Após meu pai tirar a sua vida em 2009, tentei barganhar com as circunstâncias. O que eu poderia ter feito? O que eu não deveria ter feito? Para um garoto de 11 anos encarando a morte pela primeira vez, tão violenta e intimidadora, sofri uma grande crise emocional. Minhas faculdades mentais congelaram frente a essas questões sem resposta: se apenas eu tivesse percebido na época que não era eu que tinha de responde-las, mas ele.
Fiquei frustrado recentemente enquanto assistia ao documentário da BBC Horizon, chamado Stopping Male Suicide (Acabando com o suicídio entre homens). Em certos momentos, o Dr. Xang Van Tulleken apresentou a questão ao ressaltar a necessidade de identificar as causas centrais dos pensamentos suicidas, inserindo sua reflexão profissional sobre o tema. Todavia, ele ocasionalmente encobriu a questão com eufemismos, algo normal quando alguém deseja parecer sensível. Tal postura gera mais danos que benefícios.
Normalmente, esses eufemismos aparecem quando se tenta abordar o suicídio como uma entidade consciente – um assaltante independente de, e agindo sobre o homem. Considere o exemplo dado por Van Tulleken no início do documentário: “o suicídio mata mais homens abaixo dos 50 do que qualquer outra coisa”. Considere quantas vezes você já ouviu a expressão “morte por suicídio” ou “batalha contra a depressão”. Elas são exemplos reais do fracasso em identificar o suicídio em seus aspectos essenciais; que é uma escolha individual, derivada de seu estado psicológico em resposta à sua própria integração da realidade. É crucial reconhecer a ação/agência de uma pessoa nessa situação, de modo a não absolvê-las de qualquer responsabilidade; um reconhecimento que poderia, em última instância, levá-las a salvar suas próprias vidas.
O mesmo se aplica quando pessoas que se suicidam são enquadradas como vítimas. Vítimas, talvez, de suas circunstâncias externas, sim – mas ir além disso significa ignorar a escolha última que alguém tem, e a agência de que fez uso enquanto decidiu viver. A vida é um valor que supera qualquer tipo de dívida, qualquer rompimento de relação ou qualquer tipo de crise: seja o que for, a vida de um indivíduo é fisicamente inalienável a menos que tomada/retirada por terceiros.
É com essa perspectiva que comecei a fazer as pazes com a decisão de meu pai, quase uma década após o fato. Era missão dele descobrir os seus valores, e não minha. Era missão dele pensar crítica e racionalmente sobre suas circunstâncias, e não minha. Ele certamente tinha a capacidade de salvar a sua própria vida – porque foi sua a decisão de tirá-la.
Uma pessoa suicida é certamente mais complicada do que alguém em estado mental saudável. Existem, infelizmente, mais delas do que se imagina (dada a evidência apresentada no documentário). Cerca de 56% dos 15.000 homens entrevistados na pesquisa Men´s Health tinham experimentado pensamentos suicidas de alguma forma, incluindo, portanto, qualquer tipo de pessoa, das que tem um sério desejo de tirar a sua própria vida, àquelas que só experimentaram o que alguns chamam de “fantasias”.
Frente a esses dados lamentáveis, não se pode dizer que meu pai poderia ter se salvado com facilidade; o caos mental que é a depressão não é um estado mental que pode ser superado rapidamente. Ele requer introspecção apropriada, reconhecimento da agência e um esforço para colocar a importância de sua vida em contexto, isto é, que não existe nada mais importante do que a sua própria vida.
Essa abordagem é apresentada com ressalvas quando o suicídio é descrito como um golpe de uma força exterior ou algum tipo de acidente ontológico. Seria muito mais fácil aceitar que nada está sob meu controle, afinal, que nada nunca foi minha responsabilidade, que minha vida é o que quer que a depressão deseja que seja, independentemente de meu desejo de vivê-la.
O suicídio é uma das formas mais tristes de morrer; nascido do niilismo em oposição ao acaso ou acidente. O controle exercido por uma pessoa suicida é um dos aspectos inerentemente terríveis do autoassassinato, tornando-o um problema de difícil compreensão – em particular, para os membros das famílias que terão de lidar com o fato.
Minha frustração com respeito à morte de meu pai nunca se manifestou como raiva, apenas tristeza. Eu não o “culpo” por nada: o efeito de seu suicídio sobre mim ou outrem não é uma preocupação primária. Por que deveria ser? A vida era dele para viver ou destruir e, infelizmente, ele escolheu a segunda opção.
O cerne de minha tristeza deriva dos pensamentos de potencial perdido, pois se ele tivesse tido a capacidade de introspecção, de modo a compreender o valor de sua própria vida, provavelmente, teria tomado um caminho diferente. Teria sido necessário tempo, esforço e apoio, mas não tenho dúvida de que, se ele tivesse entendido que era mais importante que seus problemas, ele ainda estaria aqui comigo hoje.
O debate sobre o problema crescente do suicídio entre jovens precisa ser reformulado, incluindo em termos explícitos os fatos reais da questão: que homens jovens estão ceifando suas vidas. Se as causas forem terceirizadas ao universo, a terceiros ou a circunstâncias externas, as desculpas já estão ditas, e o caminho para o suicídio está aberto.
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Publicado originalmente em The Galtline.
Traduzido por Matheus Pacini.
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