As coisas ainda vão piorar bastante

Relatório de 31 de março.

Então, o mercado de ações está instável. Todos os governos do mundo têm respondido ao coronavírus com ataques violentos aos direitos individuais. Para não mencionar, é claro, políticas monetárias expansionistas. E se espera um grande estímulo fiscal (por exemplo, o governo dos Estados Unidos está prestes a distribuir mais de US$ 2 trilhões às pessoas).

A pergunta que ocupa a mente de todos: quais serão as consequências?

A análise padrão é que os governos irão imprimir milhões em dinheiro. E isso, é claro, gerará inflação (por exemplo, disparada dos preços ao consumidor). Há apenas um problema com essa análise: a realidade.

Considere o preço do petróleo bruto. Ele está tão barato, que é preciso retornar à 2002 ­­– antes dos últimos 18 anos de impressão descontrolada de dinheiro – para ver um preço tão baixo. Muitos analistas-grafistas vislumbram uma queda ainda maior.

O cobre está a poucos centavos de uma queda não vista desde 2009. E o trigo, embora não esteja em um nível tão acentuado de queda, na melhor das hipóteses, pode se considerar em crise.

O fato é que os governos não estão imprimindo dinheiro; estão pegando dinheiro emprestado. E o efeito econômico da dívida não é o mesmo que o da impressão de dinheiro.

Então, partindo dessa noção ptolomaica (Ptolomeu defendia que a Terra era o centro do universo, com o Sol e os planetas orbitando em sua volta), devemos fazer algumas observações e, por meio da lógica, chegar a conclusões.

Mencionamos que os governos adotaram controles draconianos que reduziram e até fecharam os principais setores da economia. Nos Estados Unidos, por exemplo, restaurantes, bares, boates, arenas esportivas, academias e muitos outros negócios foram obrigados a fechar. Outros, como as companhias aéreas, podem não ter sido obrigados a fechar, mas enfrentam uma queda de 95% em suas receitas. Todas as lojas do principal shopping do estado do Arizona fecharam voluntariamente. Seja por falta de clientes ou medo do vírus, isso não importa.

Os efeitos primários desses fechamentos são sentidos por muitos vendedores e prestadores de serviços. Isso inclui distribuidores atacadistas de alimentos e bebidas, fornecedores de autopeças e vestuário, fabricantes de automóveis, etc. Empresas que normalmente nem passam por sua cabeça, como a AirBNB, já perderam milhões de dólares.

Os escritórios da Monetary Metals estão sediados em um espaço de coworking da Industrious (uma concorrente da WeWork). Ao vermos os escritórios abandonados por algumas empresas, e os escritórios vazios de outras que ainda não cancelaram seus contratos, entendemos o problema óbvio que a Industrious (e a WeWork) enfrentam com quedas drásticas de receita. O problema não tão óbvio (embora já tenha sido descrito por outros analistas) é que o modelo de coworking apresenta um enorme desequilíbrio de ativos e passivos: depende de uma hipoteca ou arrendamento de longo prazo do espaço, bem como de empréstimos para financiar suas estruturas internas, enquanto seus inquilinos têm arrendamentos de curto prazo (mês a mês). Essas empresas ainda não foram testadas em um cenário de desaceleração acentuada. Veremos o que acontecerá.

A atitude óbvia de todos os restaurantes, bares e varejistas é ligar para os proprietários dos shoppings, por exemplo, e dizer: “seu trabalho é atrair pessoas para cá. Nosso trabalho é transformá-las em cliente e pagar o aluguel. No momento, ninguém está indo ao shopping, logo, não temos receitas e não vamos pagar o aluguel. O que pretendem fazer? Despejar seus inquilinos, substituindo-nos por outros que queiram pagar aluguel nesse ambiente?”

Os proprietários dos shoppings, por sua vez, não terão outra opção senão ligar para os bancos “desculpe, não temos nenhuma receita no momento, logo, momentaneamente não pagaremos nossos empréstimos. O que pretendem fazer? Fechar nossos shoppings e encontrar outros que queiram pagar empréstimos nesse ambiente?”

Para quem os bancos vão ligar?

Antes disso, considere os milhões de trabalhadores demitidos desses negócios. Nessa semana, o número de desempregados aumentou em 3,3 milhões. Esse número é tão grande que faz a pior fase da crise de 2008 parecer uma marolinha frente a um maremoto. E o desemprego só tende a aumentar. Até agora, muitas empresas estão optando por pagar uma parte dos salários a seus funcionários, num gesto de boa vontade, mas não poderão seguir assim por muito tempo. Esses demitidos ligarão para empresas de cartão de crédito, revendas de automóveis, bancos e dirão a mesma coisa: “não podemos pagar”.

Se os bancos forem obrigados a renegociar empréstimos em massa, correm o risco de ficar insolventes.

Até o gigante J. P. Morgan Chase tem menos que US$ 260 bilhões em ativos (muito do qual não é “líquido”, muitos menos dinheiro em caixa). Tal é insuficiente para absorver as perdas supracitadas como um castelo de areia é insuficiente para barrar um tsunami.

Falando em tsunamis, andando em Scottsdale, observei os varredores de rua ociosos. Nosso primeiro pensamento é: isso é bobagem, as ruas nem precisam ser varridas. Deveriam cortar essa despesa. As cidades estão prestes a enfrentar um colapso total em suas receitas tributárias, pois a maior parte delas advém de impostos sobre consumo e propriedade.

Todos municípios, cidades e estados sofrerão grandes quedas de receitas. E não têm muitas escolhas. Podem tentar extrair mais impostos de negócios e pessoas não tão impactados pela paralisação da economia, o que não é improvável. Ou podem pegar empréstimos – e essa é a tendência.

Agora, entendamos a lógica. Primeiro, um dano irrevogável já foi feito. Um grande número de restaurantes, bares e varejistas simplesmente não têm capital para suportar um mês de receita zero. O J. P. Morgan descobriu em 2016 que o restaurante independente médio tem caixa suficiente para apenas 16 dias. Distribuidores de refrigerantes e outras empresas do setor, cadeias inteiras de suprimento, estão na mesma posição. É o fim dessas empresas. Suas dívidas estão em default. Seus funcionários, desempregados.

Segundo, como não somos analistas políticos, não tentaremos prever que novos controles podem ser impostos. Observamos que, se existia um argumento em março para fechar esses setores da economia porque um vírus estava se disseminando pela população, esse argumento continuará valido por vários meses (ou anos).

Terceiro, o governo não permitirá o colapso do sistema bancário, nem que milhões de pessoas pereçam de fome. Portanto, o governo continuará gastando o que for preciso para proteger as pessoas das consequências dessa crise.

Quarto, esse é o colapso gerado pelo falso crescimento criado pelo FED e outros bancos centrais após a crise de 2008. É verdade que a resposta draconiana ao vírus catalisou o colapso e, sem dúvida, piorou-o. Mas já era certo que o colapso viria por causa da colossal destruição de capital (sobre a qual escrevemos há muitos anos). Além disso, esse colapso ocorre em um momento de grande alavancagem. Um negócio sem dívida pode ser resiliente, mas um negócio alavancado até o teto, não.

Quinto, o problema de pagar todas essas pessoas recém-desempregadas é que o auxílio é retirado do capital de pessoas em empresas ainda solventes. Essa é a essência nua do socialismo: transforma capital em renda, que é gasta. Come a semente do milho. E esse processo só tende a acelerar.

Sexto, esse novo estímulo de US$ 2 trilhões será adicionado aos gastos governamentais já superdimensionados que, de acordo com o Tesouro dos Estados Unidos, superam em US$ 1,5 trilhão as receitas tributárias do governo (mesmo que, por algum artifício contábil, o número oficial do déficit seja muito menor que isso). Portanto, chegaremos a um déficit anual agora próximo de US$ 4 trilhões e contando. As receitas tributárias cairão massivamente. Portanto, o déficit pode chegar a US$ 5 trilhões ou mais. Em 2016, quando Donald Trump foi eleito, previmos que ele seria chamado de “US$ 20 trilhões de Trump” pelo valor que a dívida aumentou em seu mandato (supondo oito anos de mandato). Isso pode ter parecido absurdo na época, mas agora estamos caminhando nessa direção.

Sétimo, muitos setores serão considerados essenciais, o que é, por óbvio, é uma distinção política. Diversas indústrias serão consideradas essenciais, recebendo subsídios necessários para que continuem operando em meio a perdas surpreendentes. Por exemplo, as pessoas não aceitarão o fechamento do setor aéreo: exigirão uma solução (um subsídio).

Oitavo, voltando aos bancos, precisarão de grandes injeções de capital (por exemplo, subsídios) e/ou maiores alterações (fraudes) em seus princípios contábeis. Você se recorda da primavera de 2009, quando o Financial Accounting Standards Board mudou as regras, dizendo aos bancos que eles não precisavam valorar corretamente seus ativos para o mercado? Isso quer dizer que, se um banco tivesse ativos no valor de US$ 500 mil, ainda poderia manter em seus livros-razão, talvez, US$ 1 milhão. Essa mudança nas regras contábeis causou o maior nível de especulação da história. Agora, terminou a festa.

Em outras palavras, os bancos precisarão de subsídios iguais ao valor de todos os empréstimos que se tornarão inadimplentes, ou terão o direito de publicar demonstrativos financeiros que induzam os investidores a pensar que não sofreram as perdas que, de fato, sofreram (o que geraria outras consequências).

Nono, uma forma de o governo subsidiar os bancos é dizendo ao FED para comprar os empréstimos podres dos bancos por seu valor nominal. O raciocínio político entende que é mais fácil ocultar os empréstimos inadimplentes no balanço do FED, do que no dos bancos comerciais. No entanto, há um risco. Se o FED se tornar insolvente, com passivo maior que ativo, ou, talvez mais importante, com uma política de margem negativa, o FED poderia entrar numa espiral mortal. Quando acontecerá quando o FED pedir emprestado (o FED não imprime, só empresta) não para comprar ativos bons, mas para financiar o fluxo de caixa negativo.

Décimo, outra possibilidade distinta é que o governo injete capital diretamente nos bancos (ou seja, compre uma grande participação acionária ou mesmo a maioria dos bancos). Este não é apenas um grande passo em direção à posse direta das corporações pelo governo, como também é uma forma de criar um sistema bancário zumbi. Isso ocorrerá quando os bancos forem administrados pelo governo, perpetuamente à beira da insolvência e, portanto, incapazes de desempenhar sua função de intermediação financeira. Foi assim que o Japão perdeu várias décadas de desenvolvimento.

Décimo primeiro, falando da propriedade estatal dos meios de produção e de zumbis, os subsídios governamentais a indústrias como fabricantes de aeronaves e companhias aéreas fornecerão exemplos adicionais disso.

Décimo segundo, agora clamaremos para que certos preços ao consumidor subam. Esse clamor é absolutamente positivo, não baseada no aumento da quantidade de dinheiro. É baseado em três coisas. Primeiro, como dissemos no item 1, muitos fornecedores e prestadores de serviços em diversas cadeias de suprimento ficarão desempregados. Isso tornará a fabricação e distribuição de bens de consumo menos eficientes, mais lentas e caras. Segundo, o governo comandará ou, em muitos casos, tomará os meios de produção. Já vemos isso com o presidente Trump ordenando à General Motors que fabrique ventiladores, um produto com a qual a GM certamente não tem experiência, conhecimento ou eficiência na produção. Não é preciso dizer que a solução dirigida pelo governo é cara (e de menor qualidade). A baixa qualidade torna as coisas mais caras para todos. Terceiro, no novo normal, simplesmente haverá menos restaurantes e menos lojas de todos os tipos que permanecerão nos negócios. A menor concorrência permitirá aos sobreviventes cobrar preços mais altos.

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Publicado originalmente em Monetary Metals.

Traduzido por João Rodrigues.

Revisado por Matheus Pacini.

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