À procura de um culpado: a desregulamentação causou a crise financeira

Você já ouviu a afirmação:

a desregulamentação causou a crise financeira”. Nos anos que antecederam a 2008, diz a história, maus economistas convenceram maus políticos a desregularem os setores bancário e financeiro da economia, e maus capitalistas desfrutaram de uma orgia de ganância que fez com que o sistema enlouquecesse.

Os prêmios Nobel Joseph Stiglitz e Paul Krugman concordam com essa história. Krugman, por exemplo, há muito defende o aumento da regulação dos mercados financeiros, e recentemente reclamou no The New York Times que os políticos falharam por não terem ouvido os economistas certos. “O mundo”, diz ele, “estaria em uma situação muito melhor do que está se a política do mundo real tivesse refletido as lições básicas da economia”, e as lições básicas, ele acredita, ensinam que mais controles (e maior gasto governamental) teriam evitado a crise.

Vamos agora para a segunda fase da caça aos culpados pela crise financeira. A primeira tratou da afirmação leviana de que os acadêmicos de livre mercado eram o mainstream da ciência econômica e que, devido a essa autoridade, levaram políticos e reguladores a seguirem suas instruções (ver “Onde estão os economistas de livre mercado que causaram a crise financeira?”). Na segunda fase, vamos analisar o que os políticos fizeram e a trajetória da regulação governamental no período anterior a 2008.

Como é possível dizer se a regulação aumentou ou diminui?

Um método grosseiro é contar o número de páginas no Diário Oficial dos Estados Unidos – publicação diária do governo onde constam todas as regras novas e propostas. Algumas das regras são triviais e algumas têm impacto importante; algumas são propostas e outras, definitivas; algumas são esclarecimentos e outras, novas. De modo cumulativo, todavia, o aumento ou redução do volume de páginas nos diz algo sobre as tendências regulatórias.

Veja abaixo o número de páginas em alguns anos selecionados:

  • Década de 1980: 52,992 páginas / ano
  • Década de 1990: 62,237 páginas / ano
  • Ano de 2005: 73,870 páginas.
  • Ano de 2010: 81,405 páginas

Atualmente, existem dados mais sofisticados, como os disponibilizados pelo surpreendente website RegData. Os cientistas sociais do RegData contam o número de regulamentações, dividem por setor econômico, e tentam separar as menores das maiores mudanças regulatórias (e permitem que você monte suas próprias planilhas). Os dados inequivocamente mostram que o número geral de regulamentações aumentou na década de 1990 e ao longo dos primeiros anos dos anos 2000. Se focarmos somente na regulação do setor financeiro, os dados também mostram um aumento na quantidade de regulação.

Outra medida de regulamentação é quanto o governo federal gasta no desenvolvimento e cumprimento das regras em vários setores: proteção ao consumidor, meio ambiente, energia, segurança nacional e assim por diante. A relação entre o número de normas e o tamanho do orçamento é diretamente proporcional. Então, por cortesia das economistas Veronique de Rugy e Melinda Warren, aqui seguem os gastos do governo federal relacionados aos setores financeiro e bancário da economia (ano base 2000) de 1960 a 2008:

  • 1960: US$190 milhões
  • 1970: US$356 milhões
  • 1980: US$725 milhões
  • 1990: US$1.598 bilhões
  • 2000: US$1.965 bilhões
  • 2007: US$2.065 bilhões
  • 2008: US$2.294 bilhões

Outra medida a ser utilizada é o número de funcionários do governo empregados no desenvolvimento e execução de normas. Os números para os setores financeiro e bancário.

  • 1960: 2.509
  • 1970: 5.618
  • 1980: 9.524
  • 1990: 15.308
  • 2000: 13.310
  • 2007: 11.637
  • 2008: 12.113

Então, algumas perguntas: Quando o suposto número de regulamentações caiu? Quando foram as demissões de reguladores que, tristemente, tiveram que procurar emprego em outro lugar? E quando ocorreram os grandes cortes nos orçamentos das agências regulatórias dedicadas ao policiamento do mercado financeiro?

Não existem respostas: sem elas, a afirmação de que a “desregulamentação causou a crise” não tem força. Então, por que a persistência dessa afirmação apesar do registro histórico?

Parte da explicação é a impulsividade ideológica, é claro. Uma crise acontece, e muitos imediatamente buscam culpados nos seus inimigos políticos: minha teoria diz que eles devem ser responsáveis pelos males do mundo.

Mas a direção da regulação governamental é claramente vertical, então os defensores mais sofisticados da tese de que a ausência de normas causou a crise se voltaram a uma versão mais sutil do meme. Eles concederão que a regulação, como um todo, cresceu, porém afirmam que certas desregulações específicas também ocorreram, e elas causaram o problema.

E o grande culpado é: Glass-Steagall!!!

A lei Glass-Steagall foi parcialmente revogada pelo presidente Bill Clinton em 1999. Joseph Stiglitz, por exemplo, culpa a revogação e diz que isso foi contra os seus conselhos. A Glass-Steagall foi inicialmente promulgada em 1933 para separar bancos comerciais e bancos de investimento. Os bancos comerciais não podiam investir em ações, e os bancos de investimento não podiam aceitar depósitos.

Contudo, a vasta maioria dos economistas e políticas vê a Glass-Steagall como irrelevante à crise. As instituições financeiras que estavam com maiores problemas – incluindo Fannie Mae, Freddie Mac, Bear Sterns, AIG e Lehman Brothers – nenhuma delas teria estado sujeita às provisões da Glass-Steagall. Mesmo o presidente Obama, em reportagem à revista Rolling Stone, concordou que a Glass-Steagall não era relevante no caso.

(E note o modelo intrínseco de funcionamento das economias, se fôssemos pensar que uma revogação parcial da Glass-Steagall fosse a culpada: os burocratas emitem milhares de regulações – mas se eles errarem em uma delas, o sistema irá entrar em colapso).

Nesse ponto, fãs do aumento de regulamentações mudam de opinião. Em vez de culpar a desregulação, eles sugerem que a falta de nova regulação é a culpada. Sim, a quantidade de regulação governamental aumentou antes da crise, eles relutantemente admitiriam, mas a economia cresceu a uma taxa ainda mais rápida e os reguladores não poderiam ou não conseguiriam acompanha-la.

Tal postura levanta um intrigante novo conjunto de questões, e talvez uma analogia ao futebol ou a qualquer outro esporte seja bem-vinda aqui. Suponha que o futebol se torne crescentemente popular e mais jogos e campeonatos sejam realizados. Isso significa que precisamos aumentar o número de regras? Ou que precisamos contratar mais árbitros? Ou uma analogia melhor seria que as pessoas estão inventando novos esportes totalmente novos, os quais requerem novas regras e mais reguladores? Mas isso significa que o governo deveria criar regras para novos esportes? Os jogadores, os times e as associações esportivas não são capazes de fazê-lo?

Todas essas questões são interessantes. Mas note que agora nos afastamos definitivamente da hipótese da desregulamentação, como deveríamos. A desregulamentação significa que práticas existentes foram liberadas. Inovação é quando novas práticas passam a existir. Então, se formos culpar novos instrumentos financeiros pela crise, então deveríamos criticar a inovação em vez da desregulamentação.

Tudo isso importa para nós, como eleitores comuns ou legisladores profissionais, já que a tese da desregulamentação dominou os círculos políticos desde a época em que a crise se tornou aparente, e desde 2008, a quantidade de regulamentações aumentou de forma acelerada. Mas se os dados mostram que a regulação estava crescente no período anterior à crise, então aquela reação política foi incorreta – mal interpretando o problema, desperdiçando milhões de dólares, prejudicando a recuperação econômica e preparando o caminho para algo pior.

E como os dados realmente mostram o aumento da regulação antes da crise, talvez devêssemos considerar algumas sugestões heréticas: talvez todas as regulações causaram o problema. Talvez o controle centralizado seja a mosca na sopa. E talvez – apenas talvez – pedir que políticos e burocratas administrem algo tão complexo como a economia moderna simplesmente seja pedir para ter problemas.

__________________________________________

Publicado originalmente em EveryJoe.

Revisado por Matheus Pacini.

Curta a nossa página no Facebook.

Inscreva-se em nosso canal no YouTube.

__________________________________________

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Inscreva-se na nossa Newsletter