As emoções humanas são os resultados de crenças e valorações subconscientes

Em A Virtude do Egoísmo, Ayn Rand escreve:

“Assim como o mecanismo de prazer-dor do corpo humano é um indicador automático do bem-estar de seu organismo, um barômetro de sua alternativa básica, vida ou morte — também o mecanismo emocional da consciência do homem está programado para executar a mesma função, como um barômetro que registra a mesma alternativa por meio de duas emoções básicas: alegria ou sofrimento.  As emoções são os resultados automáticos dos juízos de valor do homem integrados pelo seu  subconsciente; as emoções  são  estimativas  daquilo que promove ou ameaça os valores do homem, daquilo que está a favor ou contra ele — calculadores-relâmpago que lhe dão o somatório de seu lucro ou prejuízo.

Mas, enquanto o critério de valor que opera o mecanismo de prazer-dor físico do corpo humano é automático e inato, determinado peia natureza de seu organismo, o mesmo não ocorre com o critério de valor que opera seu mecanismo emocional. Dado que o homem não possuí conhecimento automático, tampouco pode ter valores automáticos; dado que ele não possui idéias inatas, tam pouco pode ter juízos de valores inatos.

O homem nasce com um mecanismo emocional, da mesma forma como nasce com um mecanismo cognitivo; mas, ao nascer, ambos são “tábula rasa”. É a faculdade cognitiva do homem, sua mente, que determina o conteúdo de ambos. O mecanismo emocional do homem é como um computador eletrônico que sua mente tem que programar — e a programação consiste dos valores que sua mente escolhe.

Mas como o trabalho da mente do homem não é automático, seus valores, como todas as suas premissas, são produto ou de seu pensamento ou de suas evasões: o homem escolhe seus valores por um processo consciente de pensamento — ou os aceita por omissão, por associações subconscientes, por fé, por autoridade de alguém, por alguma forma de osmose social ou por imitação cega. As emoções são produzidas pelas premissas do homem, sustenta das consciente ou subconscientemente, explícita ou implicitamente.

O homem não tem escolha quanto a sua capacidade de sentir que algo é bom ou mau para si, mas o que ele considera bom ou mau, o que lhe dá alegria ou dor, o que ama ou odeia, deseja ou do que sente medo, depende de seu critério de valor. Se escolhe valores irracionais, troca o papel de guardião de seu mecanismo emocional pelo de destruidor. O irracional é o impossível; é o que contradiz os fatos da realidade; fatos não podem ser alterados por um desejo, mas podem destruir aquele que o deseja.” 

Aqui Rand se refere à forma especificamente humana de emoção. Analisemos uma manifestação ainda mais básica de emoção: aquela que vemos em outros animais.

As emoções se desenvolvem em seres vivos conscientes. Em geral, quanto mais complexa é a consciência, mais complexas são suas emoções. Nos animais, a função da emoção é guiar sua consciência para ações que sustentam a sua vida. A emoção age junto com o mecanismo de dor-prazer para esse fim. O alimento (uma potencial presa, por exemplo) inspira desejo, atraindo o animal. Predadores em potencial inspiram medo, fazendo com que o animal fuja, se esconda ou lute. Respeitando o habitat e as capacidades do animal, suas emoções o direcionam automaticamente para ações que mantêm a sua vida, de acordo com a sua natureza.

A vida do animal é seu próprio padrão de valor, tornando as outras coisas – tais como o alimento – valiosas para ele. Sua vida é seu valor último, para o qual todos os seus outros comportamentos, em última instância, convergem. Por causa disso, ao contrário dos humanos, os animais não cometem suicídio[1].

As emoções de um animal são respostas automáticas às suas percepções. Em animais mais avançados, podem ser moldadas pela experiência. Todavia, ao vivenciar determinadas experiências perceptuais, o animal se vê obrigado a sentir determinadas emoções. O animal não pode mudar o objetivo para o qual convergem suas emoções: a sua vida. Chamarei essas emoções que resultam diretamente de percepções de EGP (emoções geradas em nível perceptual).

Mas, o que dizer dos seres humanos? Voltando à citação acima, Rand afirma:

“Emoções são os resultados automáticos das valorações humanas, integradas por seu subconsciente; emoções são estimativas sobre o que promove ou ameaça os valores do Homem, daquilo que está a seu favor ou contra ele – calculadoras rápidas como um raio que lhe dão a somatória do seu lucro ou perda… O mecanismo emocional do homem é como um computador eletrônico que sua mente tem que programar — e a programação consiste dos valores que sua mente escolhe.”

Então, para o ser humano, as emoções são respostas geradas pelo subconsciente, com base em seus pensamentos conscientes – ou semi-conscientes. Não são inatas ao homem (não nasce com elas); em última instância, estão sob o controle do indivíduo, mas nunca sob seu controle direto[2]. Isso inclui as emoções que resultam de suas avaliações morais subconscientes, como a culpa, a raiva e o orgulho. Esse tipo de emoção pode ser chamado de EGC (emoções geradas em nível conceitual).

Então como verificar se a teoria das emoções de Ayn Rand é válida? Podemos confirmar que dependem das crenças do indivíduo de duas formas distintas:

  1. Dado um estado emocional, as emoções de uma pessoa com relação a uma coisa dependem de suas crenças a respeito da natureza dessa coisa. Se alguém insere um objeto – digamos, uma bola de boliche – num quarto comigo, não terei medo dela. Mas, como valorizo minha vida, se eu acreditar que, em vez disso, é uma bomba-relógio, terei medo.
  2. Os estados emocionais das pessoas variam frente as mais variadas coisas, situações, ideias e pessoas (não são universais), e dependem de suas crenças e valores filosóficos. Pessoas que acreditam que comer carne é errado, sentir-se-ão culpadas ao comer um MacDonald´s; outras que não partilham dessa crença, não. Mulheres mórmons, que são ensinadas desde a infância a ser recatadas e a não fazer sexo, provavelmente sentirão aversão à ideia de usar um biquíni fio-dental, ou culpa se transarem antes do casamento. Muitas mulheres com educação secular/laica não sentirão nenhuma dessas emoções. Um matemático que ama seu trabalho pode se emocionar ao ler um artigo que decifra um antigo problema. Ele pode sentir prazer ao lê-lo, ou, talvez, decepção, ao verificar uma falha irreparável em sua lógica. Pessoas que não têm interesse nisso não sentirão nenhuma dessas emoções.

Existe uma correlação – nem sempre perfeita – entre os valores conscientes de uma pessoa e suas atitudes emocionais. Isso se dá porque não são os valores conscientes – mas sim os subconscientes – que dão origem às emoções. Pode haver um conflito entre as valorações consciente e subconsciente de uma pessoa. Por exemplo, um ex-membro da igreja mórmon, após décadas nessa religião, passa um período de forte desconexão entre suas valorações consciente e subconsciente. Ele pode, inicialmente, sentir o ímpeto de defender essa igreja de ataques, mesmo que sua valoração consciente afirme que isso não faz sentido. Ele pode ficar apreensivo ao beber café ou álcool mesmo que, conscientemente, não veja problemas nessas ações. Muitas pessoas têm fobias e outros problemas emocionais que prejudicam sua valoração subsconsciente, e não correspondem aos valores que adotam conscientemente.

Retornando à citação original:

O homem nasce com um mecanismo emocional, da mesma forma como nasce com um mecanismo cognitivo; mas, ao nascer, ambos são ‘tábula rasa’.”

Que uma criança nasce conceptualmente tabula rasa é certamente verdade. Entender a natureza dos conceitos é entender que ninguém pode nascer com eles. (Ver a Introdução à Epistemologia Objetivista para mais informação sobre o tema).

Todavia, chamar o mecanismo emocional de um recém-nascido de “tabula rasa” não é totalmente preciso. Crianças claramente demonstram reações emocionais, mesmo antes de formar conceitos: choram em resposta à dor ou desconforto; sorriem e dão gargalhadas quando brincam com elas. Recém-nascidos demonstram EGPs automaticamente alinhadas com sua vida enquanto padrão de valor. A dor física traz o sofrimento emocional; o prazer físico e a estimulação saudável trazem alegria e gargalhadas.

No entanto, seres humanos adultos, para sobreviver e prosperar, precisam se guiar por conceitos. Diferentemente de outros animais, que se adaptam ao seu meio, os seres humanos adaptam o meio às suas necessidades. O homem manipula a natureza para criar coisas que mantêm a sua vida no presente e no futuro. Fazê-lo requer a habilidade de agir das mais diversas formas, muito além das opções disponíveis para os outros animais. Isso requer a habilidade de projetar as consequências de suas ações no futuro distante. Em suma, requer a habilidade de pensar e de ser motivado a agir de acordo com esse pensamento.

A força motriz básica no reino animal é a emoção. Humanos, como um tipo de animal, precisam de emoções que os motivem a agir, mas também precisam agir de acordo com as conclusões de seus pensamentos. Logo, a sobrevivência humana tem como necessidade o que observamos anteriormente: que as emoções humanas sejam guiadas por pensamentos conceituais, i.e. por valorações conceituais.

Quando as crianças crescem e começam a conceptualizar, precisam realizar a transição de suas EGPs primitivas para suas EGCs distintamente humanas. As valorações geradas conceptualmente pela criança precisam “sobrescrever” seu mecanismo emocional primitivo, guiado por preceitos. O alinhamento automático do prazer físico com alegria, e da dor física com sofrimento, desaparecem ao longo do desenvolvimento da criança. Elas podem aprender a sentir emoções negativas em relação a experiências fisicamente prazerosas, e emoções positivas em relação a experiências dolorosas. Por exemplo, adolescentes mórmons são tipicamente ensinados a ver o sexo antes do casamento, a masturbação e a homossexualidade como imorais. Essa mensagem é reforçada repetidamente na cultura mórmon. Como consequência, as experiências prazerosas que a maioria dos adolescentes mórmons tem com sua sexualidade são acompanhadas de vergonha e culpa. Se abster do comportamento sexual frente à tentação é considerado um sinal de virtude, e consequentemente leva a um sentimento de alegria resultante da aprovação moral. Se um mórmon descobre que é homossexual, isso pode ser tão emocionalmente destrutivo a ponto de leva-lo ao suicídio. (Isso era comum no passado, quando a homossexualidade ainda não era tão aceita na cultura em geral). Pessoas não-religiosas, por outro lado, geralmente não ficam traumatizadas com uma descoberta como essa – se é que enfrentam algum trauma.

Então, se usarmos a analogia tradicional de “tábula rasa”, ou “lousa em branco”, o ser humano não nasce com a sua lousa emocional em branco. Ela contém duas respostas emocionais primitivas, correspondentes à dor e ao prazer. Quando a criança começa a formar conceitos, porém, escreve novamente na lousa com as valorações conceituais absorvidas por seu subconsciente. As duas EGPs primitivas são substituídas por EGCs como alegria, tristeza, desejo, medo, frustração, raiva, inveja, culpa, vergonha etc.[3]

O ponto filosófico básico de Ayn Rand se mantém: as emoções distintamente humanas de jovens e adultos são geradas por valorações conceptuais, absorvidas subconscientemente; essas valorações não são inatas, e podem estar erradas, gerando emoções que impelem a pessoa rumo a objetivos auto-destrutivos.

Se ela pretende florescer e aproveitar sua vida, as valorações subconscientes que geram as emoções de uma pessoa devem ser baseadas em suas valorações conscientes que resultam de pensamento racional independente. Mas essa não é a única forma pela qual essas valorações subconscientes podem ser formadas. Como a Rand escreve:

Mas como o trabalho da mente do homem não é automático, seus valores, como todas as suas premissas, são produto ou de seu pensamento ou de suas evasões: o homem escolhe seus valores por um processo consciente de pensamento — ou os aceita por omissão, por associações subconscientes, por fé, por autoridade de alguém, por alguma forma de osmose social ou por imitação cega. As emoções são produzidas pelas premissas do homem, sustenta das consciente ou subconscientemente, explícita ou implicitamente.”[1] 

Sucumbir à segunda alternativa é o que faz com que tantas pessoas vivam vidas emocionalmente turbulentas e conflituosas. Muitas pessoas não pensam detalhadamente sobre as premissas que aceitam. Eles não abordam a vida através de uma filosofia racional, consistente e sistemática. Dessa forma, acabam não percebendo como as ideias que aceitam influenciam as suas emoções. Concluem que as emoções são necessariamente imprevisíveis, irracionais, ou até antirracionais, o que não é verdade. Quem pensa racional e independentemente sobre todas as áreas da sua vida, incluindo a filosofia, podem alcançar um entendimento e um controle consideráveis sobre as suas emoções.

Para mais informação sobre as emoções, eu recomendo esses cursos: Emotions, Reason and Emotion, Special Topics in Introspection.

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Publicado originalmente em Objectivism in Depth.

Traduzido por Bill Pedroso.

Revisado por Matheus Pacini.

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[1] O comportamento reprodutivo e coletivo é parte da vida de alguns animais (ao menos em seu estado natural). A sua vida é o produto de comportamentos geneticamente programados, herdados de gerações anteriores. Por conta disso, alguns animais automaticamente agem de forma “coletiva” ou “altruísta”. Ao contrário do ser humano, porém, eles o fazem por prazer, e não por sacrifício, visto que esse tipo de comportamento é ditado por sua natureza.

[2] Nota do Tradutor: As emoções estão sob o controle indireto do indivíduo na medida em que são respostas às suas valorações. Ao mudar, de fato, a forma como vê e valora o mundo, o indivíduo muda suas respostas emocionais. Isso, porém, é um processo ativo, que requer tempo e esforço. O indivíduo, porém, não é capaz de escolher sentir algo que não sente, e vice-versa. As emoções não são respostas aos valores que o indivíduo diz, ou gostaria de adotar, mas aos que ele de fato adota.

[3] O único resquício de EGPs que eu consigo ver em um humano adulto é a reação de surpresa. Ela tem curta duração, e parece ser uma resposta automática à percepção, independente da estrutura conceitual do indivíduo, Apesar disso, eu não tenho certeza de que ela é genuinamente uma EGP, e esse é um assunto marginal, sem tanta importância filosófica.

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