COVID-19 – o caminho adiante

O COVID-19 representa o maior desafio epidemiológico do século. Se as previsões gerais estiverem corretas, esse vírus cobrará um preço enorme em termos de vidas, custos médicos e paralização da vida cotidiana. Gerará caos nos hospitais, pânico nas populações e modificações na vida cotidiana. Os profissionais de saúde não serão apenas infectados, mas também confrontados com decisões lancinantes num ambiente cujos padrões de atendimento possam variar bastante.

Não precisava ser assim.

Por volta de 1997, Donald Henderson – o homem que erradicou a varíola – alertou sobre a ameaça iminente de pandemias, fundando um think tank dedicado à preparação do país para esse cenário. Logo após a virada do século, Antraz, SARS, gripe aviária, H1N1, Ebola e Zika confirmaram seu prognóstico e nos possibilitaram aprender mais sobre ela. Profissionais como eu, relacionados à preparação para pandemias constantemente escreviam, palestravam e conduziam exercícios para preparar o país frente a situações como a atual. Em 2018, escrevi detalhadamente sobre o potencial pandêmico de vírus respiratórios e a necessidade de testes de diagnóstico. No futuro, em retrospectiva à história dessa pandemia, veremos como fez falta uma capacidade adequada de diagnóstico.

Esse conselho não foi seguido à risca e hoje vivemos em um mundo tomado pela inércia, pensamento de curto prazo e ciclos de pânico e negligência. Enquanto isso, relatórios acumulam poeira nas gavetas dos governantes.

O desafio sem precedentes que enfrentamos com o COVID-19 é o resultado previsível de anos de negligência, quando o orçamento em biossegurança era menor que o das bandas militares.

Se tivéssemos tentado projetar um cenário ideal para disseminar essa doença, não teríamos tido tanto sucesso! Conseguimos voluntariamente (i) negar sua importância; (ii) criar critérios restritivos de testes que afirmavam que a COVID-19 era mais uma “gripezinha”; (iii) ignorar a necessidade de testar e isolar quem apresentasse sintomas leves e (iv) delimitar a capacidade dos laboratórios de desenvolver seus próprios testes. É como se tivéssemos convidado “formalmente” o vírus a destruir nosso país.

Agora, por causa dessa inércia permanente, enfrentamos o risco do colapso do sistema de saúde, escassez de materiais como respiradores e, possivelmente, milhares de mortes.

Tomados pelo pânico frente a uma crise por muito tempo ignorada, os representantes do governo consideram impor medidas prolongadas obrigatórias de distanciamento social, cujos efeitos em cascata podem ser piores que o do próprio vírus. Paralização da economia, proibição de viagens, fechamento de fronteiras, desemprego – todos previstos em diversos treinamentos – hoje são realidade.

Os planos de confinamento prolongado e forçado (quarentena ou lockdown), cuja missão é preservar a vida a qualquer custo, ignoram o que significa ser humano e o faz a vida valer a pena. Ao discutir opções de tratamento com um paciente, invoco o conceito de “qualidade de vida”. Normalmente, os pacientes optam por assumir algum risco à sua longevidade, de modo a preservar ou melhorar sua qualidade de vida. As preferências individuais e a tomada de decisão compartilhada com os médicos orientam a tomada de decisão clínica. E essa lógica também se aplica ao grau de distanciamento social apropriado.

Ao longo do tempo, uma qualidade de vida degradada gera seus próprios riscos de morte. Se o bloqueio for muito longo, é provável registrarmos um aumento nas mortes por câncer, doenças cardiovasculares, AVC, doenças mentais e overdoses. Quantos cânceres estão se espalhando enquanto colonoscopias e biópsias consideradas “eletivas” são adiadas?

Só temos qualidade de vida quando podemos participar das atividades que constituem nossas vidas: e a principal delas é o trabalho. A maioria da população precisa trabalhar para se sustentar: e muitas pessoas, como eu, obtêm significado de seu trabalho. É totalmente subjetiva a análise entre empregos/empresas “essenciais” e “não essenciais”: afinal, todo trabalho consiste na criação de algo de que necessitamos para sustentar a vida humana. Algumas necessidades são mais importantes que outras, mas todas contribuem para nossa capacidade de viver, e não só sobreviver. Impedir as pessoas de trabalhar é como privar um membro do fluxo sanguíneo. Embora isso seja às vezes necessário numa emergência, seus danos podem ser irreparáveis se a prática for prolongada. Uma paralização prolongada da economia – mesmo diante de uma pandemia mortal – produzirá um dano no longo prazo muito maior do que qualquer benefício pretendido.

Se a quarentena não é o melhor caminho para combater esta doença, o que é? Até uma vacina ser desenvolvida, recomendo a adoção de cinco medidas:

  1. Distanciamento social voluntário com isolamento: É necessário – e crítico – minimizar o risco de propagação viral dos grupos de alto risco. Cada indivíduo/instituição deve tomar medidas específicas, de acordo com sua hierarquia de valores, para não se tornar um hospedeiro involuntário de um vírus que pode prejudicar a si e aos outros. Lugares como asilos devem ser protegidos, a fim de minimizar a chance de exposição de seus moradores. Quando o distanciamento social é determinado por lei, deve ser curto e permitir a maior flexibilidade possível às pessoas.
  2. Preparação de hospitais: Para atender à demanda esperada de pacientes, deve-se focar na expansão da capacidade hospitalar. Embora seja mais simples falar do que fazer, a pandemia estará conosco por um ano ou mais, logo, é preciso implementar melhorias diárias, semanais e mensais. Dentre as medidas: construção de novos hospitais (inclusive, os de campanha), reabertura de hospitais fechados e criação de locais alternativos de atendimento. O governo federal, em colaboração com parceiros privados, deve aumentar rapidamente a produção de ventiladores mecânicos e equipamentos de proteção individual (EPI) para profissionais de saúde.
  3. Diagnóstico: para alocar recursos médicos escassos e tomar decisões informadas sobre o distanciamento social em diferentes comunidades, precisamos fazer muitos testes de diagnóstico em todo o país. Para tal fim, devemos isentar os testes de todas as aprovações desnecessárias. Se um teste puder ser realizado no ponto de atendimento, deverá ser autorizado. Um exemplo são os testes de diagnóstico doméstico para gripe influenza, que pode fornecer resultados no conforto e segurança do lar. Embora ainda não tenha sido aprovado, pode ser adaptado para o novo coronavírus e disponibilizado rapidamente. Esses testes ajudarão as pessoas infectadas com o vírus a conhecer seu status e a se autoisolar. A realização de testes sorológicos para determinar a extensão da infecção e o nível de imunidade em uma comunidade também é uma atividade prioritária.
  4. Aumento dos profissionais de saúde: a possível escassez de profissionais de saúde pode ser parcialmente aliviada pela expansão imediata do escopo da prática de enfermeiros, anestesistas, assistentes de médicos, paramédicos, farmacêuticos, psicólogos e técnicos de emergência médica. Atualmente, uma colcha de retalhos de regulamentos díspares ocorre nos estados e faz muito tempo que esses profissionais médicos podem praticar em toda a extensão de seu treinamento e capacidade. Também é importante que os estados estendam a reciprocidade da licença de trabalhador de saúde em todas as 50 linhas estaduais.
  5. Direito de tentar: À medida que novas contramedidas médicas são desenvolvidas para o COVID19, é crucial que sejam aprovadas via testes rigorosos de controle para determinar sua eficácia e segurança. No entanto, o direito dos indivíduos de experimentar esses medicamentos ou vacinas, e o direito de os médicos prescrevê-las antes da aprovação total, não devem ser abreviados. O “direito de tentar” deve ser imediatamente expandido para produtos relacionados ao COVID19.

Os próximos dias serão difíceis para todos os americanos e, em especial, para os profissionais de saúde. No entanto, a resposta para esse desafio não é recuar em pânico, mas tomar ações decisivas para combater a pandemia, levando nossas vidas na normalidade. No passado, as doenças infecciosas reivindicavam mais vidas per capita do que as previstas nesta pandemia, mas os humanos raramente respondiam recuando. Enquanto a varíola devastava o planeta e a rubéola aleijava bebês, o homem chegou à Lua.

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Traduzido por Karen Kotz.

Revisado por Matheus Pacini.

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