David Goggins Não é um Modelo

A vida não é sofrimento – Traduzido por Manu Olik.

David Goggins era preguiçoso, obeso e não fazia nada da vida, então ele decidiu se tornar um Navy SEAL (principal força de operações especiais da Marinha Americana). Goggins perdeu 45kg e passou pelo duro processo de seleção do BUD/S (primeira etapa da preparação do treinamento dos SEALs) em sua terceira tentativa. Ele ficaria conhecido por vencer dezenas de ultramaratonas e ultra triatlos, registrando sua jornada em dois livros campeões de vendas.

Goggins é uma inspiração. Ouvir seus livros e entrevistas me ajudou a restabelecer um hábito de exercícios há muito abandonado, e quando estou trabalhando em um projeto desafiador e preciso de um impulso extra, posso ouvi-lo gritar: “Não paro quando estou cansado, só paro quando termino.”

Embora Goggins seja uma inspiração, ele não é um modelo. Sua visão da vida é corrosiva, encorajando-nos a construir nossa vida em torno do sofrimento.

  • “Buda disse a famosa frase de que a vida é sofrimento. Não sou budista, mas sei o que ele quis dizer e você também. Para existir neste mundo, devemos enfrentar a humilhação, os sonhos desfeitos, a tristeza e a perda.”
  • “Se você está disposto a sofrer, e quero dizer sofrer mesmo, seu cérebro e corpo, uma vez conectados, podem fazer qualquer coisa.”
  • “É muito mais do que a mente sobre a matéria. É necessária uma autodisciplina implacável para programar o sofrimento no seu dia, todos os dias.”
  • “Se você consegue fazer coisas que odeia fazer, do outro lado está a grandeza.”
  • “Você tem que criar calos em seu cérebro da mesma forma que cria calos em suas mãos. Fortaleça sua mente através da dor e do sofrimento.”
  • “A vida é o esporte de resistência mais brutal de todos os tempos!”
  • “O sofrimento é um teste. É só isso que é. O sofrimento é o verdadeiro teste da vida.”

Goggins diz que o sofrimento é a essência da vida, e nossa escolha básica é se “resistimos” e nos sujeitamos voluntariamente à dor – ou se nos tornamos frágeis e preguiçosos futilmente tentando evitar a dor.

Você pode encontrar uma visão semelhante sendo defendida por Jordan Peterson. Na visão dele, a dor é uma “realidade fundamental”. Nada é “mais real” do que a dor — exceto “aquilo que dissipa a dor”. Ele conclui que é isso que a virtude alcança. “Eu diria que muitas das coisas que consideramos como virtudes cardeais são virtudes, de fato, porque se você as tem ao seu lado, pode realmente lidar com e talvez dissipar, triunfar ou transcender a dor e o sofrimento inevitáveis da existência.”

Tanto Goggins quanto Peterson não são pessimistas radicais. Eles não acreditam que os seres humanos estejam completamente condenados à derrota, tal como afirmaram muitos pensadores religiosos e filósofos ao longo da história. No entanto, eles ainda veem nossas vidas girando em torno da dor e do sofrimento. A vida é sobre enfrentá-la, lutar contra ela e, talvez, de alguma forma, superá-la.

Essa atitude em relação à vida é tóxica. Se a felicidade é seu objetivo, você não pode construir sua vida em torno do sofrimento. Você precisa construí-la em torno de valores – e de uma convicção de que você vive em um universo onde esses valores são alcançáveis. Um universo onde o sofrimento não é importante.

A Irrelevância do Sofrimento

Pouco depois de terminar A revolta de Atlas, Rand fez anotações para um romance que nunca escreveu. Ele seria sobre “uma mulher totalmente motivada pelo amor aos valores – e como alguém se mantém nesse estado estando sozinha em um mundo hostil.” (The Journals of Ayn Rand, 706).

Ao contrário do idealismo terreno do herói, Rand considerou várias formas de idealismo equivocado, incluindo o que ela chamou de “idealista ‘bryroniano’”, que se referia a alguém que “incorpora a dor em seu ‘universo de desespero’ e acaba com a premissa de que ‘se não houver dor envolvida, não é um valor nem um ideal; se é prazeroso ou alegre, é vulgar, superficial e inconsequente’. Ele acaba se tornando um verdadeiro ‘adorador da dor'”. (The Journals of Ayn Rand, 710)

Na época em que fez essas anotações, Rand estava refletindo sobre um incidente marcante no qual ela havia compartilhado uma de suas primeiras histórias curtas com amigos sem revelar que a escrevera. Alguns deles ficaram surpresos ao descobrir que Rand tinha escrito a história. Eles protestaram: “Não aborda grandes questões como seus romances; não tem paixões profundas, lutas imortais, ou significado filosófico.”

Rand respondeu: “Trata apenas de uma ‘grande questão’, a maior de todas elas: o homem pode viver na Terra ou não?”

De acordo com seu aluno, Leonard Peikoff:

Ela prosseguiu explicando que a malevolência – o sentimento de que o homem por natureza está destinado ao sofrimento e à derrota – é onipresente em nossa era; que até mesmo aqueles que afirmam rejeitar tal ponto de vista tendem a sentir, hoje, que a busca por valores deve ser uma cruzada dolorosa, uma luta santa, mas sombria contra o mal. Essa atitude, disse ela, atribui muito poder ao mal. O mal, segundo ela, é essencialmente impotente (veja A revolta de Atlas); o universo não está contra o homem, mas é “benevolente”. Isso significa que os valores do homem (se baseados na razão) são alcançáveis aqui e nesta vida; e, portanto, a felicidade não deve ser vista como um acidente estranho, mas, metafisicamente, como o normal, o natural, o esperado.

Filosoficamente, em resumo, a essência mais profunda da vida do homem não é a solenidade grave e cheia de crises, mas sim a alegria despreocupada. (The Early Ayn Rand, 57).

O idealismo terreno envolve mais do que formar e perseguir ideais – envolve uma perspectiva sobre ideais que é altamente incomum. Uma visão que diz que a vida é sobre valores. O que é importante, o que é possível, o que se espera da vida é a realização de ideais racionais que levem à felicidade.

A “premissa do universo benevolente” não nega a existência de dor, do sofrimento ou do mal. A própria Rand cresceu na Rússia durante a Revolução Comunista e passou por períodos de quase inanição antes de fugir para os Estados Unidos. Ela compreendia o sofrimento e o mal. De fato, logo após descrever o idealista “byroniano”, ela reflete sobre o “glamorizador”, que não ousa admitir para si mesmo a existência da dor ou do mal no mundo, que continua fingindo para si mesmo que tudo é bom, porque deseja desesperadamente o bem – e acaba permitindo que o bem pereça ao invés de descobrir que o mal é mal.

Um idealista terreno entende que a dor, o sofrimento e o mal existem. O que ele nega é que mereçam um lugar central na visão de vida de alguém. Como um personagem diz em A revolta de Atlas:

Não acreditamos que esta terra seja um reino de miséria onde o homem está destinado à destruição. Não achamos que a tragédia seja nosso destino natural, nem vivemos com medo crônico de desastres. Não esperamos por desastres até termos um motivo específico para esperá-los — e quando os enfrentamos, somos livres para combatê-los. Não é a felicidade, mas o sofrimento que consideramos como algo não natural. Não é o sucesso, mas a calamidade que consideramos como a exceção anormal na vida humana.

Um idealista terreno molda seus desejos a partir da realidade e, portanto, espera que eles sejam alcançáveis na realidade. Ele sabe que os valores precisam ser alcançados por meio do esforço, que o sucesso nunca é garantido, e que o fracasso, o sofrimento, e o mal são possíveis, mas são apenas obstáculos a serem enfrentados, superados e esquecidos. Eles não são o que realmente importa na vida.

Durante muito tempo, eu não entendia por que Rand fazia tanto alarde sobre esse assunto. Mas ao longo dos anos, descobri o quão comum é as pessoas perderem a felicidade por não conseguirem cultivar essa atitude em suas almas.

Conheci pessoas que não estabelecem metas ambiciosas porque, no fundo do seu coração, não acreditam que o sucesso seja possível. Vi pessoas que conseguem encontrar o lado negativo na melhor situação. Vi pessoas que, no momento em que alcançam o que mais desejam na vida, não sentem alegria, mas medo: o simples fato de terem alcançado seu objetivo faz com que esperem um desastre iminente. Vi até mesmo pessoas alcançarem grandes feitos e se autossabotarem para restaurar a noção de como o mundo supostamente funciona.

Para se tornar um idealista terreno, é preciso se dedicar aos valores, focar nos valores e formar uma profunda convicção de que o universo é receptivo aos valores.

Como um Idealista Terreno Lida com Dificuldades

Uma razão pela qual é tão raro adotar e manter uma perspectiva de universo benevolente é porque, mesmo nos melhores casos, a busca por valores é difícil. O idealismo terreno envolve buscar o melhor possível na vida — e o melhor possível não vem facilmente. Requer dedicação implacável e esforço diante de obstáculos.

Manter-se dedicado aos seus ideais diante de desafios e contratempos é uma conquista rara. E muitas vezes, a história que você conta a si mesmo quando desiste de seus ideais é que o idealismo em si é o culpado. Ser realista e prático significa se conformar. Sabedoria significa diminuir suas expectativas e encontrar contentamento em levar uma vida “sem reclamações”. A realidade é acusada de ser inimiga dos valores ambiciosos.

Mas o idealista terreno não condena a realidade. Ele escolhe valores alcançáveis e abraça os meios para alcançá-los. Como discípulo da causalidade, ele adota metas com um compromisso consciente com as ações necessárias para alcançá-las.

Às vezes, os meios para alcançar nossos valores são desagradáveis. Se eu quiser visitar meus melhores amigos no Texas, tenho que suportar o desconforto de voar. Mesmo assim, faço o que posso para tornar a viagem agradável. Baixo minhas séries favoritas, carrego comigo um bom livro e tento usar o tempo para pensar nos meus projetos mais importantes. Mas se eu pudesse me teleportar para Austin, eu faria.

Mas para nossas metas mais importantes, as buscas que compõem nossa vida, a felicidade requer amar o fazer. A alternativa é cometer o erro do “fio mágico”. Na história do fio mágico, um garoto chamado Pedro recebe o poder de avançar rapidamente em sua vida puxando um fio mágico. Entediado na escola? Ele puxa o fio e se forma. Impaciente para se casar? Ele puxa o fio e o dia do seu casamento chega. O bebê está o mantendo acordado? Ele puxa o fio e seu filho já está crescido. Pedro consegue passar de conquista para conquista em questão de segundos. O problema é que ele perde a vivência de sua própria vida. Mas a felicidade está justamente em amar a vivência de sua vida.

A busca por valores sempre requer esforço, mas esse esforço deve ser vivenciado de forma positiva. Para o idealista terreno, o esforço na busca por valores é em si um valor. Goggins nos ensina a pensar que a busca por objetivos dignos deve incluir um sofrimento implacável. Se você não está sofrendo, não está evoluindo. O oposto é verdadeiro: se a busca pelos seus objetivos mais importantes não é fonte de alegria, você deve questionar seus objetivos ou o caminho que escolheu para alcançá-los.

Dito isso, se você buscar objetivos ambiciosos, haverá momentos em que enfrentará verdadeiras lutas, obstáculos aterrorizantes e contratempos dolorosos. E é aqui que eu acho que alguns dos conselhos oferecidos por Goggins podem ser úteis. O que Goggins oferece é um conjunto de ferramentas que ajudam a garantir que você tenha recursos mentais dos quais pode recorrer para manter seus valores de longo prazo reais para si mesmo diante dos obstáculos.

Uma dessas ferramentas é descobrir o seu porquê. Você tem que saber, antes que tudo desande, qual é o seu propósito. Por que você está se submetendo a um campo de treinamento militar? Ou a um rigoroso regime de treinamento? Ou a uma dieta restritiva? Você precisa estar completamente convencido do seu porquê e ele precisa estar gravado na sua alma para que, quando chegar a hora, você não precise reconstruir as razões pelas quais seu objetivo é importante para você – você só precisa se lembrar delas.

Outra ferramenta é encher o seu pote de biscoitos. Seu pote de biscoitos contém lembranças de momentos em que você superou a dor e o desconforto para alcançar algo grandioso. Ao passar um tempo antecipadamente pensando nesses exemplos, você está em uma posição de pegar biscoitos do pote nos momentos em que precisar de motivação.

É preciso, por fim, trabalhar horas extras para fortalecer a mente. Isso implica aprender a se sentir confortável com o desconforto.  Isso implica aprender a se sentir confortável com o desconforto. Você reconfigura mentalmente o desconforto para que não seja mais algo a ser evitado, mas sim um sinal de que está caminhando na direção do que deseja.

Há um perigo nessas ferramentas. Na maioria dos contextos, buscar valores não deve parecer uma luta. Dor e desconforto são sinais de que é preciso repensar seus objetivos ou sua abordagem para alcançá-los. Buscar grandes e audaciosos objetivos deve ser principalmente uma experiência divertida. No entanto, haverá momentos em que não será divertido, e é vital ser capaz de recorrer a estratégias para continuar avançando.

Como um Idealista Terreno Lida com Sofrimento

O problema com a felicidade, insiste Jordan Peterson, é que ela é passageira:

É fácil pensar que o sentido da vida é a felicidade, mas o que acontece quando você está infeliz? A felicidade é um ótimo efeito colateral. Quando ela chega, aceite-a com gratidão. Mas é passageira e imprevisível. Não é algo para se buscar – porque não é um objetivo. E se a felicidade é o propósito da vida, o que acontece quando você está infeliz? Aí você é um fracasso. E talvez um fracasso suicida. A felicidade é como algodão doce.  Simplesmente não dá conta do recado.

Isso está profundamente errado. A felicidade não é o clima do momento – é o clima geral. É o tom emocional de uma vida bem vivida. A felicidade não é algo que você perde quando a vida fica difícil: a felicidade, e a promessa dela, é o que te sustenta em águas turbulentas.

A grande mentira que pessoas como Peterson e Goggins contam é que o sofrimento nos fortalece e a felicidade nos enfraquece. Mas quem está melhor preparado para enfrentar uma crise? O homem orgulhoso, sereno e confiante que ama sua vida — ou alguém resignado à convicção de que a vida é dor e o fracasso é inevitável? Porém, para que a felicidade nos sustente, não podemos encará-la como um “efeito colateral” acidental. Temos que vê-la como nosso estado normal.

Manter essa convicção diante do sofrimento é uma conquista. Meu Deus, é uma conquista. Uma das características de certos tipos de dor física e emocional é que elas parecem metafísicas. Quando você perde alguém que ama ou uma doença mortal te força a confrontar sua mortalidade, é vivenciado como se seu universo estivesse implodindo — como se a realidade estivesse se voltando contra você.

Nos piores casos, a capacidade de seguir em busca da felicidade se torna impossível. Mas mesmo nesses momentos, diante da tragédia, você pode se apegar à convicção de que este é um universo onde a felicidade é possível – que, mesmo tendo enfrentado tragédias, a vida não é trágica. Rand enfatiza esse ponto em uma das cenas mais poderosas da literatura que já li.

Ela sorriu. Sabia que estava morrendo. Mas isso já não importava. Ela sabia de algo que nenhuma palavra humana poderia dizer e o sabia agora. Tinha-o esperado e sentia-o, como se tivesse sido, como se ela o tivesse vivido. A vida tinha sido, quanto mais não fosse porque ela sabia que podia ser, e ela a sentia agora como um hino sem som, no fundo do pequeno buraco que pingava gotas vermelhas na neve, mais profundo do que aquele de onde as gotas vermelhas vinham. Um momento ou uma eternidade – isso importava? A vida, invicta, existia e podia existir.

Ela sorriu, seu último sorriso, para tantas coisas que tinham sido possíveis.

Um idealista terreno constrói sua vida em torno de valores. Quando ele enfrenta obstáculos, ele trabalha para superá-los, e se não consegue superá-los, o que ele retém é o conhecimento de que este é um mundo onde felicidade, grandiosidade e alegria não são apenas possíveis, mas são o que realmente importa.

Elevando a Alegria

Eu venho pegando no pé do Robert Ringer nas últimas semanas, mas uma frase dele sempre ficou comigo. “Os problemas são uma parte integral e contínua da experiência de viver.” (Million Dollar Habits, 45)

Mesmo nos melhores momentos da minha vida, nunca faltaram problemas. Se você encara a felicidade como um estado de tudo fluindo sem problemas, então está garantido que nunca a experimentará. Na verdade, a felicidade requer alcançar seus valores mais importantes — e mantê-los sempre em foco em seus pensamentos. Você precisa manter seus problemas em perspectiva, elevando a alegria.

  • Você aumenta a alegria quando se concentra no que deseja, não no que teme.
  • Você eleva a alegria ao consumir arte que nutre a alma.
  • Você aumenta a alegria construindo uma vida onde o caminho para seus valores seja um que você ame percorrer.
  • Você aumenta a alegria ao tirar tempo sem culpa para fazer coisas puramente por prazer, não porque são um meio para algum objetivo futuro.
  • Você aumenta a alegria ao apreciar o que há de bom em sua vida, sem esperar pelo dia em que nada será ruim.
  • Você aumenta a alegria ao praticar “A Arte Oculta da Felicidade”.

Mas para elevar a alegria, você deve primeiro alcançá-la. E isso requer uma dedicação total a uma moralidade da felicidade

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