Nota: Esta é uma versão expandida do artigo “O que é Capitalismo?” que submeti para o concurso do Ayn Rand Institute.
Desde o Iluminismo, houve diversas tentativas de justificar o capitalismo – ou uma economia mista quase capitalista – com base no fato de que seria a melhor forma de atingir “o bem comum” ou “o bem público”. Por exemplo, Adam Smith escreveu que “Ao perseguir seus próprios interesses, o indivíduo muitas vezes promove o interesse da sociedade muito mais eficazmente do que quando tenciona realmente promovê-lo. Nunca ouvi dizer que tenham realizado grandes coisas para o país aqueles que simulam exercer o comércio visando ao bem público.” Assim, ele deu a entender que o bem público é um conceito válido a ser considerado.[1] Segundo a Internet Encyclopedia of Philosophy, Jeremy Bentham pensava que “[Direitos] devem ser defendidos por conduzirem à ‘felicidade geral da população’. Pela mesma lógica, deveriam ser aboli-los se fosse ‘vantajoso’ para a sociedade.”
Mais comum entre os conservadores modernos e a esquerda moderada é a afirmação de que o quase capitalismo regulamentado é “prático”. Ela é geralmente feita sem responder à pergunta: prático para quem e com que fim? A resposta implícita parece ser: para todos, e para qualquer fim. Portanto, essa ideia de praticidade parece ser justificada por um apelo implícito ao “bem comum”.
No entanto, Ayn Rand justificou o capitalismo puro e laissez-faire em bases diferentes. Ela rejeitou o “bem comum” como uma noção coletivista inválida e, em vez disso, defendeu que o capitalismo se baseia no princípio dos direitos individuais. Por sua vez, este se baseia na moralidade do egoísmo racional, que repousa sobre a natureza do homem. Assim, a justificação do capitalismo como sistema governamental adequado para o homem inicia com a natureza do homem como organismo vivo.
Todos os organismos vivos devem sustentar suas próprias vidas através de suas próprias ações. Seja planta ou animal, micróbio ou homem. É essa ação autossustentável e autogerada de viver que dá origem aos valores. Valores são coisas que os organismos vivos buscam para se manterem vivos. É só em referência à manutenção da vida de um organismo, que algo pode ser avaliado/valorado.
Assim, é apenas em referência à manutenção da vida do homem que um sistema governamental pode, em última análise, ser avaliado. Mas para avaliar a eficácia de qualquer sistema governamental na promoção da vida humana, precisamos conhecer os meios fundamentais pelos quais o homem sobrevive.
As plantas sobrevivem por meios físicos brutos: absorvem automaticamente a luz do sol, desenvolvem folhas espessas para afastar parasitas, produzem toxinas para envenenar o solo para outras plantas. Sobrevivem sem consciência, adaptando-se ao seu ambiente imediato.
Os animais sobrevivem usando sua consciência para guiar suas ações. Acham plantas para pastar, outros animais para devorar e bons lugares para dormir. Os animais não humanos precisam de sua consciência para sobreviver, mas também dependem fortemente de suas adaptações físicas ao ambiente, como garras ou gordura. Podem sobreviver como criaturas solitárias, como os tigres, ou podem sobreviver em comunidade, como as abelhas. Mas seja qual for o arranjo, devem buscar ativamente valores para se manterem vivos e saudáveis.
O homem também deve usar sua consciência para buscar valores que sustentem sua vida. Mas ele tem uma distinção fundamental entre os animais: sua mente opera conceitual, e não automaticamente. Não tem instintos que o guiam ao longo de sua vida. Não age automaticamente pela emoção do momento, mas pode escolher pensar conceitualmente. Não pode sobreviver simplesmente adaptando-se ao seu ambiente, mas deve adaptar seu ambiente a si mesmo. Não tem a destreza física dos outros animais, mas pode usar sua mente para produzir ferramentas, abrigo, roupas, para cultivar alimentos e domesticar animais.
A mente do homem – seu processo de pensamento/raciocínio – é seu meio básico de sobrevivência, e é individual. As pessoas não podem compartilhar conhecimento telepaticamente. A aprendizagem requer pensamento independente por parte do aluno. Nem as pessoas podem ser levadas a acreditar verdadeiramente em conclusões por meio da força física.
Portanto, a unidade fundamental da vida humana é o indivíduo. Se os seres humanos querem viver, em vez de morrer – florescer, em vez de estagnar – precisam escolher usar suas próprias mentes para sustentar suas próprias vidas.
Esta é a base da moralidade: uma vez que se escolheu viver e florescer, em vez de sofrer e morrer, quais são os valores universais fundamentais que devemos perseguir como seres humanos?
Já que meu foco aqui é a defesa de um sistema político, não entrarei em detalhe sobre o que a moralidade exige. Mas a atividade moral fundamental é a busca pela sua própria vida e felicidade, por meio de ações baseadas no pensamento racional.
Para agir de acordo com seu pensamento racional – seus julgamentos independentes sobre a realidade – os homens precisam ser livres da iniciação da coerção física de outros. Entre as ações humanas escolhidas, é apenas a força física que pode parar, paralisar ou anular o pensamento de um indivíduo. O pensamento (e a vida) de um homem é interrompido se ele for morto; seu pensamento é interrompido se o seu cérebro for esmagado por um porrete; seu pensamento é paralisado se o governo proibir que suas ideias sejam demonstradas; seu pensamento é anulado na medida em que você é impedido de agir segundo seu próprio julgamento.
O princípio requerido para implementar objetivamente o princípio da não iniciação da força em um contexto social é o princípio dos direitos individuais. Um direito é, nas palavras de Ayn Rand, “um princípio moral que define e sanciona a liberdade de ação de um homem em um contexto social”. São os direitos à vida, liberdade e propriedade que, quando aplicados, permitem ao homem ser moral e prosperar em uma sociedade. Isso ocorre porque a aplicação desses direitos protege a liberdade de julgamento e ação do homem na busca de sua própria vida e felicidade. A proteção dos direitos garante ao homem o livre uso dos meios fundamentais de sobrevivência e felicidade: sua mente, corpo e propriedade. É com base nos direitos individuais, e não no “bem comum”, que Ayn Rand defendeu o capitalismo (laissez-faire).
Direitos, como garantias de liberdade de ação, não incluem os chamados “direitos” à alimentação, vestimenta, moradia ou assistência médica. Não se pode ter direito a coisas que são produto do esforço dos outros, visto que tal “direito” seria uma reivindicação coercitiva sobre o que os outros produziram. A tentativa de fazer valer os direitos aos produtos de terceiros é uma violação de sua liberdade de ação; isto é, de seus direitos à liberdade e propriedade.
No capitalismo, o governo tem apenas três funções básicas: polícia (segurança interna), exército (segurança externa) e os tribunais (justiça). Só deve impor leis para proteger os direitos individuais. Não fornece bolsa-família, seguro saúde, aposentadoria ou subsídios. Não regula a atividade empresarial (além de proteger direitos, condenar fraudes e fazer cumprir contratos). Não regula taxas de juros, impõe uma moeda oficial, regula alugueis, impõe padrões alimentares, aprova medicamentos ou serviços médicos.
O capitalismo é um sistema projetado para permitir que aqueles que produzem riqueza beneficiem-se de sua própria produção. Eles são tão livres para tal como se estivessem numa ilha deserta. O capitalismo não foi projetado para permitir que algumas pessoas obriguem outras a pagar por seus desejos. O capitalismo, assim como uma ilha deserta, não é bom para pessoas que se propõem a enganar as outras, em vez de ser produtivas.
Se a noção confusa de “bem comum” for traduzida como “o bem-estar de todos, independentemente de seus objetivos”, então, o capitalismo não promove o bem comum. Ele permite que aqueles cujo objetivo é a manutenção e melhoria de suas próprias vidas, de fato sustentem e melhorem suas próprias vidas. Nesse processo, o capitalismo permite que aqueles que desejam doar para instituições de caridade doem para os genuinamente incapazes de se sustentar. A abundância de riqueza criada permite doações maiores, sem nenhum tipo de sacrifício por parte dos doadores.
Assim, o capitalismo, ao consagrar e proteger os direitos individuais, proporcionaria grandes benefícios potenciais para a humanidade. Mas é apenas a porção da humanidade que está (ou estaria) disposta a usar suas mentes e produzir valores que realmente se beneficiariam do sistema.
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Publicado originalmente em Objectivism in Depth.
Traduzido por Hellen Rose.
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[1] Smith, Adam. A Riqueza das Nações. Livro IV, Capítulo II, p. 488-489.