Como Keynes colocou uma bomba relógio no capitalismo?

Meu objetivo é irritá-lo: não que se irrite comigo (embora eu certamente vá irritar algumas pessoas), mas com o mal criado para combater a inflação e maximizar o emprego. E, é claro, com a forma indiferente como capitalistas, apreciadores do ouro e demais defensores do livre mercado como o encaram.

Então, hoje vou fazer algo que nunca fiz. Eu vou resmungar!

Ao pesquisar vários artigos recentes, reli antigas passagens de Keynes. Considere esses trechos:

“Um instante de reflexão mostrará as enormes mudanças sociais que resultariam do desaparecimento progressivo de uma taxa de rendimento sobre a riqueza acumulada.”

“Em resumo, o rendimento agregado dos bens duráveis durante toda a sua vida cobriria justamente, como no caso dos bens de curta duração, o custo de trabalho necessário para os produzir, mais uma margem correspondente ao risco e ao custo da habilidade e da supervisão.”

“Ora, embora este estado de coisas seja perfeitamente compatível com certo grau de individualismo, ainda assim levaria à eutanásia do rentier e, consequentemente, à eutanásia do poder cumulativo de opressão do capitalista em explorar o valor de escassez do capital.”

Keynes escreveu esses trechos em Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, em 1936. Antes de analisá-los, quero citar novamente o que ele disse 14 anos antes, em As consequências econômicas da paz:

Atribuiu-se a Lênin a declaração de que a melhor maneira de destruir o sistema capitalista é destruindo a moeda. Com um processo contínuo de inflação os governos podem confiscar uma parte importante da riqueza dos seus cidadãos, secreta e furtivamente. Com esse método eles não só confiscam, mas o fazem arbitrariamente; é um processo que empobrece a muitos, mas enriquece uns poucos. Esse deslocamento arbitrário da riqueza fere não só a segurança, mas a confiança na equidade da distribuição da renda. Aqueles a quem o sistema traz vantagens além do que merecem, e mesmo do que esperam ou desejam, passam a ser “aproveitadores”- objeto de ódio da burguesia, que a inflação empobreceu, não menos do que o proletariado. À medida que a inflação se desenvolve, e o valor da moeda flutua de mês a mês, as relações permanentes entre credores e devedores, fundamento do capitalismo, se desorganizam até quase perderem o sentido. E o processo de aquisição de valor degenera em uma loteria de azar. Não há dúvida de que Lênin tinha razão. Não há meio mais seguro e mais sutil de subverter a base da sociedade do que corromper a sua moeda – processo que empenha todas as forças ocultas da economia na sua destruição, e modo tal que só uma pessoa em cada milhão consegue diagnosticar.

O processo fatal que a mente sutil de Lênin conscientemente concebeu.

Em 1922, Keynes descreve claramente como destruir o capitalismo. Na época, ele verbalizou a estratégia utilizando as palavras de Lênin (não há provas de que Lênin realmente disse isso). O que fica claro, todavia, é que ele sabia do que estava falando: muito mais que seus críticos posteriores.

Em 1936, escreve sobre as “grandes mudanças sociais” e o “queda progressiva da taxa de retorno sobre a riqueza acumulada”. Ele não se esconde mais atrás do papai Lênin.

A que mudanças sociais ele se referia? Seria “destruir o sistema capitalista”? E que diabos significa a “queda progressiva da taxa de retorno sobre a riqueza acumulada”? Significa reduzir a taxa de juros a zero.

Keynes sabia que o preço dos ativos é o inverso da taxa de retorno. Entendia que [se a taxa de juros fosse zero], os preços dos ativos decolariam! E observa que isso “empenha todas as forças ocultas da economia na sua destruição, e modo tal que só uma pessoa em cada milhão consegue diagnosticar.”

“A visão desse rearranjo arbitrário de riquezas atinge não apenas a segurança, mas a confiança na equidade da distribuição de riqueza existente”. Hoje, tal fenômeno é chamado de problema da desigualdade, que os capitalistas e outrora defensores do livre mercado defendem. Pensa que a disparidade entre donos de ativos e assalariados é uma característica do livre mercado! Keynes estava muito à frente.

Voltando a Keynes, ele disse, “as relações permanentes entre credores e devedores, fundamento do capitalismo, se desorganizam até quase perderem o sentido. E o processo de aquisição de valor degenera em uma loteria de azar.”

“Uma loteria de azar”. Como assim? Como especulações em ações, ICOs (lançamento de novas criptomoedas), metais preciosos, mercado imobiliário, etc?

Ele foi claro em seu plano de destruição: não precisamos de equações diferenciais e linguagem ofuscada.

Keynes é o Ellsworth Toohey da Economia. Toohey, o vilão de A nascente, foi retratado como muito inteligente – e maligno. Usava sua inteligência para enrolar as pessoas, convencendo-as a fazer o que ele queria. Keynes fez o mesmo, só que numa escala muito maior.

Ele nos deu a receita para “subverter a base da sociedade”. Você só precisa de “um processo contínuo de inflação os governos podem confiscar uma parte importante da riqueza de seus cidadãos, secreta e furtivamente”. Isso “traz vantagens além do que merecem, e mesmo do que esperam ou desejam, passam a ser ‘aproveitadores’ – objeto de ódio da burguesia, que a inflação empobreceu, não menos que o proletariado”. Finalmente, esse processo “empenha todas as forças ocultas da economia na sua destruição, e modo tal que só uma pessoa em cada milhão consegue diagnosticar”.

O único salto que faço parece ser de “inflação” para “eutanásia do rentista”. Hoje em dia, as pessoas pensam em inflação apenas em um de seus efeitos: o aumento de preços. Essa é a falácia da abstração congelada, que Ayn Rand define como “substituir um concreto particular pela classe mais abstrato ao qual ele pertence”.

Observe qual é a primeira coisa que Keynes afirma sobre o processo de inflação: “os governos podem confiscar uma parte importante da riqueza dos seus cidadãos, secreta e furtivamente”.

O aumento dos preços das commodities é uma consequência possível. Mas o aumento dos preços dos ativos é outra, e se encaixa na receita de Keynes. Observe que sua discussão sobre “enormes mudanças sociais” e “o poder opressivo dos capitalistas de explorar” não diz respeito ao aumento dos preços das commodities, mas sim à redução das taxas de juros.

Keynes percebe a ligação entre (1) confiscar a riqueza das pessoas, (2) empobrecê-las [de modo geral], (3) porém enriquecer algumas [arbitrariamente], (4) o que significa que alguns preços sobem, dando lucros para quem os compram, (5) e o processo de aquisição de riqueza degenera numa loteria de azar, (6) forçando as taxas de juros à zero, (7) catapultando os preços dos ativos, (8) levando ao ressentimento contra os ricos pelos membros de sua própria classe, (9) minando as relações entre devedores e credores. Logo, (10) a melhor forma de destruir o sistema capitalista (11) sem que nem um homem em um milhão seja capaz de diagnosticar.

Diabólico e hediondo. Esse destruidor não era apenas malévolo, mas esperto para arquitetar esse esquema maligno, além de persuasivo o bastante para conduzir o mundo inteiro para a destruição.

Permitam-me ser claro: esse é o caminho para destruir a própria civilização.

Esse é o problema que enfrentamos hoje. Pelo menos, aqueles que o reconhecem. No entanto, citei três grupos que não o reconhecem. Eles constituem os 999.999 que Keynes afirmou serem incapazes de diagnosticá-lo: os capitalistas, os amantes do ouro e os outros defensores do livre mercado.

Quem pode parar o plano de destruição de Keynes?

Capitalistas, amantes do ouro e economistas de livre mercado podem, algum dia, reformar nosso sistema monetário. Hoje, não.

Anteriormente, reclamei sobre o problema de nosso sistema monetário e sua trajetória: a queda das taxas de juros é o plano maligno de Keynes para destruir a civilização. Agora, sigo com o tema – embora num tom mais comedido – tratando das ideias predominantes entre os grupos com mais chances de combater o plano destruidor de Keynes. São eles: os capitalistas, os amantes do ouro e os outros defensores do livre mercado. Não escrevo aqui para atacar ninguém em particular, nem mesmo vejo como um ataque. Minha ideia é que, para resolver um problema, é preciso entender a natureza do mesmo.

Destaco esses grupos porque, se algum dia surgir um movimento para reformar nosso sistema monetário, será produto de um desses grupos ou, idealmente, de uma aliança entre eles. Hoje, isso não é realista. Entendamos o porquê.

Os capitalistas

Em primeiro lugar, os capitalistas. Por capitalista, não me refiro àqueles que defendem um sistema laissez faire desregulado, irrestrito e fora de controle em que toda pessoa é livre para produzir e negociar. Refiro-me aqui àqueles que ganham dinheiro, que gostam de ganhar dinheiro, e que defendem a prática de ganhar dinheiro. Esse grupo é representado por Wall Street, o 1%, ou os gatos gordos.

Nunca me esqueço de uma sessão de perguntas e respostas com Dick Fisher, ex-presidente do Federal Reserve de Dallas. Alguém o questionou sobre o efeito riqueza (o termo que os economistas usam para descrever o aumento de gastos e, portanto, do PIB, quando os preços dos ativos sobrem). Ele disse expansivamente: “Bem, permitam-me dizer que os ricos foram… muito afetados!” A sala, cheia de representantes do 1%, aplaudiu sua declaração.

Muitos representes de Wall Street “criticam” o FED, porém querem a mesma coisa: que os preços dos ativos subam, de modo que possam se alavancar com segurança, especular bastante e maximizar seus lucros.

Com prazer, usariam – e, assim, apoiariam – quaisquer medidas que simulem uma economia saudável. Porque uma economia saudável justifica o aumento dos preços nos ativos. Por exemplo, a elevação do PIB favorece o valor de ações e imóveis, não?

Precisamos dizer: se você quebra uma janela, ou o governo pega emprestado para financiar projetos assistencialistas, o PIB cresce! Não é uma recomendação para quebrar janelas ou propor projetos assistencialistas. É uma condenação do PIB como medida de crescimento econômico.

Infelizmente, os capitalistas não são receptivos a esse argumento (ou à discussão do plano maligno de Keynes). Upton Sinclaire explica a razão:

“É difícil fazer um homem entender um assunto quando seu salário depende de não o entender!”

Além disso, um ponto importante: ninguém gosta de ouvir que sua carreira se baseia no lucro em um regime ilegítimo. É muito mais fácil negar a ilegitimidade (ou seja, argumentar que é legítimo) do que confrontar essa verdade incômoda.

Os amantes do ouro

Prossigamos para os amantes do ouro. Eles estão entre os poucos que veem a raiz do problema? Ou veem os capitalistas enriquecendo e querem o mesmo para si? Veem ações, títulos e imóveis subindo, e o lucro dos capitalistas, só querendo que seu ativo preferido, o ouro, também suba. Confundem o padrão-ouro com a especulação e valorização do ouro.

Enquanto os capitalistas se prendem às falsas métricas coletivistas como o PIB, os amantes do ouro adotam teorias da conspiração como as seguintes: i) a Líbia implantará um padrão-ouro na África, ii) a China está prestes a lastrear o Yuan ao ouro, iii) o mundo está rejeitando o dólar como reserva de valor ou iv) o FMI imporá uma nova moeda global parcialmente lastreada em ouro.

Os capitalistas promovem o PIB porque acreditam que isso maximizará o preço dos ativos. Os amantes do ouro promovem teorias da conspiração porque acreditam que isso maximizará o preço do ouro.

Concluirei esta seção com uma manchete (se me lembro bem), a qual circulou um ou dois anos atrás: “A guerra nuclear na Coreia será boa para o ouro”. Quem negocia com essas opiniões não quer reformar o sistema monetário (nem teme os horrores da guerra!). Eles só querem enriquecer – ganhar mais dos mesmos dólares que dizem a você que não valerão nada amanhã.

Os outros defensores do livre mercado

Por último, vejamos os outros defensores do livre comércio. Uso esse termo para pessoas que defendem o livre mercado – exceto em moeda e crédito. Milton Friedman era o arquétipo. Aqui está Friedman em “o argumento em prol das taxas de câmbio flexíveis”:

“O argumento em prol de uma taxa de câmbio flexível é, estranhamente, quase idêntico ao argumento em prol do horário de verão. Não é absurdo mudar o horário no verão, quando exatamente o mesmo resultado poderia ser atingindo fazendo com que cada indivíduo mudasse seus hábitos? Só é preciso que todos decidam ir trabalhar uma hora antes, almoçar uma hora antes, etc. Mas obviamente é muito mais simples mudar o horário que fazer com que cada indivíduo altere separadamente seus hábitos. É muito mais simples permitir que um preço mude, ou seja, o câmbio da moeda estrangeira, do que depender de mudanças numa multidão de preços que formam a estrutura interna de preços.”

Isso ocorreu algumas páginas após ele declarar que “os salários costumam ser os preços menos flexíveis”. Então, o homem amplamente creditado por defender que as pessoas sejam “livres para escolher” argumenta, essencialmente, que é melhor para o “Ministério do Tempo” mudar o horário do público que deixar as pessoas livres para escolher em que horário ir trabalhar.

Ele, e seus atuais sucessores ideológicos, podem se posicionar a favor da eliminação de tarifas, salários mínimos menores e abolição do controle de aluguéis, mas quando o assunto é moeda e crédito, têm um enorme ponto cego: o livre mercado.

Acreditam que um sistema bancário livre pode ser construído sob a base de moeda fiduciária e banco central (como disse um economista conhecido para uma plateia da qual eu fazia parte). O único debate real entre os economistas de livre mercado é se o banco central deve adotar uma taxa fixa de aumento da oferta de dólares (o que Friedman chama de regra de K%), se deveria ter uma política de estabilidade de preços (uma frase orwelliana que significa aumentos crônico de 2% nos preços), se deveria manter sua atual gestão de preços e desemprego, se deveria seguir alguma fórmula mais complexa como a Regra de Taylor, ou se deveria seguir uma alternativa mais simples como manter uma taxa fixa de crescimento do PIB.

Por que sustentam essa suposição – que o dinheiro depende do governo, ao contrário de alimentos, roupas, remédios e iPhones, que obviamente não dependem? O problema não é que não existam teorias monetárias que argumentam que a moeda não é um produto do Estado.

Essa suposição deriva, em parte, de uma fé inabalável no chamado ciclo de negócios. Essa visão sustenta que o livre mercado está sujeito a expansões seguidas de quedas. Nessa visão, em um mercado livre de toda interferência governamental (que é normalmente, mas não exclusivamente, monetária – e a interferência monetária é comumente, mas não exclusivamente, de um banco central) tem uma tendência intrínseca a excessos de crescimento e contração.

Planejamento central para corrigir o ciclo de expansão e contração

Essa visão, de que o capitalismo tem ciclos intrínsecos, foi promovida pelo economista leninista Nikolai Kondratiev. Quando Lênin morreu e Stalin assumiu, Kondratiev estava em apuros. Embora marxista, sua visão sobre os ciclos era heterodoxa. Um verdadeiro comunista stalinista acredita que o capitalismo irá colapsar, e não se recuperar ciclo após ciclo. Kondratiev foi enviado para o gulag e lá foi assassinado.

Essa mesma visão é promovida hoje pelos outrora defensores do livre mercado. A ideia de ciclos não significa necessariamente que um planejador central deve suavizar esses ciclos. No entanto, é uma justificativa importante e costuma levar a maioria dos adeptos a essa visão. Se os ciclos se produzem no livre mercado, então, o planejador central pode abrandá-los de alguma forma?

É por isso que eles criaram o Federal Reserve em 1913. E é por essa mesma razão que o FED e suas interferências são justificados até hoje.

A maioria dos defensores do livre mercado é contra o ouro. Sentem (assim como os socialistas descarados e planejadores centrais) que o ouro se opõe ao planejamento central. Como Alan Greenspan escreveu em 1966, “o ouro e a liberdade econômica são inseparáveis, o padrão-ouro é um instrumento de laissez faire e um implica e exige o outro”.

No entanto, tratemos de um grupo que promove uma síntese de planejamento central e ouro. Seu erro econômico básico é confundir resgate com compra. Na época do padrão-ouro, alguém depositava o valor de um dólar em ouro e podia resgatar o valor de um dólar em ouro. Esse não era um preço. Era apenas o padrão para moedas e depósitos bancários. É semelhante a um padrão de internet que diz que um determinado tipo de pacote deve ter 512 bytes. Não está ditando o comprimento de uma mensagem, apenas que mensagens mais longas devem ser divididas (para o uso eficiente dos roteadores).

Mas esse grupo pretende que o FED imponha não uma taxa constante de inflação (nem crie uma taxa constante de crescimento), mas que (o FED) imponha um preço constante ao ouro. Como todos os esquemas de fixação de preços, falhará quando o mercado se revoltar contra ele.

Os outros adeptos do livre mercado não abordam nenhuma das alegações que fiz contra o regime de moeda irredimível. Já escrevi dezenas de milhares de palavras argumentando que a dívida necessariamente cresce exponencialmente. E dezenas de milhares mais com a taxa de juros desequilibrada, que subiu implacavelmente até 1981 e vem caindo desde então. A queda da taxa de juros causa muitos males e é a personificação do plano brilhantemente maligno de Keynes para destruir a ordem capitalista, sacrificar o rentista (ou seja, poupadores e investidores) e induzir os capitalistas a apoiá-lo porque o processo os faz sentir-se cada vez mais ricos, enquanto consomem seu capital em uma orgia sem fim de preços de ativos sobrevalorizados.

Se ninguém fizer nada, chegaremos ao longo prazo de Keynes. É quando, ele afirma, “estaremos todos mortos”.

__________________________________________

Publicado originalmente em Monetary Metals.

Revisado por Matheus Pacini.

Curta a nossa página no Facebook.

Inscreva-se em nosso canal no YouTube.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Inscreva-se na nossa Newsletter