No ano de 1937, Ayn Rand publicou a obra Cântico. A obra se passa em um futuro no qual o mundo é regido por uma ordem governamental totalitária. De forma brilhante, a autora explora o conflito do indivíduo contra o coletivo, deixando bem claro que defende coisas como autointeresse racional, a autorresponsabilidade e o pensamento independente. Mesmo sendo escrito quase 100 anos atrás, a obra nos faz refletir até os dias atuais, com diversas aplicações, principalmente, na vida de empreendedores.
O livro descreve um mundo no qual a individualidade é vista como algo maléfico e prejudicial à sociedade. Todas as pessoas devem pensar na vida como parte de um coletivo, e não como indivíduos. Isso se deve ao fato de as pessoas serem controladas por um governo totalitário, que punia severamente qualquer indivíduo que ousasse pensar ou falar como um indivíduo. Essa forma de controle fazia com que as pessoas fossem facilmente controladas, não tendo espaço para reivindicações ou rebeliões. Como resultado, o mundo passou por um retrocesso, no qual grande parte das tecnologias conquistadas pelo empreendedorismo (eletricidade, por exemplo) foram perdidas, gerando uma queda de qualidade de vida de todos.
Junto com as proibições, as pessoas eram encorajadas a pensar como se só existisse o bem comum. O governo as fazia acreditar que já tinham uma função pré-definida, e não podiam ousar questionar tal função. As pessoas nem podia ter nomes individuais. Não obstante, o personagem principal, Igualdade 7-2521, passa a confrontar as leis totalitárias e descobrir inovações inimagináveis. Acreditando que estaria fazendo um bem para humanidade, Igualdade 7-2521, que havia sido designado como varredor de rua para o resto da vida, decide ir atrás dos Eruditos (considerado o grupo de intelectuais e pensadores) para mostrar inovações que havia descoberto, como a eletricidade. Ao contrário do que pensava, o grupo de Eruditos passa a ridicularizar e desencorajar a nova invenção, inclusive denunciando Igualdade 7-2521 para que ele sofresse uma severa punição. Tal episódio faz a personagem fugir e se revoltar, em uma viagem que o faz descobrir o seu próprio “eu”..
Obviamente, estamos longe de viver em um regime totalitário como o citado. Não obstante, se analisarmos, podemos criar um paralelo com os empreendedores vivem no Brasil e uma importante mensagem pode ser absorvida. Todo empreendedor sabe o quão difícil é sobreviver após abrir uma empresa. Dados do SEBRAE mostram que, apenas 37% das empresas nascidas em 2014 no Brasil sobreviveram por 5 anos ou mais. Segundo o ranking Doing Business (Banco Mundial), que avalia a facilidade de fazer negócios em um país, o Brasil ocupa o 109º lugar. Esses números não são à toa. Da mesma forma que na obra a personagem principal sofre diversas retaliações ao tentar pensar de forma individual para resolver problemas com novas tecnologias (como, por exemplo, a eletricidade), os empreendedores no Brasil passam por situações parecidas. São diversas leis, taxas a serem pagas, impostos, sindicatos e aprovações que dificultam a sua vida. Ou seja, possuímos diversas burocracias que freiam novas tecnologias e novos empreendedores em nosso país. Mais do que isso, um empreendedor pensar individualmente e buscar o lucro é visto com maus olhos por uma parcela relevante da sociedade (mesmo que suas ideias tragam benefícios para o mundo todo).
No entanto, ser difícil não é ser impossível. A grande mensagem que a obra passa em suas páginas finais é que, mesmo sendo difícil e doloroso, a resiliência para defender seus ideais e valores pode valer a pena. Igualdade 7-2521 decide enfrentar as dificuldades e decide fugir ao invés de se entregar. E é recompensado com diversas descobertas como o amor, o conhecimento por meio de livros e o valor da liberdade individual. Da mesma forma, possuímos diversos casos de sucesso de empreendedores brasileiros. Por exemplo, casos no mercado financeiro como XP e Nubank. Dotados de sua visão empreendedora, eles brigaram contra a maré e as burocracias do setor financeiro brasileiro, um dos mais regulados e burocráticos. O resultado foi uma mudança radical na vida de diversas pessoas, fornecendo acesso a produtos e serviços antes inimagináveis para uma parcela relevante da população (como cartão de crédito, um bom atendimento e oportunidade de investir em produtos financeiros de forma mais clara e justa). Ou seja, por mais difícil que seja, o Brasil precisa de pessoas corajosas, que enxerguem como a individualidade, o pensamento crítico e a proatividade podem fazer nosso país cada vez melhor.