Uma das principais funções da liderança intelectual de uma sociedade é articular a importância de determinados eventos culturais, a fim de ajudar o público a entender seu significado.
O 50º aniversário da ida do homem à Lua é exatamente um desses eventos, e gerou muito debate. Sempre me fascinaram as discussões sobre as empresas subsidiárias da Apollo e seus relatórios sobre tecnologias de vanguarda, bem como a condição atual dos empreendimentos espaciais privados[1].
Mas também fiquei chocado e desanimado com a discussão acerca do significado moral e filosófico do programa Apollo – a questão de se, e como, ele afetou nossa visão da natureza do homem e seu lugar no universo.
Uma das posições que li é a de que o programa Apollo “lançou um movimento ambientalista”. Dizem que as fotos da Terra que os astronautas tiraram nos mostraram quão “pequeno e frágil” é o nosso planeta. Supostamente, isso nos deu um alerta sobre a nossa própria insignificância em relação à vastidão do cosmos[2].
É sério?
O que dizer da façanha histórica de lançar com segurança um foguete tripulado ao espaço, permitindo que homens caminhassem na Lua e voltassem ilesos à Terra? As vozes intelectuais de nossa cultura não têm nada a dizer sobre o significado filosófico e inspirador dessa conquista?
Felizmente, Ayn Rand tinha muito a dizer sobre as lições mais profundas a serem extraídas do “grande salto da humanidade” possibilitado pelo projeto Apollo 11. Se tiver um tempo para ler qualquer coisa por ocasião deste aniversário, sugiro o ensaio de Rand intitulado “Apollo 11”. Ele integra o seu testemunho ocular do lançamento em 16 de julho de 1969 com uma análise de todo o significado filosófico da missão Apollo.
Aqui segue uma breve amostra:
Em termos essenciais, o que vimos – na realidade, não em uma obra de arte – foi a abstração concretizada da grandeza do homem…
Estava claro que esse espetáculo não era produto da natureza inanimada, como a aurora boreal, ou obra do acaso ou da sorte: era inconfundivelmente humano – “humano”, desta vez, significando “grandeza”. Estava claro que fora necessário um esforço longo e disciplinado para atingir esse propósito, e que o homem tinha tido sucesso, sucesso, sucesso! Pela primeira vez, mesmo que por apenas sete minutos, o pior entre os pessimistas teve de admitir: “quão grande é o homem e quão segura é a natureza quando ele a conquista!” ao invés de dizer: “Quão pequeno é o homem ao lado do Grand Canyon!”
Ninguém podia duvidar que tínhamos visto uma demonstração do melhor do homem – essa foi a causa da atratividade e impacto que ela teve sobre nós. Também não havia dúvidas de que tínhamos visto uma nova conquista da capacidade racional do homem, uma conquista da razão, da lógica, da matemática e da dedicação total e absoluta à realidade.
A “lição fundamental a ser aprendida com o triunfo da Apollo 11”, escreve Rand, é que “nada na Terra ou fora dela está fechada ao poder da razão do homem”.
Infelizmente, poucas pessoas aprenderam essa lição, nem na época de Rand, nem na nossa. Na “Apollo 11” (e em um ensaio subsequente, “Epitaph for a Culture”), Rand discute as reações amplamente variadas ao pouso na Lua. Ela argumenta que elas ofereciam “uma demonstração significativa da ruptura entre o povo americano e seus intelectuais[3].”
Em sua análise, a reação popular foi de “rostos ansiosos e sorridentes que olharam para o voo da Apollo 11″ em busca “de um combustível espiritual para crer que o homem heroico é possível”. No entanto, os temas dominantes entre seus contemporâneos intelectuais – muito similares ao que vemos hoje – consistiam em um esforço concentrado para minar essa perspectiva.
Por exemplo, cinquenta anos atrás, Rand já sabia que o despertar do ambientalismo[4] estava nessa ideia “da maior contribuição da Apollo 11”. Comentando sobre o conceito de que as fotos faziam com que as pessoas vissem a Terra como uma “esfera pequena e frágil”, Rand escreve: “Eu não conheço pessoalmente ninguém que se sinta assim, mas certamente tem sido um sentimento enfatizado, forçado e divulgado desde então[5].”
Rand também condena a “presunção descarada” dos “críticos da Apollo 11” que protestaram que os bilhões de dólares gastos no programa espacial deveriam ter sido direcionados para combater a pobreza e acabar com a fome. (Hoje, essa noção é ecoada na afirmação de que a “viagem à Lua” de nossa geração deveria ser o New Deal verde[6]). A análise de Rand do significado e implicações morais dessas críticas é um exercício magistral de “detecção filosófica”[7].
Mas o objetivo principal de Rand ao escrever “Apollo 11” não era desclassificar seus críticos, mas homenagear seus heróis. Sobre isso, ela escreve:
“O aspecto mais inspirador do voo da Apollo 11” era tornar abstrações como racionalidade, conhecimento e ciência perceptíveis à experiência direta e imediata. O fato de envolver um pouso em outro corpo celestial foi como a ênfase de um dramaturgo nas dimensões do poder da razão: não é de grande importância para muitos que o homem pouse na lua, mas sim que ele possa fazê-lo.”
Convidada pela NASA a prestigiar o lançamento da Apollo 11, Rand teve a rara oportunidade de aplicar sua habilidade – aperfeiçoada por décadas de escrita de romances – a retratar vividamente a qualidade perceptual e o impacto emocional do evento.
Eu recomendo o artigo de Rand e o documentário recém-lançado “Apollo 11” – que usou apenas imagens de arquivo, algumas delas inéditas. Isso fez com que o artigo de Rand ganhasse vida para mim, dando-me a sensação de que estava vendo no filme as próprias paisagens e cenas que ela relatou em primeira mão.
Dos muitos artigos que Rand escreveu, ela certa vez listou “Apollo 11” como um de seus favoritos: “Eu amo ‘Apollo 11’ por sua qualidade literária e seu tema: no contexto atual, foi minha única oportunidade de discutir um grande evento.”
Surpreendentemente, também era o favorito do astronauta da Apollo 11, Michael Collins! Ele escreveu a Rand em novembro de 1969 para dizer que “achava que o artigo dela um dos melhores que tinha lido sobre o evento”.
Um tributo digno de uma das conquistas mais importantes do século XX, o artigo “Apollo 11” de Rand é leitura obrigatória no 50º aniversário do evento.
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Publicado originalmente em New Ideal.
Traduzido por Hellen Rose e revisado por Matheus Pacini
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[1] Por exemplo, os sites da Blue Origin, SpaceX e Virgin Galactic.
[2] Por exemplo, veja os artigos no New York Times (1 e 2), além do The Guardian (1 e 2). Um sentimento similar foi expresso décadas após o programa Apollo, quando, de uma distância superior a 4 bilhões de milhas, a sonda Voyager 1 transmitiu sua famosa imagem da Terra como um “pálido ponto azul”. O astrônomo Carl Sagan, que, em seus melhores dias, inspirou muitos com sua exuberante paixão pela ciência – disse, em um de seus piores dias: “nossa postura grandiloquente, nossa presunção, a ilusão de que temos alguma posição privilegiada no universo, são desafiadas por este ponto de luz pálida. Nosso planeta é uma partícula solitária na grande escuridão cósmica que nos rodeia… Talvez essa imagem distante de nosso minúsculo mundo seja a melhor demonstração da loucura dos conceitos humanos. Para mim, isso ressalta nossa responsabilidade de tratar com mais gentileza e preservar e valorizar o ponto azul claro, a única casa que teremos.
[3] RAND, Ayn. “Epitaph for a Culture,” in The Voice of Reason. New York: Meridian, 1990, p. 184.
[4] WILFORD, “Meaning of Apollo: The Future Will Decide,” New York Times. Publicado em 21 de dezembro de 1972.
[5] Rand, “Epitaph for a Culture,” p. 180.
[7] “A melhor forma de estudar filosofia é abordá-la como uma história de detetive: um detetive busca descobrir a verdade sobre um crime. Um detetive filosófico deve procurar determinar a verdade ou falsidade de um sistema abstrato e, assim, descobrir se ele está lidando com uma grande conquista ou um crime intelectual.” RAND, Ayn. “Philosophical Detection,” em Philosophy: Who Needs It. New York, Signet, 1984, p. 12.