É apenas papel

A resposta ao vírus adicionou um novo mecanismo de consumo de capital aos muitos que documentamos ao longo dos anos. Empresas são fechadas, porém continuam a ter despesas. Existe um equívoco popular de que isso significa apenas uma perda de papel. É como se houvesse uma bomba de nêutrons que, de alguma forma, destrói apenas papel, deixando intactos todos os outros ativos físicos (como a planta de uma fábrica, por exemplo). É uma fantasia agradável, bastante popular e não só entre os suspeitos costumeiros: inclusive um economista austríaco conhecido afirmou tal ponto.

Isso ilustra que, infelizmente, muitos economistas não têm familiaridade com os negócios. Muitos economistas veem um restaurante fechado e pensam que esse restaurante pode ficar fechado por um dia, uma semana, um mês ou um ano sem maiores problemas. O proprietário do restaurante responderia que ele ainda está pagando contas, mesmo tendo demitido todos os funcionários. E muitos economistas retrucam: “Isso é apenas papel!”

Muitos economistas – e os políticos – pensam que o governo e o BC podem restaurar o capital perdido em papel concedendo empréstimos ou mesmo distribuindo dinheiro de graça. Isso é mentira.

Uma coisa deve ficar clara: sejam quais forem as despesas pagas pelo restaurante, trata-se de uma transferência de recursos reais do restaurante para seus fornecedores, credores, etc. Esses compram comida, combustível, roupas, abrigo, etc. Não é apenas papel.

Voltando ao restaurante, vemos que, mesmo fechado, ainda consome eletricidade (mesmo menos que quando está em operação). Paga o seguro e a manutenção predial. Com o tempo, a exposição ao sol, vento, chuva e neve danifica o telhado, as janelas e as paredes. No auge do verão e do inverno, até prédios desocupados precisam utilizar ar-condicionado e aquecimento. Então, consomem ainda mais energia e gás. Além disso, esses mesmos sistemas se desgastam e precisam de manutenção. Estacionamento e calçadas também devem ser mantidos. E assim por diante.

A situação exposta acima pressupõe que todos os funcionários tenham sido dispensados ou demitidos (caso contrário, haveria despesas também com folha de pagamento. Mas isso leva a outra forma de destruição de capital. Contratar funcionários demanda tempo e dinheiro. Pense no que você precisaria fazer para abrir um restaurante. Por quanto tempo você pagaria aluguel enquanto procura por um chef e um gerente? Depois de registrá-los em sua folha de pagamento, quanto tempo seria necessário para contratar o resto dos funcionários e treiná-los? Lembre-se de que, no dia da inauguração, a comida deve ser boa e o atendimento impecável. Os clientes não dão uma segunda chance para restaurantes ruins.

Existe capital real investido em uma equipe funcional. Se elas saem, o investimento é perdido.

Mudando de restaurante para shopping, esse tem várias despesas adicionais que o primeiro não tem. A mais óbvia é a segurança privada. Um shopping seria um alvo tentador se ficasse totalmente abandonado. O ar-condicionado é muito mais importante em uma grande propriedade comercial que num restaurante pequeno e independente.

As empresas aéreas chamaram a atenção do público porque pediram bilhões de dólares em resgate. Lemos que o resgate veio com uma condição insana: que elas devem continuar a operar as mesmas rotas que antes, apesar da queda drástica de passageiros. Obviamente, isso significa desgastar lentamente os aviões e pagar por sua manutenção cara. Mesmo esquecendo isso, qualquer operador de máquinas grandes e complexas enfrenta o mesmo dilema. Se as máquinas continuam em operação, consomem energia e insumos, desgastando-se lentamente. Se forem desligadas, sua reinicialização pode ser cara e muito difícil.

Uma empresa aérea enfrenta um dilema maior ao demitir funcionários. Ela emprega muitos especialistas qualificados, como pilotos e mecânicos. O desafio de contratar novamente quando tudo voltar ao “normal” é muito maior do que para um restaurante e, consequentemente, muito mais complicado. O conhecimento específico dessas pessoas é exponencialmente maior do que o dos cozinheiros e funcionários de um restaurante.

Também é tentador e agradável pensar que é possível parar e reiniciar uma economia. Muitos acreditam que a economia é como um reprodutor de MP3 – basta pressionar o botão pause e, sempre que quiser, pressionar o botão play. Uma analogia melhor é a de um organismo vivo. Você não pode parar a frequência cardíaca de um animal e reiniciá-la um dia, uma semana, um mês ou um ano depois. A economia também é assim: consiste em inúmeras pessoas, coisas e processos num fluxo constante. Se você der um pause nessas pessoas, coisas e processos, interrompendo o fluxo, para dar um reset será necessário um novo investimento e um grande esforço.

O ponto do artigo é que uma empresa sempre está consumindo recursos reais, na condição de pause, play ou reset.

Um último princípio que se deve considerar. Para consumir, é necessário, primeiro, produzir. Isso significa que, se alguém está consumindo no presente, mas não está produzindo no presente, o que está consumindo agora foi produzido no passado. Isso significa capital. Semente de milho. Todo negócio fechado está consumindo capital. Se o negócio falir por conta própria, será necessário fechá-lo por completo ou obter capital saqueado de outro negócio que ainda tenha capital disponível.

Nesse sentido, dizemos que a resposta de pânico ao vírus adiciona outro fator ainda mais grave de consumo de capital a todos os já conhecidos em nosso sistema monetário. E, então, para compensar essa onda de consumo de capital, o governo oferece subsídios para permitir ainda mais consumo de capital.

Lembro-me de um antigo comercial da empresa Febreze. O locutor descreve os purificadores de ar convencionais como apenas mitigadores de odor, de uma forma respeitosa: “Agora a sua casa cheira a peixe e flores!” Agora, o governo subsidiou empresas consumidoras de capital e o consumo de capital de empresas que milagrosamente ainda operam nesse ambiente.

__________________________________________

Publicado originalmente em Monetary Metals.

Traduzido por João Rodrigues.

Revisado por Matheus Pacini.

Curta a nossa página no Facebook.

Inscreva-se em nosso canal no YouTube.

__________________________________________

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Inscreva-se na nossa Newsletter