A melhor maneira de se começar a entender a função dos preços no livre mercado é entendendo um princípio muito simples, porém fundamental: há uma tendência, no livre mercado, de se chegar a uma taxa de lucro uniforme em relação ao capital investido em todos os diferentes setores da economia.
Em outras palavras, há uma tendência de que o capital investido acabe gerando a mesma porcentagem de taxa de lucro, seja na siderurgia, no setor petrolífero, no setor calçadista, no setor automotivo ou qualquer outro.
E o motivo é que investidores naturalmente preferem obter uma taxa de lucro maior a uma menor.
Consequentemente, qualquer que seja o setor em que a taxa de lucro esteja maior, investidores irão investir capital adicional naquele setor para participar destes lucros maiores. E qualquer que seja o setor em que a taxa de lucro esteja menor, investidores irão retirar o capital que havia sido previamente investido neste setor.
Entretanto, este influxo de capital adicional em uma indústria mais lucrativa tende a reduzir a taxa de lucro nesta indústria. O efeito deste investimento adicional é aumentar a produção da indústria e, consequentemente, reduzir os preços de venda de seus produtos. Maior oferta de produtos, menor o preço unitário de cada um.
À medida que os preços de venda dos produtos vão diminuindo, se aproximando de seus custos de produção, a taxa de lucro obtida naquela indústria necessariamente irá cair.
Inversamente, a retirada de capital de uma indústria menos lucrativa tende a elevar a taxa de lucro daquela indústria, pois menos capital significa menos produção, o que leva a um maior preço de venda para esta reduzida oferta de bens, e consequentemente uma maior taxa de lucro sobre o capital investido remanescente.
Para ilustrar este processo, suponhamos que, inicialmente, a indústria de computadores esteja apresentando lucratividade atipicamente alta, ao passo que a indústria de calçados esteja vivenciando uma taxa de lucro muito baixa, ou até mesmo esteja dando prejuízos.
Sob estas condições, empreendedores irão obviamente querer investir na indústria de computação e reduzir seus investimentos na indústria de calçados. À medida que os investimentos na indústria de computação aumenta, a produção de computadores é expandida. Para conseguir encontrar compradores para esta maior oferta de computadores, seus preços terão de ser reduzidos. Assim, os preços dos computadores cairão e, como resultado, a taxa de lucro obtida com sua produção irá cair.
Por outro lado, à medida que o capital está sendo retirado da indústria de calçados, a produção desta indústria será diminuída, e a reduzida oferta de calçados poderá ser vendida a preços maiores, desta maneira aumentando a taxa de lucro sobre os investimentos que remanescerem nesta indústria.
Desta maneira, taxas de lucro inicialmente altas são reduzidas, e taxas de lucro inicialmente baixas são elevadas.
O ponto de chegada lógico é uma taxa de lucro uniforme para todos os setores da economia.
Não é anarquia; é racionalidade
Este princípio de que a taxa de lucro tende à uniformidade em um arranjo de preços livres e de livre entrada de concorrentes é o que explica a impressionante ordem e a maravilhosa harmonia que existem na produção observada em um livre mercado. Era o funcionamento deste principio que Adam Smith tinha em mente quando utilizou a infeliz metáfora de que uma economia livre funciona como se fosse guiada por uma mão invisível.
Em qualquer economia de mercado, a produção é conduzida por milhões de empreendedores e empresas independentes, cada uma delas preocupada apenas como o próprio lucro. Sabendo disso, e não sabendo nada sobre economia básica, qualquer pessoa pode facilmente ser levada a acreditar que tais condições representam uma “anarquia da produção”, que é como Karl Marx descreveu a economia de mercado.
Qualquer indivíduo pode facilmente ser levado a acreditar que, dado que a produção está nas mãos de uma massa de produtos independentes e que visam apenas ao lucro, o mercado seria aleatoriamente inundado por alguns produtos ao mesmo tempo em que as pessoas pereceriam pela total escassez de outros produtos, como resultado da descoordenação entre os produtores.
Esta, obviamente, é a imagem criada por aqueles que defendem um planejamento centralizado pelo governo.
O “princípio da uniformidade dos lucros” explica como as atividades de todas as empresas distintas são harmoniosamente coordenadas pelo sistema de preços livres, de modo que o capital não é excessivamente investido na produção de alguns itens ao mesmo tempo em que a produção de outros itens fica completamente descapitalizada.
O funcionamento deste “princípio da uniformidade dos lucros” é o que mantém a produção de todos os mais diferentes produtos direta ou indiretamente necessários à nossa sobrevivência no equilíbrio adequado. Ele contrabalança e impede erros que levem a uma relativa superprodução de alguns bens e a uma relativa sub-produção de outros.
Para entender este ponto, suponha que um empreendedor cometa um erro. Ele investe capital excessivo na produção de geladeiras e não investe o suficiente na produção de televisores. Por causa do “princípio da uniformidade dos lucros”, este erro necessariamente terá uma auto-correção e será auto-limitante. O motivo é que o efeito do investimento excessivo na produção de geladeiras é o de deprimir os lucros na indústria de geladeiras, pois a quantidade excessiva de geladeiras que serão produzidas só poderá ser vendida a preços que são baixos em relação aos custos.
Da mesma maneira, o efeito de um investimento escasso no setor de televisores é o de aumentar os lucros desta indústria, pois a quantidade deficiente de televisores produzidos poderá ser vendida a preços que são altos em relação aos custos.
Sendo assim, a própria consequência deste erro será a de criar incentivos para sua correção: os baixos lucros — ou prejuízos, caso o investimento excessivo tenha sido muito sério — da indústria de geladeiras atua como um incentivo para a retirada de capital deste setor, ao passo que os altos lucros da indústria de televisores atua como um incentivo para o investimento de capital adicional nela.
Adicionalmente, a consequência do erro não é apenas criar incentivos para sua correção, mas, simultaneamente, fornecer meios para sua correção: os altos lucros da indústria de televisores não apenas representam um incentivo para se investir nela, como também eles próprios são a fonte de investimentos, pois os altos lucros obtidos podem ser reinvestidos na própria indústria.
Igualmente, à medida que a indústria de geladeiras sofre prejuízos ou aufere lucros que são muito baixos para bancar os dividendos de que seus investidores precisam para viver, seu capital irá encolher, de modo que a indústria será incapaz de continuar produzindo na mesma escala.
Desta forma, em um livre mercado, em que os preços são livres e há livre entrada para a concorrência, os eventuais erros cometidos na produção relativa de vários bens são automaticamente corrigidos.
Consumidores no comando
E, é claro, no comando de tudo está o consumidor.
São os consumidores, em um livre mercado, que têm o poder da iniciativa de alterar os rumos da produção. Tudo o que os consumidores precisam fazer para gerar uma mudança na estrutura de produção é alterar seus padrões de gastos.
Se os consumidores decidirem comprar mais do produto A e menos do produto B, a produção de A automaticamente se torna mais lucrativa, e a produção de B, menos lucrativa.
Consequentemente, capital passa a fluir para A, e a sair de B. A produção de A é, desta forma, expandida, e a de B é contraída, até o ponto em que, de novo, tanto A quanto B passam a ter a mesma taxa média de lucro geral.
A importância de uma moeda sólida
É apenas quando se realmente entende o funcionamento do sistema de preços no livre mercado, como ele possibilita o cálculo de lucros e prejuízos, e, por conseguinte, como ele leva a toda esta alteração na estrutura de produção da economia, que se entende quão crucial é ter uma moeda sólida.
Todo o cálculo de lucros e prejuízos se baseia nos preços de mercado. Empreendedores planejam seus investimentos e sua produção tendo por base os cálculos de lucros e prejuízos; os trabalhadores planejam suas especializações tendo por base os salários; e os consumidores planejam seu padrão de consumo tendo por base os preços dos bens e serviços.
Ou seja, todas as atividades econômicas são um cálculo monetário. Trata-se de um cálculo que depende direta e crucialmente da qualidade da moeda.
Tomando emprestado um jargão socialista, um planejamento econômico racional — o qual envolve a alocação de capital e toda a divisão do trabalho — só é possível quando a moeda utilizada para fazer todo este cálculo é sólida.
Uma moeda sólida é aquela que não gera uma falsificação de todo o processo de cálculo econômico. Segundo o próprio Ludwig von Mises, para que o cálculo econômico ocorra de maneira acurada, tudo o que é necessário é evitar grandes e abruptas flutuações na oferta monetária.
Se a oferta monetária — a quantidade de dinheiro na economia — é profunda e abruptamente alterada, todo o processo acima descrito de cálculo econômico é falsificado.
Quando a quantidade de dinheiro na economia aumenta, o volume de gastos aumenta, os preços sobem. Neste cenário, um empreendedor não tem como saber se é o seu produto que está sendo mais demandado — e, logo, ele deve produzir mais —, ou se a economia está começando a vivenciar um processo de aumento generalizado de todos os preços, o que significa que, não apenas os preços de venda mas também seus custos de produção irão aumentar, de modo que, no final, não haverá aumento nos lucros.
Ele só saberá o que realmente houve vários meses após iniciar o aumento da produção.
Na economia, o que realmente interessa — como descrito ao longo do artigo acima — são os preços relativos. E estes são determinados pela demanda relativa.
Sob uma moeda sólida, se os consumidores passam a demandar mais computadores e menos automóveis, isso é imediatamente refletido nos preços relativos. Os preços dos computadores sobem, os preços dos automóveis caem. Os produtores de computadores têm um incentivo para produzir mais computadores, e o produtores de automóveis têm um incentivo para produzir menos automóveis.
É assim que o sistema de preços funciona, e é para permitir esta racionalidade na produção que ele serve.
Porém, se a quantidade de dinheiro na economia é continuamente alterada, isso faz com que o sistema de preços seja falsificado. Os preços relativos são adulterados. Há uma perda de referencial. Utilizando uma metáfora sonora, começa a haver estática no seu rádio. Você não consegue ouvir as coisas claramente. Surge um caos no sistema de cálculo monetário.
As avaliações e estimativas de preços, bem como os cálculos de lucros e prejuízos feitos pelos empreendedores se tornam distorcidos, o que causa uma sistemática alocação errônea de capital nos investimentos.
O aumento na quantidade de dinheiro na economia — que ocorre quando o Banco Central, em conjunto com o sistema bancário, atua para reduzir artificialmente os juros — gera um aumento nominal da renda e do volume de gastos, o que faz com que investimentos, atividades e ocupações que até então não eram atraentes (por não serem lucrativas) repentinamente se tornem (aparentemente) rentáveis.
O que antes não era lucrativo, agora— por causa do maior volume de dinheiro disponível, o que gera maior volume de gastos e mais demanda — parece bem mais promissor.
Capital passa a ser direcionado para os setores que fabricam bens que agora estão sendo mais demandados.
E isso vai acontecendo generalizadamente em toda a economia.
No entanto, a realidade é que não houve nenhum aumento na poupança para permitir este maior consumo. Tampouco pode-se dizer que houve uma real alteração nos preços relativos. A preferência dos consumidores por um produto em relação a outro não foi necessariamente alterada. Houve apenas criação de moeda (e a consequente redução nos juros que tal expansão monetária gera).
Em algum momento, inevitavelmente, preços e custos de tudo começarão a subir, e consequentemente os juros bancários também subirão — se os bancos não subirem os juros, receberão de volta uma moeda valendo muito menos do que quando emprestaram.
Neste ponto, com a subida dos juros, a expansão do crédito é interrompida (ou fortemente reduzida), os juros de longo prazo sobem, a expansão monetária é desacelerada, a renda nominal e a demanda param de crescer, e os empreendedores descobrem que seus investimentos não têm a demanda que imaginavam que teria — tudo porque o aumento do consumo e dos preços se deveu à expansão da quantidade de dinheiro na economia, e não a uma genuína mudança na preferência dos consumidores, causada por mais poupança.
Vários investimentos voltados para o longo prazo feitos durante o período da expansão monetária se tornam ociosos, revelando que sua produção foi um erro: os empreendedores foram guiados por um sistema de preços que havia sido adulterado pela expansão monetária — a qual, por sua vez, também adulterou preços cruciais, como a taxa de juros para empréstimos de longo prazo.
A expansão monetária, vale ressaltar, desvirtua a produção. Ela torna atraente investir em setores que até então não eram lucrativos. Consequentemente, ela retira recursos escassos (matéria-prima e mão-de-obra) de outros setores setores e os redireciona para estes setores que agora se tornaram lucrativos.
Porém, tão logo se descobre que não havia demanda genuína para estes investimentos — foi apenas uma ilusão gerada pela expansão monetária —, eles têm de ser liquidados. Este processo de liquidação é a recessão.
No final, estes investimentos imobilizaram capital e recursos escassos, recursos estes que agora não mais estão disponíveis para serem utilizados em outros setores da economia. No geral, a economia está agora com menos capital e menos recursos escassos disponíveis, pois boa parte foi imobilizada em empreendimentos insustentáveis no longo prazo.
Para concluir
O sistema de preços, e toda a racionalidade que ele gera, é a grande maravilha de uma economia de mercado. Mas ele precisa de uma moeda sólida para funcionar corretamente.
A intervenção estatal sobre o sistema monetária cria distorções em todo o sistema de produção, criando preços que deixam de ser baseados no conhecimento individual e nas valorações feitas por cada indivíduo.
Uma moeda sólida fornece um ambiente financeiro em que crises econômicas associadas à má alocação de recursos e a investimentos insensatos podem ser evitadas, e em que o cálculo monetário se torna o mais eficiente possível.
Não foi à toa que Ludwig von Mises disse que uma moeda sólida representa uma liberdade civil básica, a qual deveria estar na mesma classe das constituições políticas e dos direitos humanos.
________________________________
Publicado originalmente em Instituto Mises Brasil.
Revisado por Matheus Pacini.
Curta a nossa página no Facebook.
Inscreva-se em nosso canal no YouTube.
__________________________________________