Empresários e estado – pecados de uns, crime de outros

Pessoas que desconhecem os escritos de Ludwig von Mises ignoram por completo o papel da expansão do crédito na criação de recessões e depressões.  Por não saberem a verdadeira causa dessas calamidades, elas recorrem a falsas e quase sempre absurdas explicações, tais como a doutrina da ‘superprodução’ de bens — algo impossível por natureza, dado que os fatores de produção (terra, trabalho, capital) sempre serão, por definição, escassos.  Não é possível existir produção exagerada; apenas produção mal direcionada, errônea e insustentável.  Consequentemente, essas pessoas acabam culpando esse suposto aumento na produção e na oferta — algo que, se acontecesse, seria por si só a própria essência de uma maior prosperidade — pelo empobrecimento que ocorre nas recessões.  Por essa lógica, portanto, as pessoas ficam pobres porque estão ricas.

Outra popular e igualmente falsa explicação para a atual recessão é a fraude e a desonestidade de empresários.  Só para não deixar dúvidas, é fato que existem vários empresários desonestos.  Seria surpreendente se não existissem.  Vivemos em uma época em que princípios, de qualquer tipo, são amplamente desprezados e desdenhados.  E quando se leva em conta o arranjo econômico corporativista que predomina hoje nos principais países do mundo, no qual a liberdade econômica há muito já foi abolida, constata-se que todos os governos são livres para fazer praticamente tudo o que quiserem no âmbito econômico.  Eles não mais são restringidos por princípios como o respeito à propriedade privada e à liberdade de contrato.  O resultado tem sido o inevitável: os governos adquiriram quase que um poder absoluto para escolher vencedores e perdedores no campo empresarial, para destruir aqueles de quem não gosta e enriquecer aqueles que lhes são generosos, e tudo ao seu bel prazer.

Essa situação obriga os empresários, principalmente os grandes e bem sucedidos, a manter suas contribuições em dia para políticos e funcionários do governo.  Eles têm de pagar propinas, na forma de “contribuições de campanha” e “doações”, para políticos e para várias organizações e grupos de pressão apadrinhados pelo governo, tudo para não serem prejudicados ou destruídos por completo.  E como existem tão poucas restrições às ações do governo no âmbito econômico, e dado que poucos empresários conhecem alguma coisa de filosofia moral e política que vá além das doutrinas do pragmatismo, do relativismo e dos variados tipos de estatismo que eles absorveram em um sistema educacional corrupto e putrefato, frequentemente cruza-se a linha divisória que separa aquelas propinas que são meras extorsões, pagas para evitar ser prejudicado pelo governo, e propinas que são pagas para se usar o aparato governamental de compulsão e coerção, como classificou Mises, contra os concorrentes e a favor de si próprio — por exemplo, para ganhar subsídios governamentais ou para prejudicar seus concorrentes por meio de medidas como a incitação de procedimentos antitruste ou outras ações regulatórias contra eles.  Assim, uma economia expressivamente intervencionista é rapidamente tomada pela corrupção e pela imoralidade.

Agora acrescente uma expansão do crédito a essa mistura e você criará um ambiente no qual praticamente todos os empreendimentos vivenciarão um período de aparente prosperidade — muito embora o que esteja acontecendo na realidade seja uma maciça realocação de capital para investimentos insustentáveis.  Não deveria ser nada surpreendente que, sob esse arranjo, as empresas recorram a vários truques contábeis para sustentar a aparência de prosperidade à medida que todo seu capital vai se revelando investido de maneira insustentável, o que significa que ele está sendo exaurido e o patrimônio da empresa esteja sendo dizimado.  Tais atitudes questionáveis — para não dizer fraudulentas — são encorajadas pela convicção de que, basta apenas esperar algum tempo, que a aparente prosperidade geral irá retornar e recompensar essas medidas, ocultando de maneira permanente a sua natureza.  Ou o governo irá ajudar.

Porém, mesmo neste ambiente, ainda há uma distinção vital entre empresários, de um lado, e políticos e funcionários do governo, de outro.  E essa distinção é que a atividade de empresários enquanto empresários — isto é, como produtores de bens e serviços a serem vendidos no mercado — é inerentemente positiva.  Ela representa a criação de riqueza que sustenta e promove a vida e o bem-estar humano.  Com efeito, foi a poupança, o investimento, a busca pelo lucro e a concorrência dos empresários o que possibilitou praticamente todos os formidáveis avanços tecnológicos dos últimos duzentos anos, e o que possibilitou também que todas as pessoas que vivem em países capitalistas pudessem adquirir esses luxos.

Dizer que atos de desonestidade e fraude estão essencialmente ligados a atividades empreendedoriais faz tanto sentido quanto dizer que eles estão maciçamente presentes na prática de medicina ou em um espetáculo de música ou em qualquer arte ou ciência.  Assim como a existência de médicos, músicos, artistas ou cientistas desonestos não tem nenhuma ligação com a natureza destas atividades como tal, a existência de empresários desonestos não tem nenhuma ligação com a natureza da atividade empreendedorial em si.  A corrupção surge quando o governo entra em cena.

E é por isso que, em severo contraste com a natureza empreendedorial, a atividade de políticos e funcionários do governo sempre é inerentemente negativa — ela sempre será destrutiva ou ameaçará gerar destruição.  E é assim porque a base de toda a atividade governamental — mesmo quando é “benéfica”, isto é, para impor a lei — sempre será a força física ou a ameaça de força de física.  Isso já havia sido expressado pelo ditado em latim “nulla lege sine poena“, que significa “não há lei sem punição”.  Ou seja, não há lei, decisão administrativa, édito, decreto ou ordem governamental de qualquer tipo que não venha acompanhado da ameaça de uso de força física para compelir e impor obediência.  Na ausência da capacidade governamental de utilizar a força física para impingir obediência, qualquer uma de suas declarações não surtiria efeito algum.  Elas poderiam ser simplesmente desconsideradas à vontade.

Havendo um governo, o único uso legítimo desse poder negativo seria o de negar o uso privado de força física contra inocentes, proibindo e punindo atos como assassinato, assalto, roubo, estupro, sequestro e fraude.  Caso realmente se confinasse a esse estritamente limitado campo de ação — isto é, o banimento do uso da força física nas relações humanas —, o governo poderia possibilitar que as atividades positivas dos cidadãos ocorressem desimpedidamente, permitindo assim que elas gerassem todos os efeitos benéficos que são capazes de gerar.  No entanto, a partir do momento em que o governo extrapola esse rigorosamente limitado e estritamente delimitado âmbito de atividade legítima, seus atos se tornam tão destruidores quanto os de quaisquer criminosos.

Considerando-se a amplitude e o alcance das transgressões dos governos atuais, pode-se dizer que, embora de fato haja muitos empresários envolvidos em atividades que vão desde várias práticas questionáveis até a mais completa fraude, o fato é que o governo e os políticos que determinam as atividades do governo estão rotineiramente, dia sim e outro também, envolvidos na prática de roubo em ampla escala, que é exatamente o que os impostos — principalmente sobre a renda e sobre a folha de pagamento — representam, assim como também estão envolvidos em outras inúmeras violações dos direitos individuais, algo que inevitavelmente ocorre quando o governo usa ou ameaça usar a força física contra indivíduos inocentes que não utilizaram de violência em momento algum.

Com muito mais frequência do que os empresários cometem fraude, o governo e os políticos cometem — ou são acessórios para o cometimento de — atos criminosos como extorsão, roubo e encarceramento injusto.  Este último ocorre não somente quando indivíduos são encarcerados por crimes que não cometeram, algo que ocorre como resultado de negligência e desconsideração — pior ainda, com muito mais frequência do que se imagina —, mas também quando são encarcerados por atos que de fato efetuaram, mas que não representam crimes genuínos, tais como o cometimento dos chamados crimes sem vítimas (drogas, prostituição etc.) e “crimes econômicos” (contrabando, formação de cartéis, sonegação etc.)

E quando impõe o alistamento militar obrigatório, o governo está incorrendo em sequestro e escravização em volumosa escala, visto que ele forçosa e violentamente obriga as pessoas a estarem onde ele quer e a fazerem aquilo que ele quer que elas façam, em vez de permitir que elas estejam onde elas quiserem e façam aquilo que elas próprias optaram por fazer.  A mesma caracterização pode razoavelmente ser feita para a educação pública e para as leis que impõem a obrigatoriedade da presença em sala de aula, o que significa que os pais têm duas opções: ou entregam a educação e a mente de seus filhos para o estado ou vão para a cadeia.

Creio que isso já basta para a comparação entre os delitos de empresários e os delitos de governos e políticos.  O fato de que, mesmo assim, os delitos de empresários é que sempre que são amplamente relatados, para não dizer trombeteados em alto e bom som, ao passo que os essencialmente mais destrutivos delitos de políticos e funcionários do governo, os quais ocorrem continuamente e em escala muito mais vasta, são em sua grande maioria ignorados, apenas comprova de maneira indelével o quão anticapitalistas são as teorias econômicas e a filosofia política que dominam a grande maioria dos intelectuais da atualidade, incluindo, obviamente, os jornalistas, os formadores de opinião e as grandes mentes universitárias.

Isso só poderá ser alterado quando houver uma nova geração de intelectuais versados e aprofundados nas ideias de Ludwig von Mises e Ayn Rand, bem como nas ideias de seus predecessores e sucessores.  Ou seja, somente quando houver uma mudança radical no conteúdo da educação, da cultura e na mentalidade das pessoas.

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Publicado originalmente em Instituto Mises Brasil.

Revisado por Matheus Pacini

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