Um pacto é um ajuste de reivindicações conflitantes por meio de concessões mútuas. Isto significa que ambas as partes, num pacto, possuem alguma reivindicação válida e algum valor a oferecer reciprocamente. E isto significa que ambas as partes concordam a respeito de algum princípio fundamental que serve como base para sua negociação.
É somente em relação às ideias ou informações, implementando um princípio básico aceito mutuamente, que o indivíduo pode assumir um compromisso. Por exemplo, pode barganhar com um comprador sobre o preço que quer receber por seu produto e concordar com uma quantia intermediária entre o que deseja deter e aquilo que lhe foi oferecido. O princípio básico aceito mutuamente, em tal caso, é o princípio do comércio, a saber: que o comprador deve pagar o vendedor pelo seu produto. Mas se o indivíduo quisesse ser pago, e o suposto comprador quisesse obter o produto dele por nada, nenhum pacto, acordo ou discussão seria possível, apenas a total rendição de um ou de outro.
Não pode haver um pacto entre o dono de uma propriedade e um ladrão; oferecer ao ladrão uma única colher de chá de sua prataria não seria um pacto, mas uma rendição total — o reconhecimento do direito deste sobre a propriedade daquele. Que valor ou concessão o ladrão ofereceu em troca? E uma vez que o princípio das concessões unilaterais é aceito como a base de um relacionamento por ambas as partes, é apenas uma questão de tempo antes do ladrão se apoderar do resto. Como um exemplo deste processo, observe a atual política exterior dos Estados Unidos.
Não pode haver pacto entre a liberdade e o controle governamental; aceitar “apenas um pouco de controle” é renunciar ao princípio dos direitos individuais inalienáveis e substituí-lo pelo princípio do poder arbitrário e ilimitado do governo, entregando-se, assim, à escravidão gradual. Como um exemplo deste processo, observe a atual política interna dos Estados Unidos.
Não pode haver pacto a respeito de princípios básicos ou questões fundamentais. O que você consideraria como um “pacto” entre a vida e a morte? Ou entre a verdade e a falsidade? Ou entre a razão e a irracionalidade?
Hoje, entretanto, quando as pessoas falam de “pacto”, o que querem dizer não é uma concessão mútua legitima ou um negócio, mas precisamente a traição dos princípios de um indivíduo — a rendição unilateral a qualquer reivindicação irracional e infundada, A raiz desta doutrina é o subjetivismo ético, que sustenta que um desejo ou capricho é uma base moral irredutível, que cada homem tem direito a todo desejo que queira fazer valer; equivale a defender que todos os desejos possuem a mesma validade moral, e que a única maneira pela qual os homens podem conviver bem juntos é submetendo-se a qualquer coisa e “comprometendo-se” com qualquer pessoa. Não é difícil ver quem lucra e quem perde com tal doutrina.
A imoralidade desta doutrina —- e a razão pela qual o termo “pacto” implica, no atual uso geral, um ato de traição moral — reside no fato de que requer homens para aceitar o subjetivismo ético como o princípio básico que substitui todos os princípios nas relações humanas e para sacrificar qualquer coisa como uma concessão aos caprichos de outros.
A pergunta “a vida não se quer pacto?” é geralmente feita por aqueles que falham ao diferenciar um princípio básico e algum desejo específico e concreto. Aceitar um emprego inferior àquele que se queria não é um “pacto”. Receber ordens do empregador a respeito de como fazer o trabalho para o qual se é empregado, não é um “pacto”. Viver exclusivamente com o que se ganha, não é um “pacto.”
A integridade não consiste na lealdade aos caprichos subjetivos de alguém, mas a princípios racionais. Um “pacto” (no sentido inescrupuloso desta palavra) não significa abandonar o conforto pessoal, mas as próprias convicções. Um “pacto” (no sentido inescrupuloso da palavra) não consiste em fazer algo de que não se gosta, mas em fazer algo que se sabe incorreto. Acompanhar o marido ou a esposa a um concerto, quando não se liga para música, não é um “pacto”; render-se às exigências irracionais dele ou dela por conformidade social, por observância religiosa fingida ou por generosidade aos parentes grosseiros do cônjuge, é. Trabalhar para um empregador como quem não se compartilham ideias, não é um “pacto”; fingir compartilhar ideias, é. Aceitar as sugestões de um editor para fazer mudanças nos originais, quando se vê a validade raciona! das sugestões, não é um “pacto”; fazer estas mudanças a fim de agradar-lhe ou ao “público”, contra o próprio julgamento e critério, é.
A desculpa dada em todos os casos do gênero é que o “pacto” é apenas temporário, e que a integridade pessoal será reconquistada em algum futuro indeterminado. Mas não se pode “corrigir” a irracionalidade de um marido ou esposa submetendo-se a ela e encorajando-a a crescer. O indivíduo não pode alcançar a vitória de suas ideias ajudando a propagar as opostas às suas. Não se pode oferecer uma obra-prima literária, quando se ficou “rico e famoso”, para um círculo de leitores que se conquistou escrevendo lixo. Se se achou difícil manter lealdade às próprias convicções iniciais, uma sucessão de traições — que ajudaram a aumentar o poder daquilo nocivo que ele não teve coragem para combater — não tornará a tarefa mais fácil depois, pelo contrário, a fará virtualmente impossível. Não pode haver nenhum pacto sobre princípios morais. “Em qualquer pacto entre comida e veneno, somente a morte pode vencer. Em qualquer pacto entre o bem e o mal, somente o mal pode lucrar (Quem é John Galt). Então você fica tentado a perguntar; “A vida não exige um pacto?” Traduza a pergunta para o seu real significado: “A vida não exige a rendição daquilo que é verdadeiro e bom ante o falso e o mau? A resposta é exatamente isto que a vida proíbe — se alguém deseja conquistar nada mais do que uma extensão de anos torturantes gastos em autodestruição progressiva.[1]
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Revisado por Matheus Pacini.
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[1] RAND, Ayn. A Virtude do Egoísmo. Trad. de On Line-Assessoria em Idiomas. Porto Alegre: Ed. Ortiz/IEE, 1991. p.90-92.