Filosofia aplicada ao local de trabalho

Um colega de trabalho tem me importunado sobre filosofia aplicada e o que ela tem a ver com trabalhar para viver. Ele me pergunta: “Qual é a relação entre filosofia aplicada e cortar painéis de isolamento para edifícios?” e “o que a filosofia aplicada pode lhe ensinar sobre como fazer seu trabalho?”. Hoje em dia, apesar de as pessoas conseguirem entender que equipamentos eletrônicos (computadores e máquinas) e dispositivos mecânicos são o resultado da engenharia (física aplicada), não entendem o que a filosofia tem a ver com trabalhar para viver.

Minha primeira resposta seria a de que o simples fato de você escolher trabalhar para viver, receber um salário, já é uma aplicação da Filosofia. Poderia optar por ser um mendigo que depende do assistencialismo estatal, sem fazer nada de útil por sua vida. O que explica essa diferença? É a filosofia que você aceita e pela qual vive. Você considera a capacidade de ganhar a vida uma coisa boa ou um incômodo? Acha que os outros devem sustentá-lo, não importa o quanto você arruíne sua própria vida? Acredita que quem ganha mais dinheiro que você lhe deve um pedaço de seu contracheque, não importando a sua relação com eles? Todas essas são perguntas filosóficas.

Mas, mais especificamente, se você decide trabalhar para viver, e não parasitar o Estado, a filosofia aplicada está por toda parte. Se você pensa sobre como realizar uma tarefa específica, com base na natureza específica dessa tarefa – ou seja, cortar painéis de isolamento, por exemplo –, sua capacidade de pensar assim advém de uma filosofia que afirma que se deve aplicar o conhecimento a fatos físicos reais. E, historicamente, essa filosofia veio de um filósofo: Aristóteles, que viveu na Grécia antiga e ensinou seus discípulos a analisar eventos e práticas do mundo real. Antes de Aristóteles, havia pensadores práticos (praticantes da Sabedoria Prática), mas apenas porque a Atenas antiga era direcionada a uma vida racional para a polis (a Cidade-estado), e poucos antes de Aristóteles entendiam que as artes práticas eram uma forma de razão. Muitos outros na Grécia antiga usavam rituais e encantamentos para conseguir o que queriam na vida – e não acho que lançar um feitiço ou recitar um encantamento sobre os painéis de isolamento terá qualquer resultado, muito menos deixá-los do tamanho.

Foi essa diferença entre a Atenas antiga e seus vizinhos que possibilitou a certos filósofos pensar e identificar o que faz o homem bom ser um homem bom: é sua capacidade de raciocinar, de aplicar códigos racionais de pensamento à vida cotidiana e a princípios mais amplos, orientando o homem sobre como pensar, como operar sua própria mente e em que concentrá-la. Assim, por mais que fabricar cerâmica, tecer cestas, esculpir estátuas e talhar lanças pareçam tarefas diferentes, o filósofo consegue semelhanças entre essas atividades, afinal, todas elas são aplicações do raciocínio. Os melhores filósofos, incluindo Aristóteles (especialmente em suas formulações), descobriram que todos eles usavam um método de pensamento chamado lógica, que é a identificação não contraditória do que se observa.

E foi Aristóteles quem formulou os princípios da causalidade em muitas passagens de sua obra. Assim, o fato de que o isopor de um painel de isolamento deve ser manuseado de uma certa maneira ou se quebrará, ou o fato de que se deve usar uma serra poderosa para cortar os painéis (devido às hastes de aço em sua estrutura), tudo vem das formulações dos filósofos, que ensinaram o homem a pensar em virtude dos fatos, em vez de apenas fantasiar sobre ter coisas desconsiderando os fatos. E essa é uma aplicação da lógica, metodologia que não existia antes dos filósofos. Se você olha para um projeto e corta um painel do tamanho e forma certos, isso surge devido à lógica aplicada, que afirma que um painel não pode ter, ao mesmo tempo e no mesmo contexto, o comprimento de um metro e meio e de nove metros.  É o princípio da não-contradição de Aristóteles.

Mesmo questões de moralidade e justiça aparecem no local de trabalho. Um homem que trabalha mais e de forma mais caprichosa deveria ganha mais do que outro relaxado, que espera que terceiros façam seu trabalho? A forma como tratar os outros em um contexto social ou no local de trabalho é uma questão de justiça, que é a lógica aplicada às interações humanas. E a forma como alguém trata os outros depende da filosofia que ele aceitou. O trabalho bom, preciso e produtivo deve ser estimulado, ou deve ser ressentido e combatido? Isso nos leva de volta ao trabalhador versus o mendigo que vive do assistencialismo. Que tipo de homem você deve estimular, e que tipo deve manter fora de sua vida? Essas são questões filosóficas.

Em síntese, a filosofia se resume à metodologia mental: para que uso você vai empregar sua própria mente? Se você fica fantasiando o dia inteiro sem fazer nada, como pode esperar conquistar alguma coisa na vida? Você deve usar sua mente para enfrentar a realidade prática ou para criar coisas a partir do nada, que não têm nada a ver com os fatos em questão? São perguntas muito amplas, e o filósofo busca responde-las de forma que funcionem em todas as áreas da vida. Sem o filósofo racional, como Aristóteles, você pode até saber como fazer uma tarefa específica (se a aprendeu), mas não saberia o que fazer com sua própria mente diante de várias outras coisas que acontecem em sua vida; seria como uma criança que deseja coisas, em vez de agir dentro da realidade para alcançar seus objetivos.

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Artigo publicado em Applied Philosophy Online.

Revisado por Matheus Pacini.

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