Qual é a mensagem principal de “Cântico”?

O romance Cântico, escrito por Ayn Rand e publicado pela primeira vez em 1938 na Inglaterra, nos leva a conhecer uma realidade distópica, na qual o conceito de individualidade foi extinto, e a sociedade narrada vive de acordo com a premissa de que a única justificativa para a existência do homem é servir aos outros, ou seja, o autossacrifício e o altruísmo são os seus maiores deveres.

Nessa sociedade apocalíptica, onde o Estado determina o que cada homem deve ser e fazer, não existe a possibilidade de diferenciação do indivíduo (na verdade, o indivíduo em si não existe, com a abolição até mesmo do pronome em primeira pessoa do singular – “Eu”). Isso implica que nenhum ser humano pode ser considerado especial, único ou brilhante. Logo, sentimentos naturais como amizade e amor são proibidos, pois qualquer um destes implicaria afirmar que um indivíduo é mais especial e importante do que os seus semelhantes.

Esse controle do Estado sobre o homem e consequente aniquilação da criatividade individual fez com que a sociedade descrita em Cântico negasse a racionalidade e se apegasse ao misticismo (as pessoas sentiam que cometiam um pecado ao pensarem diferente daquilo que fora imposto como verdade absoluta por um conselho de sábios, acreditavam que o sol girava em torno da Terra que era plana e vivenciavam a ameaça de uma “Floresta Desconhecida”, a qual ninguém visitava por medo de feras nunca vistas). A curiosidade individual era um pecado, assim como ser melhor ou superior aos outros homens (seja intelectual ou fisicamente), o que obrigava a todos um nivelamento por baixo (pune-se alguém por ser bom em algo). A consequência disso é o atraso tecnológico (não existe energia elétrica e as pessoas ainda vivem na idade da vela).

É neste mundo que vive a personagem principal desta distopia, Igualdade 7-2521, um jovem que desde sua mais tenra memória recorda-se de não se sentir parte da sociedade em que vive, de ter curiosidade, de gostar de aprender e estudar coisas além do que lhe obrigavam a aprender. Mas, no mundo em que Igualdade 7-2521 vive, isso é inaceitável, o que faz com que ele mantenha um conflito interno entre respeitar as regras do sistema a ele impostas e querer dar vazão a sua curiosidade e criatividade.

Ayn Rand utiliza esse mundo distópico para mostrar a arbitrariedade e a opressão que um sistema coletivista traz. Isso fica evidenciado no momento em que o futuro de Igualdade 7-2521 é decidido por um “Conselho de Vocações”, determinando que ele seja para o resto de sua vida um varredor de rua, enquanto o seu sonho era ser um cientista.

Por mais que o sistema e o governo da sociedade em que vive Igualdade 7-2521 tenham sido bem-sucedidos em destruir a consciência individual, não conseguiram destruir o livre-arbítrio e, por consequência, a vontade do homem em buscar aquilo que considera lhe trazer felicidade. Foi isso que permitiu à Igualdade 7-2521 naturalmente experimentar o que lhe proibiam, como ter um amigo (sua relação com Internacional 4-8818) e amar outra pessoa mais do que todas as outras (sua paixão por Liberdade 5-3000).

Além dos sentimentos de amor e amizade, durante sua jornada para se tornar o herói de Cântico, Igualdade 7-2521 vence o medo que imperava em todos e permite que sua curiosidade e ambição floresçam. Com isso consegue se libertar dos grilhões que o culto do coletivismo havia lhe imposto desde seu nascimento. Nesse momento derradeiro, Igualdade 7-2521 (juntamente com Liberdade 5-3000) descobre a consciência do indivíduo e que lhe é permitido ir em busca da sua felicidade, de ter sua propriedade, escolher seus amigos e amar a quem quiser, ou seja, descobre a liberdade.

Desde o lançamento de Cântico, a humanidade evoluiu na construção de um mundo onde a individualidade é incentivada, a liberdade e o direito da propriedade são mais respeitados. Isso pode ser observado com alguns exemplos:

  • democratização na comunicação de dados e acesso à informação (com impacto direto na capacidade de as pessoas exercerem seu direito à liberdade de expressão);
  • estabelecimento de um ecossistema de empreendedorismo que beneficia a criatividade individual na busca de soluções para problemas e que fez surgir a Nova Economia (que propicia mais liberdade nas relações de trabalho com aplicativos como Uber, IFood, entre tantos outros);
  • tecnologias específicas como bitcoin e blockchain que diminuem a dependência do indivíduo a governos, por substituírem tarefas que antes eram consideradas exclusivas do Estado, como por exemplo a gestão e criação de moedas.

Ayn Rand possuía propriedade para escrever sobre uma sociedade que destruiu o conceito de individualidade, afinal ela nasceu na Rússia em 1905, presenciou a Revolução de 1917 e emigrou para os Estados Unidos apenas em 1926. Se não bastasse a experiência própria com os males causados por uma doutrina coletivista como o Comunismo, nos anos anteriores à publicação de Cântico, Ayn observou a expansão de outras ideologias coletivistas como o Nazismo e Fascismo, e, por meio de sua obra, buscou alertar e conscientizar a sociedade do perigo do discurso coletivista.

Se, inegavelmente, a humanidade avançou no respeito à individualidade, o alerta de Ayn Rand precisa continuar a ser feito, pois sempre existirão forças e ideologias coletivistas buscando transformar o indivíduo livre em um ser sem vontade própria, com o argumento de que o bem maior deveria ser a felicidade coletiva. Basta abrirmos as páginas dos jornais para vermos manchetes do que está ocorrendo em cidades chinesas como Xangai (1), onde o Estado arbitrariamente está obrigando pessoas a largarem suas casas para transformar apartamentos em centros de quarentena, sem respeito nenhum ao indivíduo ou à propriedade.

Cântico é uma ode à defesa da liberdade, e defendê-la é um trabalho constante, para que não se percam os avanços conquistados e se evite a escuridão da distopia do mundo em que vivia Igualdade 7-2521.

(1) https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61122414

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Revisado por Matheus Pacini.

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