“O “bem comum” de um coletivo, de uma raça, uma classe, um estado, foi a reivindicação e a justificação de todas as tiranias já criadas. Todos os grandes horrores da história foram cometidos em nome de uma motivação altruísta.” (página 905)
Ayn Rand (1905-1982) nasceu em São Petersburgo, Rússia, mas emigrou para os Estados Unidos em 1926. Foi escritora, roteirista, dramaturga e filósofa. Embora polêmica, foi bastante influente nos EUA. Seus pensamentos surgiram em uma época em que ideias coletivistas ganhavam força em diversos países. Defendeu arduamente a nocividade dessa ideologia, apoiando o indivíduo contra o Estado.
Após algumas produções, sua fama foi alcançada com a publicação de “A Nascente” em 1943. Já sua obra mais conhecida, “A Revolta de Atlas”, foi publicada em 1957. Como filósofa, defendia a razão como forma de adquirir conhecimento.
Para escrever “A Nascente” a autora estudou bastante e se preparou por anos. Fez extensas pesquisas sobre arquitetura, que é o pano de fundo do livro. Embora publicada em 1943, a obra é bastante atual.
Ao longo do romance, muito rico em detalhes, são apresentados personagens com características bastante distintas. Suas vidas são interlaçadas na trama. Vejamos os que intitulam as quatro partes da obra.
Nosso grande herói é Howard Roark, um arquiteto inovador. Personagem que nos mostra como o homem deve ser: a razão de si mesmo (autosuficiente e autoconfiante). Roark é livre e vive para si. Embora não seja compreendido pela sociedade, obtém êxito em seu objetivo de vida justamente pois não se deixa levar pelo que os outros pensam. Não há nada que possa atingi-lo, já que entendeu como o mundo é, o que facilita sua missão. Não se importa com o que sente, mas apenas com o que faz, já que seu objetivo é a felicidade e sua razão produtiva. Vive em conflito com todos, mas em paz consigo mesmo. Tem uma “vida de primeira mão.”
Da forma oposta de se viver, temos Peter Keating. O personagem expressa tudo que o homem não deve ser. Egoísta, antiético, manipulador e sem princípios, sacrifica seus valores e sentimentos com o objetivo de alcançar o que, para ele, é uma grande carreira como arquiteto. Vive pelo reconhecimento social e faz o que for preciso para obter aprovação. Não inova. Limita-se a copiar o passado. Tem uma “vida de segunda mão”.
Outro estilo de vida apresentado é o de Ellsworth M. Toohey, caracterizado como crítico respeitado pela sociedade, que o tem como um homem de grandes princípios, tanto intelectuais quanto morais. Entretanto, Ayn Rand nos mostra como o personagem usa essa “moral social” para se tornar um vilão, que defende o coletivismo para obter controle sobre as pessoas. Como Toohey é mediano e não consegue se destacar por mérito próprio, procura influenciar os outros com suas ideias, destruindo aqueles que realmente são bons e têm capacidade de se destacar positivamente na sociedade. Também é um homem de “segunda mão”. É o extremo moral do personagem de Roark.
Já Gail Wynand, personagem de origem pobre, batalhou desde pequeno para sobreviver e conseguir poder sobre as pessoas. Se tornou um grande editor e proprietário de diversos canais de comunicação, meio pelo qual procurou governar as massas dizendo o que elas queriam ouvir. Quando resolveu manifestar suas próprias ideias, não obteve êxito no controle social.
Aynd Rand busca mostrar em sua obra que existem pessoas com “vidas de primeira mão” e outras com “vidas de segunda mão”, o que fica bem explicado pelo próprio Roark no julgamento do caso “Cortlandt”.
As pessoas com “vidas de primeira mão” vivem para si mesmas e não necessitam da aprovação das demais. São realmente livres. Preocupam-se com o que fazem. São essas pessoas que trazem avanços para a sociedade que, por sua vez, não tem capacidade para reconhecer isso e opta por ridicularizá-las e excluí-las.
Conforme dito por Roark (página 899), “um homem descobriu como fazer o fogo. Ele provavelmente foi queimado na estaca que ensinara seus irmãos a acender. Foi considerado um malfeitor que negociara com um demônio temido pela humanidade. Mas, depois disso, os homens tinham o fogo com que se aquecer, com que preparar seus alimentos, com que iluminar suas cavernas.”
O criador não é motivado pelo desejo de servir aos demais. A motivação é sua própria verdade e seu próprio trabalho. Não renuncia ao próprio eu. É autosuficiente (sua fonte de energia). Seu cérebro é sua arma. Vive para sua obra. O criador precisa ser independente. Suas ideias não podem ser subordinadas a considerações alheias. As relações com os homens são secundárias.
Já as “vidas de segunda mão” são dos parasitas que se alimentam das mentes das outras pessoas. Não criam nada, mas tentam se sobrepor na sociedade por meio da mente alheia. Enquanto o criador se interessa com a conquista da natureza, o parasita almeja a conquista dos homens. O parasita precisa dos outros que, por sua vez, viram sua motivação primária.
As pessoas que vivem de segunda mão precisam ter laços com outros homens para serem alimentadas. Por isso, defendem as relações humanas em primeiro lugar, pregando o altruísmo de que o homem existe para servir aos outros. Essa é a base da exploração usada para inverter valores da humanidade.
A autora traz uma grande crítica ao afirmar que “aos homens foram ensinados todos os preceitos que destroem o criador. Aos homens a dependência foi ensinada como virtude.” (página 902). Segue criticando no sentido de que aos homens foram ensinados a concordar como virtude, mas o criador é o que discorda. Foram ensinados que a união é uma virtude, mas a pessoa solitária é a criadora. Foram ensinados que ego é sinônimo de mal, mas o criador é egoísta na forma absoluta da palavra.
Para Ayn Rand (página 903), “a reversão básica é a mais fatal de todas. A questão foi pervertida, e ao homem não restou alternativa, e tampouco liberdade. Como pólos de bem e de mal, ofereceram-lhe duas concepções: o egoísmo e o altruísmo. O egoísmo foi definido como sacrifício dos outros a si. O altruísmo, como o sacrifício de si aos outros. Isso prendeu o homem irrevogavelmente aos outros homens, não lhe deixando nada a não ser uma escolha entre sofrimentos: seu próprio sofrimento suportado em prol dos outros, ou infligir sofrimento aos outros em prol de si mesmo. Quando acrescentou-se que o homem deve buscar alegria na auto-imolação, a armadilha ficou completa. O homem foi forçado a aceitar o masoquismo como seu ideal, sob a ameaça de que o sadismo era a única alternativa. Essa foi a maior das fraudes já perpetradas sobre a humanidade.”
De forma brilhante, Rand nos mostra o mundo em que a mediocridade ganha apoio popular em desfavor daqueles que trazem avanços. Para ela, o homem deve viver em conformidade com seus valores, único meio para atingir a felicidade, que é o propósito da vida. Nos relacionamentos não deve haver sacrifício de uma parte à outra. O êxito de Roark expressa sua lição de que o homem deve seguir seus princípios de forma independente, mesmo diante de fortes correntes contrárias.