O Objetivismo e a Escola Austríaca (EA) se popularizaram por conta de sua defesa inequívoca e incondicional da liberdade individual, e intelectuais de ambas as correntes sempre cooperaram, tanto no campo político quanto intelectual. Ludwig von Mises (1881 – 1973) notoriamente se referiu a Ayn Rand como “o homem mais corajoso da América”. Por sua vez, Rand chegou a declarar que um currículo escolar ideal seria composto por “Aristóteles na filosofia, Mises na economia, Montessori na pedagogia, e Victor Hugo na literatura”.
Apesar da cooperação e complementariedade entre as duas escolas de pensamento, há uma contradição entre suas premissas: Mises foi profundamente influenciado por Immanuel Kant (1724 – 1804), baseando sua teoria econômica em verdades a priori, ao passo que Rand denuncia Kant como o filósofo mais perverso dos últimos séculos, rejeitando de forma contundente a noção de conhecimento a priori. Qual é exatamente a relação entre Objetivismo e EA, e como é possível que intelectuais com premissas tão opostas tenham defendido ideias tão semelhantes?
A primeira coisa a ter em mente ao pensar na relação entre Objetivismo e EA, é que a segunda é mais antiga e abrangente que a obra de Mises. Tendo suas raízes na Escola de Salamanca – um movimento intelectual essencialmente aristotélico que, assim como Rand, rejeitava o conhecimento a priori –aEA teve início com a obra de Carl Menger (1840 – 1921). Em seu Princípios de Economia, ele introduz as características comuns a toda a metodologia austríaca: o individualismo metodológico, o marginalismo e a identificação da relação indissociável entre valoração e escolha. Em outras palavras, Menger identificou que o estudo da Economia deve se basear na observação de características universais da ação humana, e na posterior dedução de um modelo econômico a partir dessas características – uma rejeição tanto ao historicismo quanto ao idealismo alemão (do qual Kant faz parte).
Não há contradição entre as premissas de Menger e Rand. Ambos partem de uma epistemologia aristotélica, segundo a qual todo e qualquer conhecimento tem origem na informação provida pelos sentidos, que deve ser ativamente integrada pelo indivíduo de forma volicional. Ambos reconhecem que o indivíduo tem a capacidade e a necessidade de escolher seus valores, e que, por conta disso, a economia jamais será capaz de prever a ação humana – seu escopo é apenas prever as consequências de determinadas ações, caso elas sejam escolhidas.
No entanto, nem todos os intelectuais austríacos adotaram as mesmas premissas que o fundador da escola. A primeira dissidência veio de Mises, que apesar de manter o individualismo metodológico de seu predecessor, substituiu sua metodologia aristotélica por outra kantiana, introduzindo o apriorismo metodológico, i.e., a ideia de que o conhecimento econômico deve ser puramente dedutivo e totalmente dissociado da observação. Como consequência da mudança filosófica, Mises também introduz o subjetivismo moral kantiano à Economia Austríaca – enquanto Menger tratava a Ética como anterior e necessária ao estudo da Economia, Mises defende que a Economia não deve fazer quaisquer juízos de valor.
Apesar das diferenças filosóficas entre Mises e Menger, a teoria econômica de ambos é extremamente semelhante. A mudança filosófica de Mises, porém, influenciou diversos economistas austríacos subsequentes, como Walter Block (1941), Hans Hermann-Hoppe (1949), e Jesus Huerta de Soto (1956), essencialmente criando um segundo movimento intelectual. Na medida em que intelectuais da Escola Austríaca mantém vivos os princípios formulados por Menger, ela é complementar ao Objetivismo; na medida em que eles se afastam desses princípios em direção ao subjetivismo kantiano, ela se torna fundamentalmente oposta às ideias de Rand.
A diversidade filosófica da EA não termina na diferença entre Mises e Menger. F. A. Hayek (1899 – 1982), por exemplo, rejeita tanto o apriorismo kantiano de Mises quanto o marginalismo aristotélico de Menger, formulando uma teoria com base no empirismo de David Hume (1711 – 1776), criando uma terceira corrente de pensamento austríaco, da qual fazem parte autores como Peter Boetke (1960) e Steven Horwitz (1964). Autores posteriores, como Murray Rothbard (1926 – 1995) e George Reisman (1933) buscaram retomar as bases aristotélicas de Menger – busca essa que culminou na criação da Nova Escola Austríaca, por Antal Fekete (1932 – 2020). Tratarei das outras correntes austríacas e sua relação com o Objetivismo em artigos posteriores, mas o leitor que busca uma análise mais profunda sobre essas diferenças, pode encontrá-la nesse artigo.
________________________________
Revisado por Matheus Pacini.
Curta a nossa página no Facebook.
Inscreva-se em nosso canal no YouTube.
__________________________________________