Queria não ter deletado o vídeo que gravei na época do lançamento do primeiro filme da franquia Deadpool, pois tinha traduzido alguns trechos do artigo Bootleg Romanticism de Ayn Rand que, provavelmente, seriam relevantes aqui. Mas só pra relembrar uma parte:
“Observe que, na questão humor versus thrillers, os intelectuais modernos estão utilizando o termo “humor” como um anticonceito, um “combo” de dois significados, com o significado correto servindo de cobertura para que eles introduzam o significado incorreto na mente das pessoas. A intenção é destruir a distinção entre “humor” e “ridicularização” – particularmente, “autorridicularização” – e, portanto, levar as pessoas a denegrirem seus próprios valores e sua autoestima, por medo de serem acusadas de não terem um “senso de humor”. Lembre-se de que o humor não é uma virtude incondicional – ele depende do objeto. Você pode rir com um herói, mas nunca de um herói – assim como uma sátira pode “debochar” de um determinado objeto, mas nunca de si mesma. Uma composição que debocha de si mesma é uma fraude contra a plateia.”
Concordo plenamente com ela (é o que já discuti em postagens como Herói Envergonhado e Idealismo Reprimido) e esse é o principal motivo de eu não me divertir com essa série.
Mas há também outros valores ruins no filme. Ele é não só anti-heróis, antiautoestima, mas também explicitamente pró-autossacrifício, mostrando uma história em que o herói dedica todo o seu esforço para salvar um personagem secundário (que não tem nada a ver com sua vida), intencionalmente feio, mau-caráter e sem o menor carisma: ou seja, o grande tesouro da história, a “arca perdida” que o herói tem que lutar para conquistar é um adolescente revoltado, andrógino e representante das “minorias oprimidas”.
SPOILER: No clímax, assim como no último Star Wars, temos novamente um momento de duplo autossacrifício (parece que um só já se tornou uma dose muito fraca para o público atual) em que o herói tenta morrer em nome dos mais fracos, mas é impedido por um personagem secundário que se sacrifica de última hora em seu lugar. Assim, o herói consegue provar para o público que tem o “coração no lugar certo” – que está em harmonia com os ensinamentos de Jesus – mas não precisa morrer na prática, pois isso seria muito inconveniente. Afinal, o que vale mesmo é a intenção, não é? O interessante nesse caso específico é que, mesmo depois que Deadpool se joga na frente da bala e leva o tiro pelo garoto, ele ainda poderia se salvar tirando o dispositivo que anula seus poderes – tirando o colar, o ferimento de bala se regeneraria – mas não: ele insiste em não tirar o colar e morrer de propósito, apenas para provar que ele não fez aquilo por qualquer motivo egoísta (egoísmo= Hitler). Para um altruísta, apenas o sacrifício total conta como uma verdadeira prova de bondade.
A completa rejeição da lógica, da realidade e de regras claras também é algo impressionante nos filmes da Marvel – e destrói qualquer possibilidade de suspense na história e envolvimento nas cenas de ação. Como ficar apreensivo, temer alguma coisa ou admirar qualquer virtude em um universo onde tudo é possível, onde nada tem características sólidas, onde não existe uma noção de quais são os limites do herói, do que ele pode ou não fazer? Afinal, (i) Deadpool é praticamente indestrutível (ele é desmembrado diversas vezes no filme; às vezes, são necessários vários dias para os seus membros crescerem de volta; noutras, ele já aparece todo “colado” na cena seguinte) e (ii) há uma máquina do tempo no filme, então, mesmo que alguém consiga matá-lo, sabemos de antemão que será possível desfazer tudo em estalar de dedos.
Rand dizia que a arte reflete a soma dos valores filosóficos mais profundos de uma sociedade. Não sei se Deadpool é um bom representante da cultura atual, mas o que quer que ele reflita, não é uma coisa boa.
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Deadpool 2 / EUA / 2018 / David Leitch. FILMES PARECIDOS: Logan (2017) / Star Wars: Os Últimos Jedi (2017) / Kingsman: Serviço Secreto (2014).
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Publicado originalmente em Profissão Cinéfilo.
Revisado por Matheus Pacini.
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