Como percebo a realidade?

A filosofia objetivista convive com a afirmação categórica de Ayn Rand de que o homem tem a alternativa de pensar ou não pensar.

Para o Objetivismo, existem três axiomas básicos – existência, consciência e identidade – que são autoevidentes a nível perceptual, independendo de prova, portanto.

A existência existe. Uma afirmação simples, porém fundamental para alicerçar todo o resto. Para perceber – estar ciente de – que as coisas existem é necessário consciência. Identidade, por sua vez, é ser alguma coisa. “Existe (existência) alguma coisa (identidade), da qual estou ciente (consciência)[1].”

Chega-se, assim, a um princípio essencial ao Objetivismo, a primazia da existência, cujo oposto é o princípio da primazia da consciência (negado por essa teoria filosófica). Ou seja, a existência é anterior à consciência, pois a consciência é a consciência de um objeto[2].

Para Rand, a existência implica que o metafisicamente dado é absoluto, necessário, e que nenhum fato da realidade pode ser alterado (independentemente da consciência, das crenças e dos sentimentos de alguns – ou de todos). Logo, os fatos da realidade não estão sujeitos à aprovação ou à censura humana. E, para o homem ter sucesso, suas ações devem conformar-se ao metafisicamente dado[3], que é a realidade; afirmação essa que não exclui a capacidade criativa do homem, mas exige que ela se adeque a isso, combinando elementos naturais a fim de alcançar novos arranjos.

Para o Objetivismo, o que pode ser conhecido é a realidade. E o homem deve conformar-se que o que existe, existe. Mas, para que a mente possa manter-se consciente, adquirindo conteúdo conceitual, é necessário reconhecer a validade dos sentidos para o conhecimento humano.

Os fatos da existência, que são independentes da consciência, são a fonte dos sentidos. Por exemplo, uma pessoa que não possui problemas de visão, ao enxergar uma árvore, vê a cor verde; já uma pessoa daltônica, ao enxergar a mesma árvore, a vê com outra tonalidade. No entanto, a primazia da existência segue inabalada: nos dois casos, percebe-se a mesma entidade e o mesmo espectro de luz refletido. Ou imagine uma pessoa diagnosticada com câncer já em estado avançado, cujo tratamento medicamente recomendado é cirúrgico, aliado à quimioterapia, que opta por tentar uma cura pelo uso da fé: aqui, a primazia da consciência teve preferência – preferiu-se acreditar que a doença não avançaria por causa da fé, em vez de aplicar métodos cientificamente comprovados de tratamento.

Por sua vez, os sentidos fornecem a evidência da existência, ou seja, é por eles que reconhecemos que os objetos existem, embora não saibamos que objetos são esses. A razão é responsável por essa identificação, e é apenas nesse nível – o nível conceitual da consciência – que nasce a possibilidade de erro; por isso é que, ao perceber o existente, todas as percepções sensoriais são válidas. Apenas no estágio seguinte é que podemos errar.

Os sentidos não se encontram em um nível conceptual: na verdade, são anteriores a ele (nível perceptual); e é justamente por isso que nos dão evidências do contexto total dos fatos (nesse sentido, para Ayn Rand até uma ilusão sensorial é testemunha a confiabilidade dos sentidos, já que eles não ignoram parte do estímulo, evidenciando tudo que é fisicamente operante). A análise dessas evidências e a descoberta de eventuais causas é tarefa da mente, e não dos sentidos[4].

A apreensão sensorial tem duas etapas: (i) a sensação, que ocorre quando um órgão dos sentidos recebe um estímulo, e (ii) a percepção, mais abrangente que a sensação, que reconhece não apenas os estímulos, mas também as entidades, as coisas.

Em resumo, o Objetivismo sustenta que a base do conhecimento – a porta de entrada para a epistemologia – é a consciência, através de nossos sentidos físicos. Qualquer pessoa cujos sentidos funcionem é capaz de ver, ouvir, cheirar e sentir a realidade. O nível perceptual, inclusive, também está presente nos animais. Já o nível conceitual só pode ser alcançado pelo homem, já que é justamente a faculdade da razão que o distingue das outras criaturas.

O nível sensório-perceptual da consciência ocorre de forma automática. Um bebê começa a perceber o mundo por meio dos sentidos, de forma involuntária. No entanto, à medida que adentra o nível conceitual, suas ações conscientes deixam de ser automáticas. Segundo o Objetivismo, o homem tem liberdade de escolha (livre-arbítrio), o que lhe confere a opção de usar seu mecanismo cognitivo, possibilitando que ponha sua faculdade conceitual para funcionar – ou não[5].

Focar a mente é um esforço contínuo e sempre voluntário de escolha de usar a inteligência, buscar a apreensão total e acionar o mecanismo mental; sem evasão, pois A é A, mesmo que você conteste, combata ou rejeite. 

Ademais, o que você pensa depende exclusivamente de sua escolha: “tendo selecionado uma questão, você deve então decidir (geralmente por etapas) que método vai usar para atacá-la. Você deve decidir as subquestões que você vai formular e os atos cognitivos que você vai formular e os atos cognitivos que você vai realizar a fim de tentar respondê-las. (…) você deve escolher o que fazer com seu poder de concentração (…).”[6]

A primeira escolha do homem, portanto, é a de pensar, a de estar em foco (focar). Depois, ao desenvolver o pensamento, diversas escolhas poderão ser feitas pelos homens; por isso é que, partindo de uma mesma informação, os processos mentais podem ser tão diferentes. Para a filosofia objetivista, cada homem tem a possibilidade de desenvolver a atividade volitiva de pensar; pensando, selecionar as causas que movem suas ações e, assim, agir de acordo com seus valores.

Para pensar, o homem deve orientar sua mente para seus objetivos e se comprometer a apreender totalmente a realidade. Você pode perceber a realidade e achar que, frente a ela, está pensando, mas, em vez disso, estar apenas tentando criar em sua mente uma realidade desejada (inexistente, portanto). Nesse caso, o homem não estará usando a razão, ainda que perceba a realidade, pois está colocando um “eu desejo” acima de um “isso é”, como ensina Ayn Rand.

E essa é apenas uma forma de evasão. Há muitas outras – “Deus quis assim”, “recebi um sinal de que esse era o melhor caminho”, “meu coração falou mais alto”, “há uma pressão social nesse sentido”, “não poderia ter agido diferente”, “o meio em que fui criado me leva a tomar certas decisões”, enfim, há muitas tentações para desviar o foco da realidade. E a evasão é a essência do mal, segundo Rand. Todas esses são exemplos de situações em que é possível que se tenha percebido a realidade, mesmo tendo optado por não pensar, por evadir, por se esquivar. Por isso, é tão importante para o Objetivismo que o homem permaneça orientado para a realidade.

Para pensar, portanto, a mente persegue um longo caminho; há alicerces, há níveis de percepção, há formação de conteúdo mental, há eleição de razões que movem as ações e há, principalmente, a escolha de colocar tudo isso em prática. O pensar não é um ato involuntário tampouco automático. Porém, para a felicidade dos que optam por usar sua mente com consistência e frequência, estar focado se torna cada vez mais normal, ficando difícil abandonar o controle da sua própria mente e da razão, que é o maior meio de sobrevivência do homem.

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Revisado por Matheus Pacini.

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[1]Peikoff, Leonard. Objetivismo: A Filosofia de Ayn Rand (OPAR). Porto Alegre: Ateneu Objetivista, 2000, p. 22

[2]OPAR, p. 33

[3]OPAR, p. 38

[4]OPAR, p. 51

[5]OPAR, p. 64

[6]OPAR, p. 71

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