A Virtude do Egoísmo

O título deste livro pode despertar o tipo de pergunta que ouço de vez em quando: “Por que você utiliza a palavra ‘egoísmo’ para denotar qualidades virtuosas de caráter quando essa palavra cria antagonismo entre tantas pessoas para quem ela não significa o mesmo que para você?”

Para aqueles que fazem essa pergunta, minha resposta é: “pela razão que faz você ter medo dela.”

Mas há outros que não fariam essa pergunta, sentindo a covardia moral que a mesma acarreta, e que são, contudo, incapazes de formular minha razão real ou identificar a profunda questão moral envolvida. Para eles é que darei uma resposta mais explícita.

Não é uma mera questão semântica, nem um problema de escolha arbitrária. O significado atribuído pelo uso popular à palavra “egoísmo” não está, simplesmente, errado: representa uma tergiversação intelectual devastadora que é responsável, mais do que qualquer outro fator, pelo restrito desenvolvimento moral da humanidade.

No uso popular, a palavra “egoísmo” é um sinônimo de maldade; a imagem que invoca é de um brutamontes homicida que pisa sobre pilhas de cadáveres para alcançar seu próprio objetivo, que não se importa com nenhum ser vivo e persegue apenas a recompensa de caprichos inconsequentes do momento imediato.

Porém, o significado exato e a definição do dicionário para a palavra “egoísmo” é: preocupação com nossos próprios interesses.

Esse conceito não inclui avaliação moral; não nos diz se a preocupação com os nossos próprios interesses é boa ou má; nem nos diz o que constituem os interesses reais do homem. É tarefa da ética responder a tais questões.

A ética do altruísmo criou a imagem do brutamontes, como sua resposta, a fim de fazer os homens aceitarem dois princípios desumanos: (a) que qualquer preocupação com nossos próprios interesses é nociva, não importando o que estes interesses possam representar, e (b) que as atividades do brutamontes são, na verdade, a favor dos nossos próprios interesses (que o altruísmo impõe ao homem renunciar pelo bem de seus vizinhos).

Para uma visão da natureza do altruísmo, suas consequências e a enormidade de corrupção moral que perpetra, recomendo a leitura de minha obra A Revolta de Atlas — ou a qualquer uma das manchetes dos jornais de hoje. O que nos preocupa aqui é a omissão do altruísmo no campo da teoria da ética.

Há dois questionamentos morais que o altruísmo reúne dentro de um único “pacote”: (1) O que são valores? (2) Quem deve ser o beneficiário dos valores? O altruísmo substitui o primeiro pelo segundo; ele foge da tarefa de definir um código de valores morais, deixando o homem, assim, na verdade, sem diretriz moral.

O altruísmo declara que qualquer ação praticada em benefício dos outros é boa, e qualquer ação praticada em nosso próprio benefício é má. Assim, o beneficiário de uma ação é o único critério de valor moral — e contanto que o beneficiário seja qualquer um, salvo nós mesmos, tudo passa a ser válido.

Daí a imoralidade assustadora, a injustiça crônica, os grotescos padrões duplos, os conflitos e as contradições insolúveis que têm caracterizado os relacionamentos humanos e as sociedades humanas através da história, sob todas as variantes da ética altruísta.

Observe a indecência do que se consideram julgamentos morais atualmente. Um industrialista que produz uma fortuna e um gângster que rouba um banco são considerados igualmente imorais, já que ambos procuraram fortuna para o seu próprio benefício “egoísta”. Um jovem que desiste de sua carreira para sustentar seus pais e nunca sobe além do posto de empregado de mercearia é considerado moralmente superior àquele que suporta uma luta difícil e conquista sua ambição pessoal. Um ditador é considerado moral, desde que as indescritíveis atrocidades cometidas tenham tido a intenção de beneficiar “o povo”, e não a ele mesmo.

Observe o que este critério moral, que considera apenas o beneficiário, faz à vida de um homem. A primeira coisa que ele aprende é que a moralidade é sua inimiga; não ganha nada com ela, apenas perde; tudo o que ele pode esperar são perdas autoimpostas, dores autoimpostas e o manto cinzento e deprimente de uma obrigação incompreensível. Ele pode esperar que os outros possam, ocasionalmente, sacrificar-se em seu benefício, assim como ele se sacrifica de má vontade, em benefício deles, mas ele sabe que tal relacionamento só produzirá ressentimentos mútuos, não prazer — e que, moralmente, esta busca de valores será como uma troca de presentes de Natal não desejados e não escolhidos que nenhum deles se permite, moralmente, comprar para si mesmo. Exceto nos momentos em que conseguir realizar algum ato de autossacrifício, ele carecerá, como pessoa, de qualquer significado moral: a moralidade não toma conhecimento dele e não tem nada a dizer-lhe como orientação nas questões cruciais de sua vida; esta é somente sua vida pessoal, privada, “egoísta” e, como tal, é considerada, ou maléfica ou, na melhor das hipóteses, amoral.

Dado que a natureza não provê o homem com uma forma automática de sobrevivência, dado que ele tem de sustentar sua vida através de seu próprio esforço, a doutrina que diz que a preocupação com nossos próprios interesses é nociva significa, consequentemente, que o desejo de viver do homem é nocivo — que a vída do homem, como tal, é nociva. Nenhuma doutrina poderia ser mais nociva do que essa.

Todavia, este é o significado de altruísmo, implícito nestes exemplos que igualam um industrialista a um ladrão. Há uma diferença moral fundamental entre um homem que vê seu autointeresse na produção e um outro que o vê no roubo. A maldade de um ladrão não repousa no fato de que ele persegue seus próprios interesses, mas no que ele considera como sendo seu próprio interesse; não no fato de que ele busca seus valores, mas no que ele escolheu para valorizar; não no fato de que ele deseja viver, mas no fato de ele querer viver num nível subumano.

Se for verdade que o que quero dizer com “egoísmo” não é o que significa convencionalmente, então esta é uma das piores acusações que se pode fazer contra o altruísmo; significa que o altruísmo não permite conceito algum sobre um homem que se autorrespeita e é independente economicamente — um homem que sustenta sua vida através de seu próprio esforço e nem se sacrifi­ca pelos outros nem sacrifica os outros por si, isso significa que o altruísmo não permite outra visão dos homens, que não seja a de animais para sacrifício e benefíciários-do-sacrifício alheio, como vítimas e parasitas — que não permite o conceito de uma coexistência benevolente entre os homens — que não permite o conceito de justiça.

Se você se pergunta quais são as razões por trás da feia mistura de cinismo e culpa na qual a maioria dos homens desperdiça suas vidas, estas são as razões: cinismo, porque eles não praticam nem aceitam a moralidade altruísta — culpa, porque eles não se atrevem a rejeitá-la.

Para rebelar-se contra um mal tão devastador, é preciso rebelar-se contra sua premissa básica. Para redimir ambos, o homem e a moralidade, é o conceito de “egoísmo” que se tem de redimir.

O primeiro passo é defender o direito do homem a uma existência moral racional — que é: reconhecer sua necessidade de um código moral para guiar o rumo e a realização de sua própria vida. Para um breve esboço da natureza e da validade de uma moralidade racional, veja minha palestra sobre a ética objetivista, que segue. As razões pelas quais o homem precisa de um código moral dirão a você que o propósito da moralidade é definir os interesses e valores adequados ao homem, que a preocupação por seus próprios interesses é a essência de uma existência moral, e que o homem deve ser o beneficiário de seus próprios atos morais.

Dado que todos os valores têm de ser ganhos e/ou mantidos pelas ações do homem, qualquer brecha entre o ator e o beneficiário implica uma injustiça: o sacrifício de alguns homens em favor de outros, dos que agem em favor dos que não agem, dos que têm moral em favor dos imorais. Nada poderia jamais justificar tal brecha, e ninguém nunca o fez.

A escolha do beneficiário dos valores morais é meramente uma questão preliminar e introdutória no campo da moralidade. Não é um substituto para a moralidade, nem um critério de valor moral, como é apresentado pelo altruísmo. Nem é tampouco um fundamento moral: ela tem de ser derivada de e validada pelas premissas fundamentais de um sistema moral.

A ética objetivista sustenta que o ator deve ser sempre o beneficiário de sua ação, e que o homem deve agir para seu próprio autointeresse racional. Mas seu direito de fazer tai coisa é derivado de sua natureza como homem e da função dos valores morais na vida humana — e, por conseguinte, é aplicável somente no contexto de um código de princípios morais racional, objetivamente demonstrado e validado, que defina e determine seu real autointeresse. Não é uma licença “para fazer o que lhe agrada”, e não é aplicável à imagem altruísta de um brutamontes “egoísta”, nem a qualquer homem motivado por emoções, sentimentos, impulsos, desejos ou caprichos irracionais.

Isto é dito como uma advertência contra o tipo de “egoístas nietzschianos” que, de fato, são um produto da moralidade altruísta e representam o outro lado da moeda altruísta: os homens que acreditam que qualquer ato, não importando sua natureza, é bom, se pretendido em benefício próprio. Do mesmo modo que a satisfação dos desejos irracionais dos demais não é um critério de valor moral, não o é também a satisfação de nossos próprios desejos irracionais, A moralidade não é um concurso de caprichos.

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Tradução de On-Line Assessoria em Idiomas.

Revisão de Winston Ling e Matheus Pacini

Publicado originalmente por Editora Ortiz S/A

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