Vou me gabar um pouco. No ensino médio, eu era muito bom no tênis. Agora, muitos anos depois, sou um jogador ocasional de fim de semana que, de alguma forma, já sente os joelhos.
Contudo, ainda tenho essa fantasia recorrente que jogarei contra o melhor jogador de tênis do mundo. A minha fantasia é a seguinte: eu estou no parque local rebatendo algumas bolas e quem resolve passar por ali? O atual campeão de Wimbledon. Eu o desafio para uma partida e, por alguma razão, ele aceita. Outro jogador no parque concorda em ser o juiz – e o jogo começa.
Agora, um elemento de realismo é adicionado ao cenário. Em 2014, o campeão de Wimbledon é Novak Djokovic. Ele tem 1,87m e 27 anos de idade. Eu tenho cinco centímetros a menos e o dobro de sua idade. Seu primeiro serviço alcança 193 km/h, com precisão de 73%. Meus números são consideravelmente piores.
E como o jogo termina? Djokovic vence 6-1. Que surpresa!
Agora, a pergunta séria desse artigo: o que é uma partida justa?
Justiça é um conceito-chave da ética. No entanto, se você perguntar a três filósofos o que ela significa, você receberá quatro respostas. Muitos dos nossos debates políticos recentes voltam-se para concepções concorrentes do que é ou não é justo.
- Insider trading: se um vendedor de uma ação sabe algo que o comprador não sabe e nem poderia saber, isso torna a troca injusta?
- Telecomunicações e a “doutrina da justiça”. Se uma estação de rádio critica uma figura pública, os reguladores do governo deveriam exigir, em nome da justiça, que a estação conceda “direito de resposta” a quem se sentiu ofendido?
- Financiamento de campanha: se um candidato político arrecada muito mais fundos que o seu concorrente, a eleição será justa?
Contudo, vamos usar a partida de tênis para mostrar com que frequência apelamos para dois padrões distintos para responder as questões relacionadas à justiça.
O primeiro grupo argumenta: Hicks versus Djokovic – a partida foi muito injusta!
Djokovic é um profissional e Hicks, um amador. Djokovic pratica várias horas por dia enquanto Hicks lê livros na biblioteca. Djokovic é mais jovem, rápido e alto, além de ser mais preciso e forte nas raquetadas. Portanto, Hicks não tinha chances reais de vencer.
O segundo grupo argumenta: Hicks versus Djokovic – a partida foi perfeitamente justa!
Hicks escolheu jogar contra Djokovic e sabe quem ele é. Eles jogaram dentro das regras. Djokovic usou suas habilidades para conquistar pontos e derrotou Hicks de forma limpa. Ele mereceu a vitória.
Agora, vamos abstrair os princípios incorporados aos argumentos dos dois grupos.
O primeiro grupo considera decisivo o fato de que os competidores possuem habilidades desiguais. Habilidades relevantes no tênis incluem: tempo de prática, forma física e habilidades. Como um competidor tem mais e o outro tem menos, a desigualdade fica clara; e a justiça é uma questão de igualdade, então a partida é injusta.
Conclui-se do argumento do primeiro grupo que, para tornar a partida justa, teríamos que igualar as chances de vitória dos competidores por meio do nivelamento das habilidades. Poderíamos prejudicar Djokovic obrigando-o a utilizar pesos nos tornozelos para torná-lo mais lento, ou poderíamos obrigá-lo a jogar somente com a mão esquerda, reduzindo sua precisão. Ou poderíamos conceder a Hicks uma vantagem inicial de pontos ou que a marcação do lado adversário fosse alargada. Alguma combinação desses métodos equalizaria suas chances de vitória e, portanto, tornaria o jogo mais justo.
O segundo grupo toma como decisivo o fato de que as regras foram aceitas pelos dois competidores e aplicadas de forma imparcial, com o competidor de maior habilidade e maior pontuação conquistando a vitória. Justiça é uma questão de igualdade, mas uma igualdade de conhecimento das regras do jogo, da aplicação uniforme das regras e da liberdade de participação ou ausência dos competidores.
Conclui-se do argumento do segundo grupo que o jogo seria injusto se Hicks pudesse inventar as regras no meio do jogo, se o arbitro fosse tendencioso ou subornado por um dos competidores, ou se nenhum dos dois estivesse participando do jogo voluntariamente. Djokovic escolheu praticar tênis e adquiriu habilidades, enquanto Hicks escolheu pensar sobre filosofia; então, ambos obtiveram seus níveis relativos de habilidade. E se é importante para Hicks ter uma chance realista de vencer, então ele pode escolher jogar contra um competidor mais fraco – ou escolher um esporte diferente no qual competir. (Talvez, desafiar Djokovic a um debate brutal sobre conhecimentos filosóficos).
Esportes são atividades metódicas em que aplicamos importantes valores de vida – busca de objetivos, exercício da habilidade, coragem, perseverança, vitória e derrota, além de justiça. Então, são modelos úteis para o ensino de crianças, assim como para o entendimento dos debates sobre justiça nos projetos mais complexos dos adultos.
Por exemplo, se sou um investidor, o conhecimento do valor das empresas é um ativo fundamental. Mas outros investidores, especialmente insiders (de dentro da própria empresa), frequentemente sabem mais sobre essas empresas do que eu. Deveria eu acusá-los de injustiça, proibindo-os de usar seu conhecimento para a tomada de decisões? Deveria eu investir somente nas empresas que conheço – ou investir em outro lugar além da bolsa de valores? Esse é um subdebate sobre a questão do insider trading.
Ou imagine que eu seja uma figura pública que é criticada por um radialista famoso. Nesse caso, “o direito de resposta” é um ativo – mas suponha que o proprietário da estação de rádio não gosta de mim e se recusa a me conceder “o direito de resposta”. Reclamo de injustiça e exijo que ele seja forçado a fazê-lo, ou deveria respeitar o fato de que a rádio é dele e, portanto, pode fazer o que quiser, e que eu posso ir ao vivo na televisão, escrever uma postagem num blog, ou encontrar algum outro meio para falar meu lado da história? Esse é um subdebate das regulações inspiradas na doutrina da justiça.
Ou se eu estiver me candidatando a um cargo político e meu oponente arrecadar muito mais dinheiro que eu, deveria citar injustiça e pedir controles equalizantes sobre quanto dinheiro podem ser doados aos candidatos? Ou devo dizer “parabéns” – e, para ser mais competitivo, investir mais tempo na angariação de fundos porta-a-porta, melhorar o design dos cartazes de campanha e planejar uma melhor campanha de arrecadação de fundos da próxima vez? Esse é um subdebate na questão do reforma campanha de financiamento.
Todas essas questões são claramente complexas, mas a identificação de conceitos divergentes de justiça em nossos debates é uma tarefa fundamental para a resolução das mesmas.
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Publicado originalmente em EveryJoe.
Revisado por Matheus Pacini.
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