, como muitas pessoas dizem: “Ah, eu nunca penso em termos tão abstratos – Eu quero lidar com os problemas concretos, particulares, da vida real – para que eu preciso de filosofia?” A minha resposta é: para ser capaz de lidar com os problemas concretos, particulares, da vida real – i.e. para ser capaz de viver na terra.

Você pode afirmar – como a maioria das pessoas afirma – que vocês nunca se influenciaram por filosofia. Vou lhes pedir para checar essa afirmação. Alguma vez vocês pensaram ou disseram o seguinte? “Não tenha tanta certeza – ninguém pode ter certeza de nada.” Vocês tomaram essa noção de David Hume (e de muitos e muitos outros), mesmo que vocês nunca tenham ouvido falar dele. Ou: “Isso pode ser bom na teoria, mas não funciona na prática.” Vocês tomaram de Platão. Ou: “Isso foi uma péssima coisa de se fazer, mas foi apenas humano, ninguém é perfeito neste mundo.” Vocês tomaram de Agostinho. Ou: “Pode ser verdade para você, mas não é verdade para mim.” Vocês tomaram de William James. Ou: “Eu não pude evitar. Ninguém pode evitar aquilo que faz!”. Vocês tomaram de Hegel. Ou: “Eu não posso provar, mas eu sinto que é verdade.” Vocês tomaram de Kant. Ou: “É lógico, mas a lógica não tem nada a ver com a realidade.” Vocês tomaram de Kant. Ou: “É mau, porque é egoísta.” Vocês tomaram de Kant. Vocês já ouviram os ativistas modernos dizerem “Primeiro agir, depois pensar”? Eles tomaram de John Dewey.

Algumas pessoas poderiam responder: “Tudo bem, eu disse essas coisas em momentos diferentes, mas eu não tenho que acreditar em todas elas ao mesmo tempo. Pode ter sido verdade ontem, mas não é verdade hoje”. Elas tomaram de Hegel. Elas poderiam dizer: “Consistência é a fantasia das mentes pequenas.” Eles tomaram de uma mente muito pequena, Emerson. Eles poderiam dizer: “Mas não podemos conciliar e tomar emprestado ideias diferentes de filosofias diferentes de acordo com a conveniência do momento?” Eles tomaram de Richard Nixon – que tomou de William James.

Agora, perguntem-se: se você não está interessado em ideias abstratas, por que você (e todos os homens) sente-se compelido a usá-las? O fato é que ideias abstratas são integrações conceituais que abrangem um número incalculável de concretos – e que sem idéias abstratas você não seria capaz de lidar com os problemas concretos, particulares, da vida real. Você estaria na posição de um bebê recém-nascido, para quem todo objeto é um fenômeno único, sem precedentes. A diferença entre o seu estado mental e o dele está no número de integrações conceituais realizadas pela sua mente.

Você não tem escolha sobre a necessidade de integrar suas observações, suas experiências, seu conhecimento em idéias abstratas, i.e., em princípios. Sua única escolha é se esses princípios são verdadeiros ou falsos, se representaram suas convicções racionais conscientes – ou um emaranhado de noções arrebatadas ao acaso, cujas fontes, validade, contexto e conseqüências você desconhece, noções que, mais normalmente do que não, você jogaria fora como uma batata quente se soubesse.

Mas os princípios que você aceita (consciente ou subconscientemente) podem colidir com ou contradizer uns aos outros; eles também têm de ser integrados. O que os integra? A Filosofia. Um sistema filosófico é uma visão integrada da existência. Como um ser humano, você não tem escolha sobre o fato de que precisa de uma filosofia. Sua única escolha é se você define sua filosofia por um processo consciente, racional e disciplinado de pensamento e deliberação escrupulosamente lógico – ou se você permite que o seu subconsciente acumule uma pilha inútil de conclusões injustificadas, falsas generalizações, contradições indefinidas, slogans não digeridos, desejos, dúvidas e medos não identificados, jogados juntos ao acaso, mas integrados pelo seu subconsciente como uma espécie de filosofia mal formada e fundida por um único peso firme: a autodúvida, semelhante a uma corrente e uma bola de ferro no lugar onde as asas da sua mente deveriam ter crescido.

Você poderia dizer, como muitas pessoas dizem, que nem sempre é fácil agir por princípios abstratos. Não, não é fácil. Mas o quão mais difícil é ter de agir de acordo com eles sem saber quais são eles?

Seu subconsciente é como um computador – um computador mais complexo do que os homens poderiam construir – e sua principal função é integrar suas idéias. Quem o programa? A sua mente consciente. Se você se omite, se não chega a quaisquer convicções firmes, seu subconsciente é programado por acaso – e você se entrega ao poder de ideias que você não sabe que aceitou. Mas de um jeito ou de outro, a cada dia e a cada hora, o computador imprime o resultado do seu funcionamento, na forma deemoções – que são rápidas estimativas das coisas ao seu redor, calculadas de acordo com os seus valores. Se você programou seu computador com pensamento consciente, você conhece a natureza dos seus valores e emoções. Se você não o programou, não sabe.

Muitas pessoas, particularmente hoje, afirmam que o homem não pode viver só pela lógica, que há o elemento emocional da sua natureza a considerar, e que elas dependem da orientação das suas emoções. Bem, o mesmo pode ser dito do astronauta da minha estória. A peça foi pregada contra ele – e contra todos: os valores e emoções do homem são determinados por sua visão fundamental da vida. O programador principal do seu subconsciente é a filosofia – a ciência que, de acordo com os emotivistas, é impotente para afetar ou penetrar os mistérios obscuros dos seus sentimentos.

A qualidade da informação de saída de um computador é determinada pela qualidade da informação de entrada. Caso seu subconsciente seja programado pelo acaso, sua informação de saída terá um caráter correspondente. Você provavelmente ouviu o eloquente termo criado pelos operadores de computador, “gigo” – que significa “lixo entra, lixo sai” [garbage in, garbage out]. O mesmo raciocínio se aplica à relação entre o pensamento e as emoções de um homem.

Um homem que é governado por suas emoções é como um homem governado por um computador cujas informações de saída ele não pode compreender. Ele não sabe se o que está sendo programado é verdadeiro ou falso, certo ou errado, se o conduzirá ao sucesso ou à destruição, se está a serviço dos seus propósitos ou àqueles de algum poder maléfico e desconhecido. Está cego em duas frentes: cego para o mundo que o rodeia e para seu próprio mundo interior, incapaz de compreender tanto a realidade como seus próprios motivos, e se encontra numa condição de terror crônico de ambos. As emoções não são ferramentas de cognição. Os homens que não estão interessados pela filosofia precisam dela mais urgentemente: estão impotentes com relação ao poder que ela tem.

Os homens que não se encontram interessados pela filosofia absorvem seus princípios da atmosfera cultural que os circula – de escolas, faculdades, livros, revistas, jornais, filmes, TV, etc. Quem determina o tom de uma cultura? Um pequeno punhado de homens: os filósofos. Sua liderança é seguida por alguns, seja por convicção seja por omissão. Por cerca de duzentos anos, sob a influência de Immanuel Kant, a tendência dominante na filosofia tem sido direcionada a um propósito único: a destruição da mente humana, da sua confiança no poder da razão. Hoje, estamos vendo o clímax desse padrão.

Quando os homens abandonam a razão, descobrem não apenas que suas emoções não podem guia-los, mas que não podem experimentar nenhuma emoção, exceto uma: o terror. A propagação da dependência de drogas entre os jovens, trazida pelas modas intelectuais de hoje em dia, demonstra o insuportável estado interior de homens que estão privados de seus meios de cognição e que buscam fugir da realidade – do terror da sua impotência para lidar com a existência. Observe o terror da independência que esses jovens possuem e seu frenético desejo de “pertencer”, de anexarssem a algum grupo, “panelinha” ou gangue. Muitos deles nunca ouviram falar da filosofia, mas sentem que necessitam algumas respostas fundamentais para questões que não ousaram perguntar – e esperam que a tribo lhes diga como viver. Eles estão prontos para ser tomados por qualquer mago, médico, guru ou ditador. Uma das coisas mais perigosas que um homem pode fazer é entregar sua autonomia moral a outros: como o astronauta de minha estória, ele não sabe se são humanos, embora sejam bípedes.

Agora você pode se perguntar: se a filosofia pode causar este mal, por que alguém deveria estudá-la? Particularmente, por que alguém deveria estudar as teorias filosóficas que são flagrantemente falsas, não fazem sentido e não têm qualquer relação com a vida real?

Minha resposta é: autoproteção – e em defesa da verdade, da justiça, da liberdade e qualquer outro valor que você tenha tido ou possa ter.

Nem todas as filosofias são danosas, embora muitas delas sejam, particularmente na história moderna. Por ourto lado, na raiz de toda realização civilizada, como a ciência, a tecnologia, o progresso e a liberdade – na raiz de todo valor que aproveitamos hoje em dia, inclusive o nascimento deste país – você encontrará a realização de um homem, que viveu há mais de dois mil anos atrás: Aristóteles.

Se você não sente nada além de tédio quando lê as teorias virtualmente inteligíveis dealguns filósofos, você tem minha profunda simpatia. Mas se você coloca-os de lado, dizendo: “por que eu deveria estudar coisas que eu sei que são tolices?” – você está errado. São tolices, mas você não sabe disso – não enquanto você aceita todas as suas conclusões, todas as frases viciadas produzidas por aqueles filósofos. E não enquanto você não for capaz de refutá-las.

Aquela tolice lida com a questão mais crucial, de vida ou morte da existência humana. Na raiz de cada teoria filosófica significatica, há uma questão legítima – no sentido que há uma necessidade autêntica da consciência do homem, que algumas teorias lutam por esclarecer e outras por obscurecer, corromper e privar o homem de cada descoberta. A batalha dos filósofos é uma batalha pela mente do homem. Se você não entende suas teorias, você está vulnerável ao pior que existe entre elas.

A melhor forma de estudar filosofia é abordá-la como se aborda uma estória investigativa: siga cada trilha, pista e implicação, para descobrir quem é o assassino e quem é o herói. O critério de detecção se constitui de duas questões: Por quê? E como? Se uma determinada doutrina parece ser verdade – por quê? Se outra parece ser falsa – por quê? E como ela está sendo posta? Você não encontrará todas as respostas imediatamente, mas você irá adquirir uma característica inestimável: a habilidade de pensar em termos de fundamentos.

Nada é dado ao homem automaticamente, nem o conhecimento, tampouco a autoconfiança, a sinceridade interior ou a maneira apropriada de usar sua mente. Todo valor que ele precisa ou quer tem de ser descoberto, aprendido e adquirido – até mesmo a postura correta de seu corpo. Nesse contexto, quero dizer que sempre admirei a postura dos graduados de West Point, uma postura que projeta o homem de maneira orgulhosa e com controle disciplinado do corpo. Bem, o treino filosófico dá ao homem uma postura intelectual própria – um controle disciplinado e orgulhoso da sua mente.

Em suas próprias profissões, a ciência militar, vocês sabem a importância de manter o controle sobre as armas, estratégia e tática do inimigo – e estar preparado a contra-atacá-los. O mesmo é verdade na filosofia: você tem de compreender as ideias do inimigo e estar preparado para refutá-las, você deve conhecer seus argumentos básicos e ser capaz de destruí-los.

Em caso de guerra física, vocês não enviariam seus homens a uma armadilha: vocês fariam todo esforço possível para descobrir sua localização. Bem, o sistema kantiano é a maior e mais intrincada armadilha da história da filosofia – mas é tão cheio de buracos que, uma vez que você compreenda suas artimanhas, você pode desarmá-lo sem muito problema e seguir adiante de forma perfeitamente segura. E, uma vez desarmado, os kantianos menores – os níveis mais baixos de seu exército, os sargentos filosóficos, soldados e mercenários de hoje em dia – cairão pelo seu próprio vazio, por reação em cadeia.

Há uma razão especial pela qual vocês, os futuros líderes do Exército dos Estados Unidos, precisam estar filosoficamente armados hoje. Vocês são o alvo de um ataque especial orquestrado pelo estabelecimento Kantiano-Hegeliano-coletivista que domina nossas instituições culturais no presente. Vocês são o exército do último país semilivre que restou na terra, contudo, vocês são acusados de serem uma ferramenta do imperialismo – e “imperialismo” é o nome dado à política externa deste país, o qual nunca se engajou em conquistas militares e nunca lucrou com as duas guerras mundiais, as quais não iniciou, mas entrou e venceu. (O que, aliás, foi uma política incidentalmente ultragenerosa, que fez o país desperdiçar sua riqueza com ajuda tanto para seus aliados quanto seus ex-inimigos.) Algo chamado o “complexo industrial-militar” – que se trata de um mito ou coisa pior – está sendo culpado por todos os problemas do país. Terríveis delinquentes universitários exigem aos gritos que as unidades de capacitação de futuros oficiais militares sejam banidas dos campus universitários. Nosso orçamento de defesa está sendo atacado, denunciado e enfraquecido por pessoas que afirmam que a prioridade financeira deve ser dada a jardins de rosas ecológicos e aulas de autoexpressão estética para os moradores dos bairros pobres.

Alguns de vocês podem ficar perplexos por essa campanha e podem se perguntar, de boa fé, quais erros cometeram para ocasioná-la. Se esse for o caso, é urgentemente importante para vocês entender a natureza do inimigo. Vocês são atacados, não por seus erros ou falhas, mas por suas virtudes. Vocês são denunciados, não por alguma fraqueza, mas por sua força e competência. Vocês são penalizados por serem os protetores dos Estados Unidos. Em um nível mais baixo da mesma questão, um tipo similar de campanha é conduzida contra a força policial. Aqueles que buscam destruir o [este] país procuram desarmá-lo – intelectualmente e fisicamente. Mas não é uma mera questão política; política não é a causa, é a última consequência de idéias filosóficas. Não é uma conspiração comunista, embora alguns comunistas possam estar envolvidos – tal como vermes tirando proveito de um desastre que eles não tinham o poder de provocar. O motivo dos destruidores não é o amor pelo comunismo, mas o ódio pelos Estados Unidos. Por que ódio? Porque a América é a refutação viva de um universo kantiano.

A preocupação sentimental de hoje e compaixão pelo fraco, o imperfeito, o sofredor, o culpado é uma cobertura para o ódio profundamente Kantiano do [pelo] inocente, do forte, do capaz, do próspero, do virtuoso, do confiante, do feliz. Uma filosofia que intenciona destruir a mente do homem é necessariamente uma filosofia de ódio pelo homem, pela vida do homem, e por todo valor humano. O ódio do bem por ser o bem, é a marca registrada do século XX. Esse é o inimigo que vocês estão enfrentando.

Uma batalha desse tipo requer armas especiais. Ela tem de ser travada com um pleno entendimento da sua causa, uma plena confiança em si mesmo, e a mais plena certeza da retidão moral de ambos. Apenas a filosofia pode lhes fornecer essas armas.

A tarefa que me dei esta noite não foi vender para vocês a minha filosofia, mas vender a filosofia como tal. No entanto, eu estive implicitamente falando da minha filosofia em cada frase – uma vez que nenhum de nós e nenhuma afirmação pode fugir de premissas filosóficas. Qual é o meu interesse egoísta na questão? Eu tenho confiança o suficiente para pensar que se vocês aceitarem a importância da filosofia e a tarefa de examiná-la criticamente é a minha filosofia que vocês aceitarão. Formalmente, eu a chamo de Objetivismo, mas, informalmente, eu a chamo de uma filosofia para viver na Terra. Vocês encontrarão uma apresentação explícita dela em meus livros, particularmente em A Revolta de Atlas.

Em conclusão, permitam-me falar em termos pessoais. Essa noite significou muito para mim. Sinto-me profundamente honrada pela oportunidade de discursar para vocês. Eu posso dizer – não como um clichê patriota, mas com o pleno conhecimento das raízes metafísicas, epistemológicas, éticas, políticas e estéticas necessárias – que os Estados Unidos da América são o maior, o mais nobre e, em seus princípios fundadores originais, o único país moral na história mundial. Há uma espécie de calma luminosidade associada em minha mente ao nome West Point – porque vocês preservam o espírito desses princípios fundadores originais e vocês são o seu símbolo. Houve contradições e omissões nesses princípios, e pode haver nos seus – mas eu estou falando de fundamentos. Pode existir indivíduos em sua história que não viveram à altura dos seus mais elevados padrões – como existe em toda instituição – desde que nenhuma instituição e nenhum sistema social pode garantir a perfeição automática de todos os seus membros, isso depende do livre arbítrio de cada indivíduo. Eu estou falando de seus padrões. Vocês preservam três qualidades de caráter que eram típicas na época do nascimento da América, mas são virtualmente inexistentes hoje em dia: seriedade – dedicação – um senso de honra. A Honra é a autoestima tornada visível pela ação.

Vocês escolheram arriscar suas vidas pela defesa do país. Eu não os insultarei dizendo que vocês se dedicam a servir de forma abnegada – isso não é uma virtude em minhamoralidade. Em minha moralidade, a defesa de um país significa que um homem não está pessoalmente disposto a viver como o escravo dominado de qualquer inimigo, estrangeiro ou nacional. Esta é uma enorme virtude. Alguns de vocês podem não estar conscientes disso. Eu quero ajudá-los a se darem conta.

O exército de um país livre tem uma grande responsabilidade: o direito de usar a força, não como um instrumento de compulsão e conquista bruta – tal como os exércitos de outros países fizeram em suas histórias – mas apenas como um instrumento de autodefesa de uma nação livre, o que significa: a defesa dos direitos individuais de um homem. O princípio de usar a força apenas em retaliação contra aqueles que iniciaram seu uso, é o princípio de subordinar o poder ao direito. A mais alta integridade e senso de honra são necessários para tal tarefa. Nenhum outro exército do mundo conseguiu isso. Vocês conseguiram.

West Point deu à América uma longa linhagem de heróis, conhecidos e desconhecidos. Vocês, formandos deste ano, têm uma tradição gloriosa para continuar – o que eu admiro profundamente, não porque é uma tradição, mas porque é gloriosa.

Desde que vim de um país culpado pela pior tirania da terra, eu sou particularmente capaz de apreciar o significado, a grandeza e o valor supremo daquilo que vocês defendem. Assim, em meu próprio nome e em nome de muitas pessoas que pensam como eu, quero dizer, para todos os homens de West Point, do passado, do presente e do futuro: Obrigado.

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Tradução de André Assis Barreto e Breno Barreto

Revisão de Matheus Pacini

Publicado originalmente em no Ayn Rand Institute

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