A era do ‘selfie’ e o egoísmo sem um ego

No último final de semana, Kim Kardashian estava fazendo propaganda – e, de fato, a única coisa que ela faz – de seu último livro de selfies, os autorretratos pelos quais ela é conhecida.

O título do livro? Egoísta.

Estou perplexo, mas, provavelmente, não pelas mesmas razões. Eu não estou pensando: é óbvio que ela representa o egoísmo. Essa é a análise conversadora padrão desse tipo de fenômeno: ele representa o engrandecimento do ego, a “religião do ego”. Pelo contrário, penso exatamente o oposto: qual é a evidência de um “ego”? Há um aspecto irônico no título do livro, o qual, provavelmente, Kim não tem a capacidade de perceber. Ele implica que o seu ego, sua identidade pessoal, é tão importante, criativa ou infinitamente fascinante que necessita 448 páginas de contemplação – o que é um absurdo.

A única coisa realmente interessante sobre Kim Kardashian não é ela própria, mas o fenômeno social que lhe tornou famosa. Ela foi uma das primeiras a descobrir que você não precisa ser famoso por alguma coisa. Ela não ficou famosa por seu talento; ela não é atriz, cantora ou dançarina. Ela não ficou famosa por sua inteligência ou competência; ela não descobriu uma nova teoria, inventou um novo produto, ou abriu um novo negócio. Ela não ficou famosa por sua criatividade; ela não se tornou artista, escritora ou chef. Ela não ficou famosa por sua família ou riqueza; o nome Kardashian estava, no máximo, no rodapé da história; e ela ganhou mais dinheiro buscando fama do que a sua família jamais poderia ter dado a ela.

Ela não é famosa exatamente por sua aparência; ela não é uma supermodelo e não se destaca por elegância e sofisticação. Ela tem alguns ativos (dois dos quais ficam explícitos na capa de seu livro) que são de interesse do sexo oposto, porém exagerados a ponto de se tornarem cômicos. Mas jovens atrizes e socialites existem aos montes atualmente. Longe de mim reclamar disso – não há nada errado em ser atraente – mas isso não explica porque ela é mais famosa do que as outras.

Não, Kim Kardashian é produto de um novo fenômeno, a exaltação de nossa cultura da celebridade. Ela é famosa por ser famosa. É fama sem conteúdo. Por que deveríamos prestar atenção a Kim Kardashian? Pois os outros estão fazendo isso.

É como um enigma filosófico do solipsismo: uma mente contemplando nada além de si própria. Mas, se não há nada fora dela mesma a ser observado, em que ela poderia estar pensando?

Antes que você possa ser famoso por algo, você tem de adquirir um talento, uma habilidade ou uma nova ideia, o que, normalmente, exige muito trabalho duro e monótono – prática, estudo, várias tentativas fracassadas – que se dá longe do brilho das câmeras. Esse trabalho demanda muito tempo dedicado não à aparência, ao cansaço ou a sentimentos de vergonha caso as coisas não deem certo. (Esse é o motivo, a propósito, porque prefiro a cultura da celebridade de um show como Dançando com as estrelas, que leva celebridades com as quais não me importo e me faz gostar delas ao sujeita-las ao trabalho duro de aprender uma nova habilidade.)

Empregar tempo e trabalho não significa ignorar o seu ego. Pelo contrário: esse é o processo de construção de seu ego. O ego é construído ao adquirir conhecimento, ao aprender habilidades, ao fazer julgamentos, ao tirar conclusões, ao fazer escolhas e ao realizar coisas difíceis.

Se você não passar por esse processo, pelo esforço de criar seu próprio ego, mas apenas ficar à deriva, deixando o mundo encher a sua cabeça com qualquer coisa, você acabará buscando outras pessoas para preencher esse vazio. O que nos leva à moderna cultura do selfie. O selfie, como usado por Kardashian em seu livro, não diz respeito ao “ego”, mas sim à audiência e às pessoas para quem você o está enviando. Ele diz respeito à tentativa desesperada de obter a atenção dos outros, na esperança de que isso lhe torne valioso, isto é, provando que existe algo valioso em você.

Em resumo, a vaidade superficial, os ciúmes mesquinhos, a busca pela fama – tudo isso é evidência, não da afirmação – mas da ausência – do ego.

Ayn Rand, que defendeu a “virtude do egoísmo”, desmascarou essa versão falsificada de egoísmo. Em A nascente, ela ridicularizou a cultura da celebridade da década de 1930 de uma forma que parece profundamente profética da cultura da celebridade atual. Os Kardashians do mundo, obcecados pelo selfie me fazem lembrar de Peter Keating, o conformista definitivo que faz esquemas para chegar à fortuna pela adoção da última moda, sendo o que as outras pessoas querem que ele seja.

Ayn Rand chamou posteriormente essa postura de “egoísmo sem um ego”, uma tentativa exagerada de proclamar o valor de seu próprio ego para compensar a ausência de qualquer coisa que, de fato, o torne valioso. E essa foi a primeira frase que passou pela minha cabeça quando vi o nome do novo livro de Kim Kardashian.

Recentemente, um repórter me perguntou como ateus como eu são capazes de trabalhar junto com conservadores em causas comuns. É óbvio que podemos trabalhar juntos em questões comuns como a liberdade de expressão (veja o ataque de Garland) e a liberdade religiosa. Mas complementei que também podemos concordar em certos aspectos de que a nossa cultura realmente precisa ser reformada e elevada. Como disse, todos nós podemos nos unir contra os Kardashians.

Mas é importante entender a causa subjacente da qual a cultura moderna é apenas um sintoma. O problema não é ter um grande ego; o problema não é ter muito conhecimento, muitos valores ou muita integridade. O problema é, sim, ter um ego pequeno – e todas as vaidades e trivialidades que nos movem – como folhas ao vento – quando isso acontece.

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Publicado originalmente em The Trancinski Letter.

Traduzido por Matheus Pacini.

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