Coisas grátis, pessoas sem liberdade

Enquanto os políticos afirmam, de maneira hipócrita, que coisas como comida, moradia, saúde, emprego, creches, segurança, transporte, educação e até mesmo ensino superior deveriam ser “gratuitos” ou subsidiados com dinheiro público, não vejo ninguém se questionando sobre a validade disso. Essas afirmações devem ser aceitas sem questionamentos? Com base na intuição? Não me parece nem um pouco científico. Não deveriam ser submetidas a uma comprovação lógica, baseada em evidências?

Geralmente, gratuidades (coisas grátis) recebem elogios condicionais: “parece bom, sem dúvida, mas deve ser caro demais”. Eu diria que os políticos gostam desse tipo de elogio, pois se sentem motivados a oferecer ainda mais coisas grátis. Referente aos custos, também diria que gostam da ideia de que os outros trabalharão na parte contábil, buscando o financiamento necessário, mesmo porque já foi demonstrado que governos democráticos podem, quase que de forma ilimitada, tributar, tomar emprestado, imprimir moeda, regulamentar gastos privados ou até nacionalizar indústrias. Essas medidas prejudicam a prosperidade? Sim, mas isso não é problema deles.

Por que “coisas grátis” soa como algo bom para as pessoas? Não parece algo bom para mim. Por que não? Porque parece cruel. Por quê? Porque é algo que fere a liberdade, logo, é fundamentalmente desumano. Espero não ser o único a reconhecer que gratuidades não são presentes da natureza ou maná do céu, mas sim coisas produzidas por seres humanos de carne e osso que dedicam suas mentes e corpos a alguma atividade produtiva. Quem é o dono dos produtos e serviços dessas mentes e corpos? Quem deve determinar como e quais produtos deveriam ser criados, trocados, investidos, consumidos ou herdados? Aliás, quem é o dono dessas mentes e corpos?

Um ditado muito popular – e excelente – é “meu corpo, minhas regras”. Que tal, também, “minha mente, minhas regras”? “Meu emprego, minhas regras”? “Meu dinheiro, minhas regras”? Por que não promover liberdade de escolha e ação em todos esses aspectos de nossas vidas em vez de promove-la só num ou noutro aspecto?

Afirmar que saúde é um “direito humano básico” e que, portanto, deveria ser “gratuita” é o mesmo que afirmar que quem consome serviços de saúde tem o “direito” de obrigar fornecedores a provê-los. Não é lógico pensar que isso viola os direitos e a liberdade dos fornecedores? Como que, moral ou logicamente, alguém pode afirmar possuir o “direito de violar direitos”? Médicos, enfermeiros, hospitais, farmácias e fabricantes de instrumentos médicos não têm direitos? O princípio não muda se esses forem financiados por recursos retirados à força dos outros; ele não se torna válido caso quem defende tal aberração tenha sido eleito por maioria democrática. Não parece haver nada de “justo” em uma sociedade onde terceiros pagam por coisas que não usufruem para que outros possam obtê-las em troca de nada. No entanto, essa política é considerada “socialmente justa”.

Da mesma forma, dizer que o ensino superior é um “direito humano básico” e que, portanto, deveria ser “gratuito” é o mesmo que afirmar que universitários têm o “direito” de obrigar as universidades a fornecê-lo. Isso não viola os direitos dos professores e administradores universitários? Eles não devem ser pagos pelo valor que fornecem? Qual característica de sua função os enquadra na servidão profissional, ou pior, na dependência desprezível da boa vontade dos funcionários do Estado? Novamente, a falta de lógica do “direito de violar direitos” não é alterada, fazendo com que terceiros paguem a conta.

Imagine que o algodão se torne também um “direito humano básico” e que deva ser provido “gratuitamente”. Produtores de algodão serão privados de sua liberdade e dos frutos de seu trabalho. Essa era uma crença implícita nos donos de escravos de plantações no sul dos EUA no século 19. Por sinal, é uma crença absurda.

Em um sistema capitalista livre com governo institucional, a lei deve ser igual para todos, sem discriminação; não há justificativa para privilegiar um grupo em detrimento de outro, incluindo consumidores sobre produtores (ou vice-versa). Todo indivíduo (ou associação) deve ser livre para escolher e agir, sem recorrer à extorsão, ao roubo ou à fraude. A abordagem de gratuidades em campanhas políticas e a criação de políticas conduz descaradamente à extorsão e, ao expandir o tamanho, a esfera de ação e o poder do governo, também institucionaliza o roubo.

Na medida em que os políticos contemplam (e efetuam) políticas que nos afastam do capitalismo e nos aproximam do socialismo, talvez não surpreenda a profusão de promessas generalizadas e descaradas de coisas grátis. Não se esqueça de que socialismo significa propriedade pública (estatal) dos meios de produção – meios que incluem terra, trabalho e capital. A propriedade estatal e o controle do trabalho e de seus frutos não estão muito longe da propriedade dos trabalhadores em si – ou seja, das pessoas. A posse de humanos por outros seres humanos é mais que “antiliberal” ou desumana: é a própria definição de escravidão. O caso socialista é sustentado por seu princípio de distribuição (de Karl Marx, em Crítica ao Programa de Gotha, 1875), onde as pessoas no coletivo devem contribuir para um montante de recursos “de acordo com sua capacidade” enquanto tiram seu sustento desse mesmo montante “de acordo com sua necessidade”, uma fórmula moralmente duvidosa e economicamente insustentável que destrói a produtividade enquanto gera cada vez mais pobreza, carência e vitimização, tanto reais quanto imaginárias.

Nos anos 40, o professor de finanças públicas em Princeton, Harley Lutz, escreveu que “não existe almoço grátis”, um jargão frequentemente utilizado por economistas de livre mercado. Isso cativa o senso comum da questão, mas não exatamente a moralidade envolvida. Sim, almoços devem ser produzidos antes de serem consumidos ou distribuídos – o que confirma a Lei dos Mercados de Say, ao contrário de Keynes – mas quem deve decidir as questões do consumo e da distribuição?

De acordo com J. B. Say, o produtor é, por direito, quem decide o que deve ser feito com seu produto (Tratado de economia política, 1803); J.S. Mill, em contraste, disse que, enquanto as leis de produção são científicas e econômicas, as de distribuição e consumo são políticas e arbitrárias (Princípios da economia política, 1848). Segundo Mill, produtores devem produzir, porém calar quanto ao que deve ser feito com seu produto. Marx concordava. Não causa espanto, então, que Say tenha continuado capitalista por toda a sua vida, enquanto Mill optou pelo socialismo.

Líderes políticos deveriam respeitar a proeza da produtividade e os direitos dos produtores. Assim como quem deseja almoçar deve ser livre para pagar pelo seu almoço, também os fornecedores desse serviço devem ser livres para produzir e trocar como quiserem, até mesmo oferecendo almoços como forma de caridade ou filantropia. Apesar disso, diversos líderes políticos hoje flertam com a mentalidade parasita, ou seja, a de “ganhar algo sem fazer nada”. É antiliberal, indigno de uma sociedade constitucional desenvolvida.

É possível, claro, que os que prometem gratuidades tenham se enganado, ou por serem míopes ou por não entenderem o básico de economia. Se esse é o caso, recomendo Economia numa única lição (1946) de Henry Hazlitt, que deixou clara “a diferença entre a boa e a má economia”: “O mau economista vê somente o que está diante de seus olhos; o bom economista analisa também ao seu redor. O mau vê somente as consequências diretas do programa proposto; o bom prevê as consequências indiretas e mais distantes. O mau economista vê somente quais foram ou serão os efeitos de determinada política sobre determinado grupo; o bom investiga, além disso, quais os efeitos dela sobre todos os grupos.”

O problema vai muito além de economia, já que os políticos, enquanto suprem os que passam necessidade, acreditam de maneira errônea que possuem um elevado nível moral; na verdade, eles alimentam outros com mantimentos que não produziram e o pior dos custos que nos geram é a perda da liberdade.

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Publicado originalmente em AEIR.

Traduzido por Gabriel Poersch.

Revisado por Matheus Pacini.

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