Atacar Ayn Rand é fácil, se você distorcer as suas ideias (edição Jonathan Chait)

No ARI, recebemos diversas críticas por sermos contrários a Donald Trump. Em particular, após a publicação deste artigo de Onkar Ghate, “One Small Step for Dictatorship: The Significance of Donald Trump’s Election.”

Algumas pessoas erroneamente o consideraram um ataque aos eleitores de Trump. Mas esse não era o objetivo de Onkar. O seu objetivo era mostrar que deveríamos nos preocupar com o número alarmante de americanos que responderam positivamente ao autoritarismo de Trump – e, de modo geral, ao autoritarismo de líderes democratas e republicados.

Como defensores da razão e da liberdade, os objetivistas são oponentes ferozes do autoritarismo, em todas as suas matizes.

Então, imagine a minha surpresa quando li um artigo recente de Jonathan Chait no New York culpando Ayn Rand por inspirar os conservadores a fazerem vista grossa para o autoritarismo de Trump.

O argumento de Chait é que os conservadores pensam que as ameaças autoritárias à liberdade econômica são igual ou mais alarmantes do que as ameaças autoritárias à liberdade política. E, portanto, eles estão dispostos a fazer vista grossa para os elogios de Trump a ditadores como Putin, bem como a sua promessa de punir seus oponentes, porque creem que Trump combaterá ameaças à liberdade econômica, tais como regulações empresariais e altos tributação sobre grandes fortunas.

Mas, segundo Chait, igualar ameaças à igualdade econômica com ameaças à liberdade política é “insano”. Como os conservadores chegaram a essa conclusão “insana”, elegendo Trump? Bem, pela leitura de Ayn Rand.

Sim, Rand argumenta que as liberdades política e econômica são igualmente importantes. Na visão dela, a sobrevivência do homem depende de sua habilidade de agir de acordo com seu próprio julgamento racional – seu julgamento com respeito a questões intelectuais, políticas e econômicas. Em seu ensaio “O que é capitalismo?”, Rand escreve:

O homem tem de trabalhar e produzir para sustentar a sua vida. Ele tem de sustentar a sua vida por seu próprio esforço, e pela orientação de sua própria mente. Se ele não puder dispor do produto de seu esforço, ele não pode dispor de seu esforço; se não puder dispor de seu esforço, ele não pode dispor de sua vida.

Assim, Rand defende o capitalismo – um sistema social que protege as liberdades intelectual, política e econômica.

É o fato metafísico básico da natureza do homem – a conexão entre a sua sobrevivência e o seu uso da razão – que o capitalismo reconhece e protege.

Em uma sociedade capitalista, todas as relações humanas são voluntárias. Os homens são livres para cooperar ou não, negociar ou não, segundo os seus próprios julgamentos, convicções e interesses. Ele podem lidar uns com outros apenas em termos de, e por meio da razão, isto é, por meio da discussão, persuasão e acordo contratual, por escolha voluntária em benefício mútuo. O direito de concordar com os outros não é um problema em nenhuma sociedade; é o direito de discordar que é crucial. É a instituição da propriedade privada que protege e implementa o direito de discordar – e, assim, mantém o caminho aberto para o atributo mais valioso do homem (valioso pessoal, social e objetivamente): a mente criativa.

Noutro lugar, Rand resumiu o ponto dessa forma: “A liberdade intelectual não pode existir sem a liberdade política; a liberdade política não pode existir sem a liberdade econômica; mente livre e livre mercado são corolários.” (Para uma exploração detalhada desse argumento, recomendo o artigo “A Free Mind and a Free Market Are Corollaries,” de Onkar Ghate, publicado numa coleção recente, A Companion to Ayn Rand.)

Mas note que o argumento de Rand é que a liberdade econômica é um componente inseparável da liberdade – e que o capitalismo é um sistema social que protege as liberdades econômica, política e intelectual. Não é por acidente que Rand levou muitos conservadores a se preocuparem com ameaças à liberdade econômica, mas dada a sua oposição firme e irresoluta ao autoritarismo, não há como suas ideias terem influenciado alguém a negligenciar as tendências autoritárias de Trump.

Por que, então, Chait culpa Ayn Rand? Bem, na verdade, ele não diz nada sobre a visão dela com respeito à relação entre as liberdades econômica, política e intelectual. Literalmente, nada. Em vez disso, ele alega que:

a essência de sua visão é que a política consiste em um conflito de classes entre produtores e saqueadores. Isso é um Marxismo invertido – a política jogando uma classe virtuosa de produtores (capitalistas) contra uma classe parasitária (trabalhadores) que explora a riqueza criada pela primeira. (O homem no topo da pirâmide intelectual contribui mais que todos aqueles abaixo dele, porém obtém nada além do pagamento material, recebendo nenhum bônus intelectual dos outros que soma ao valor de seu tempo”, explica seu personagem John Galt. “O homem na base que, por sua própria conta, morreria em inaptitude desesperada, nada contribui para aqueles acima dele, mas recebe o bônus de todos os seus cérebros.”)

O argumento, então, é que ler Rand leva os conservadores a adotar uma perspectiva de conflito de classes, aceitando meramente o outro lado da moeda marxista: eles amam Trump porque ele está lutando pela liberdade econômica dos capitalistas contra a exploração parasítica dos trabalhadores.

Chiat pode estar correto ao afirmar que muitos apoiadores de Trump são motivados por algum tipo de ódio de classe, embora eu duvide disso – mas eles não poderiam tê-lo obtido de Rand. Quero dizer, se você colocasse A revolta de Atlas num liquidificador, talvez você pudesse até encontrar algum elemento da crítica de Chait, mas teria que ser um liquidificador poderoso.

Rand, como notei anteriormente, defende o capitalismo laissez-faire porque ele protege o direito de cada indivíduo viver a sua vida de acordo com seu próprio julgamento, permitindo-lhe perseguir e alcançar a liberdade. Quando Rand fala da pirâmide de habilidade intelectual na passagem citada por Chiat, ela está tratando de uma objeção marxista ao capitalismo: que, sob o capitalismo, os “fortes” exploram os “fracos”. Sua resposta é que ninguém explora ninguém no capitalismo – e que, na verdade, são os “fracos” que mais se beneficiam da liberdade.

Aqui segue a citação complete:

“Enxerguem além do momento presente, vocês que exclamam que temem competir com homens de inteligência superior, que a mente deles é uma ameaça à sua subsistência, que os fortes não dão chances aos fracos num mercado de comércio voluntário. O que determina o valor material do seu trabalho? Nada senão o esforço produtivo da sua mente. Se vocês vivessem numa ilha deserta, quanto menos e?ciente o seu cérebro, menos renderia seu trabalho físico – e vocês poderiam passar a vida toda realizando uma mesma tarefa sempre repetida, fazendo uma plantação rudimentar e caçando com arco e ?echa, incapazes de ir além disso. Mas quando vivem numa sociedade racional, em que os homens são livres para comerciar, vocês recebem uma vantagem preciosa: o valor material do seu trabalho é determinado não apenas pelos seus esforços, mas também pelos esforços das mais brilhantes mentes produtivas que há no mundo que os cerca.”

“Todo homem é livre para subir tanto quanto puder ou quiser, porém ele só sobe na medida em que utilizar sua mente. O trabalho braçal em si não vai além do momento. O homem que só realiza trabalho braçal consome o valor material equivalente ao da própria contribuição ao processo de produção e não gera mais nenhum valor, nem para si próprio nem para os outros. Mas o que produz uma ideia em qualquer campo no domínio da razão – o homem que descobre novos conhecimentos – será para sempre um benfeitor da humanidade. Os produtos materiais não podem ser compartilhados, pois pertencem sempre àqueles que os consomem. É apenas o valor de uma ideia que pode ser compartilhado com um número ilimitado de homens, fazendo com que todos se tornem mais ricos sem que ninguém seja sacri?cado ou leve prejuízo, elevando a capacidade produtiva do trabalho de todo cidadão, não importa quem ele seja. É o valor do próprio tempo que os homens de mente forte transferem para os mais fracos, permitindo que trabalhem em empregos por eles criados enquanto dedicam seu tempo a realizar novas descobertas. Isso é uma troca em que os dois lados saem ganhando. O interesse da mente é sempre o mesmo, qualquer que seja o grau de inteligência, quando se trata de homens que querem trabalhar e não ganhar aquilo a que não fizeram jus.”

“Em proporção à energia mental que gastou, o homem que cria uma nova invenção só recebe uma pequena porcentagem de seu valor em termos de pagamento material, por maior que seja a fortuna que ganhe. Porém o que trabalha como faxineiro na fábrica que produz essa invenção recebe um pagamento enorme em proporção ao esforço mental que seu trabalho exige dele. E o mesmo se dá com todos os cargos intermediários, em todos os níveis de ambição e capacidade. O homem que se encontra no topo da pirâmide intelectual contribui para todos aqueles que se encontram embaixo, mas não recebe nada mais do que seu pagamento material, sem receber nenhum bônus intelectual dos outros que se acrescente ao valor do seu tempo. O homem na base da pirâmide, que sozinho morreria de fome por causa de sua total inépcia, não contribui com nada para aqueles que se encontram acima, porém recebe o bônus de todos os seus cérebros. É essa a natureza da ‘concorrência’ entre os intelectualmente fortes e os fracos. É essa a ‘exploração’ em consequência da qual vocês maldizem os fortes.”

Em resumo, o ponto ressaltado por Rand é que, sob o capitalismo, existe uma harmonia de interesses entre todos os indivíduos produtivos, não importando o seu grau de habilidade – e que os menos habilidosos são os que mais se beneficiam em relação à sua contribuição produtiva. É por isso que, em seus romances, abundam personagens positivos que incluem não apenas titãs da indústria, mas trabalhadores e secretárias, por exemplo.

Em outras palavras, Rand rejeita qualquer noção de conflito de classes. Os interesses de capitalistas e trabalhadores não conflitam – desde que eles vivam numa sociedade livre, e na medida em que nenhum dos lados demande o imerecido.

Mas existe um conflito, na visão de Rand, entre “produtores” e “saqueadores” (embora ela nunca use tais termos), se por “produtores” consideramos toda pessoa produtiva e por “saqueadores” qualquer pessoa que demanda o imerecido – incluindo capitalistas de compadrio (como Donald Trump) ou políticos autoritários (como Donald Trump).

Gostaria que Chait tivesse tirado um tempo para entender o pensamento de Rand. Se ele está genuinamente preocupado com o autoritarismo crescente, então, ele pode encontrar muito valor na obra de Rand. Acima de tudo, Rand chama a nossa atenção ao fato de que o autoritarismo não é primariamente um fenômeno político, mas sim filosófico: quando as pessoas renunciam à razão, elas demandarão uma autoridade.

Fãs de Rand que abraçaram a postura de Trump também deveriam voltar à leitura das obras de Rand. É possível que ele seja melhor do que a alternativa democrata, embora isso seja debatível. É certo que não fazemos mais pela luta contra o autoritarismo ao fingir que Trump está do nosso lado: não se o nosso lado estiver lutando por razão e liberdade.

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Publicado originalmente em Medium.

Traduzido por Matheus Pacini.

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