MMT – o pós-modernismo na Economia

Conhecimento é uma totalidade integrada. Evadir um fato é introduzir uma contradição na consciência do indivíduo que, se não for abordada, necessariamente gera mais contradições, culminando na desintegração total do mecanismo cognitivo e avaliativo desse indivíduo[1].”

Essa frase de C.M. Sciabarra ilustra a natureza de qualquer sistema de ideias que permite a existência de contradições: inevitavelmente, mais contradições devem ser aceitas para que se sustente a contradição inicial. A manifestação prática disso é a tendência de qualquer movimento intelectual de natureza irracional a dar origem a versões ainda mais irracionais de sua própria teoria.

Nas artes plásticas, a rejeição do realismo no Impressionismo de Degas e Monet, apesar de produzir belas obras de arte, abriu um precedente filosófico que possibilitou o irracionalismo no Expressionismo de Kandinsky e no Cubismo de Picasso, movimentos que, por sua vez, abriram espaço para escolas completamente irracionais, como o Dadaísmo e a “Arte” Conceitual. Na política, a social-democracia, um modelo misto entre capitalismo e socialismo, tende a se tornar cada vez mais autoritário, pois essa é a única forma de manter o regime funcional apesar do crescente déficit econômico, como demonstrado brilhantemente por Gianluca Lorenzon[2]. Mas e na Economia, essa máxima se mantem?

Recentemente, a Modern Monetary Theory (Teoria monetária moderna, ou MMT) vem ganhando visibilidade nos EUA, tanto na mídia quanto na academia, o que indica que, possivelmente, ouviremos falar cada vez mais dela no Brasil. Como veremos adiante, essa teoria não é nova, mas apenas o resultado natural dessa tendência irracional na economia positivista ortodoxa.

Desenvolvida por autores como Warren Mosler (1949) e Bill Mitchel (1952), a MMT consiste em negar a necessidade do equilíbrio do orçamento público (contas públicas), relegando a moeda à simples função de instrumento social de contabilidade e política pública. Para melhor entender a teoria – e seus princípios subjacentes – é necessário ter em mente duas visões distintas sobre a natureza da moeda: o chartalismo e o metalismo.

Chartalismo vs Metalismo

Cunhado por Georg Friedrich Knapp (1842 – 1926) em sua obra The State Theory of Money (A teoria estatal da moeda), o chartalismo consiste na crença de que a moeda é essencialmente um instrumento legal, criado pelas tentativas de diferentes estados de controlar a atividade produtiva do mercado. De acordo com Knapp, o valor da moeda não advém de seu valor como commodity, mas de sua função como meio de pagar impostos, com lastro na lei.

Apesar de sua visão construtivista[3], o chartalismo – do latim charta ou papel – proposto por Knapp não rejeita por completo a ideia de moeda commodity[4], mas vê o seu uso de forma independente do Estado como uma consequência tardia e problemática do desenvolvimento econômico. A teoria propõe que o uso de moeda de forma independente do Estado só se torna possível numa sociedade após o Estado introduzir e sistematizar o uso da moeda em transações, e a considera uma fonte de crises econômicas.

Apesar de não ter sido adotado em sua forma pura, o chartalismo influenciou diversas escolas de pensamento econômico, do marxismo, passando pelo keynesianismo e pela ortodoxia positivista[5]. Tanto Marx como Keynes, para não citar o seu professor universitário médio de Economia, veem a moeda como um instrumento de política pública, cujo valor pode ser manipulado para que os “níveis ideais”[6] de emprego e produção possam ser atingidos. Todos esses autores, porém, percebem que existe a necessidade de que o Estado mantenha a ilusão de solvência financeira para que a sociedade tenha um mínimo de confiança na moeda.

No lado oposto da teoria monetária, há o metalismo. Ao contrário do que o nome sugere, o metalismo não é a crença de que as moedas deveriam ser feitas de metal, mas sim de que a moeda é, em essência, uma criação espontânea do mercado através das ações independentes de indivíduos. Apesar de a “visão clássica” com respeito à moeda remontar àté Herodotus de Halicarnassus (484 A.C. – 425 A.C) e ao pensamento grego de forma geral, seus proponentes modernos se restringem à Escola Austríaca e, de forma bastante atenuada, aos monetaristas[7].

Assim como os chartalistas não ignoram a existência de moedas metálicas independentes do Estado, os metalistas não ignoram a existência de moedas fiduciárias ou fiat, vendo a commodity como a forma original – e, em muitos casos, ideal – de moeda. Para autores como Menger e Friedman, a moeda se origina de forma espontânea como commodity, mas a ação do Estado gera diversas alterações no mercado monetário, que são um campo importante de estudo.

Mas qual dessas duas visões sobre a moeda está correta? Se tratamos a teoria como instrumento para prescrever o melhor curso de ação a ser tomado, a resposta, como mostrarei adiante, é o metalismo. Se tratamos a teoria como instrumento para descrever e analisar a natureza de diferentes sistemas monetários, a resposta é, surpreendentemente, as duas. Para entender melhor essa situação confusa, é necessário entender parte da teoria de F. A. Hayek (1899 – 1992).

F. A. Hayek: kosmos e taxis

Em Direito, legislação e liberdade, F. A. Hayek discute o conceito de ordem, de forma geral, e de ordem social, de forma específica. O autor retoma uma antiga distinção grega entre kosmos e taxis. Kosmos denota o tipo de ordem natural e espontânea que resulta da interação independente entre diversas entidades e pode ser identificada, no contexto social, na organização do mercado e da lei[8]. Taxis, por outro lado, denota a ordem construída propositalmente por uma entidade central e superior, e pode ser encontrada na organização da legislação e das hierarquias militares.

Essa distinção é analisada a fundo por Hayek ao longo de três volumes e, infelizmente, é impossível tratar dela de forma extensa no presente artigo. Para o contexto dessa análise, é necessário apenas que o leitor perceba como, quanto mais livre é uma sociedade, mais ela se organiza predominantemente como um kosmos. Na via oposta, quanto mais autoritária uma sociedade, mais ela é organizada como uma taxis.

Indivíduos livres, por definição, não são coagidos a se comportar da maneira ditada por planejadores centrais. Uma sociedade de indivíduos livres, portanto, é moldada essencialmente pela interação livre e espontânea entre os diversos indivíduos, com a taxis restrita apenas ao funcionamento do Estado e de empresas[9], onde obrigações legais e contratuais impõem uma certa estrutura pré-definida. Por outro lado, uma sociedade autoritária é assim porque há uma autoridade com o poder de estabelecer, de forma centralizada e arbitrária, a forma pela qual os indivíduos irão se associar.

Trazendo a abstração para um nível mais concreto, um mercado livre de batatas consiste de diversos agricultores, transportadores, revendedores, certificadores e afins relacionando-se da forma que consideram mais lucrativa, sujeitos apenas a restrições legais básicas – um kosmos. A produção de batatas em um regime totalitário, por outro lado, é premeditada por um grupo de planejadores centrais que criam diretrizes a serem seguidas pelos servos do regime ao longo de toda a cadeia produtiva – uma taxis.

Historicamente, a moeda surgiu como commodity, possuída de forma coletiva pela tribo ou bando, que era utilizada para comerciar[10] com outras tribos ou bandos, sem que o indivíduo tivesse qualquer tipo de direito de propriedade. Esse misto de kosmos, na medida em que não há autoridade mediando as interações entre os dois grupos, e taxis, na medida em que as relações sociais dentro da tribo são organizadas de forma autoritária pela tradição e personalidades políticas[11], deu origem a um sistema monetário que se encaixa parcialmente tanto no modelo chartalista quanto no modelo metalista. Por essa forma mista de pensar a moeda, duas tradições distintas se desenvolveram.

A tradição grega, retomada pela Renascença Italiana, o Iluminismo Britânico e os pais fundadores dos Estados Unidos, consiste em usar a commodity mais comercializável da economia como uma reserva de valor independente de qualquer autoridade política, emancipando o indivíduo do Estado, ao menos no que se refere à estrutura produtiva. O resto do mundo[12], dos impérios asiáticos à Europa continental, desenvolveu o uso de moeda fiat, emitida pelo Estado e lastreada por seu poder coercitivo, tanto na forma do curso legal, quanto na imputação de valor por meio da capacidade de pagar impostos. A moeda, nesse último caso, é uma forma de contabilidade estatal – uma forma de atribuir “poder econômico” a diferentes agentes, de acordo com as intenções do governante.

Com essa diferença em mente, é possível perceber que o chartalismo e o metalismo não são exatamente visões sobre moeda, visto que ambas se propõem a explicar o funcionamento dos dois tipos de moeda, e ambas acertam parcialmente em sua análise histórica. Chartalismo e metalismo são, essencialmente, visões sobre a organização da sociedade de forma geral, e sobre o papel da moeda na organização social. Para esclarecer a diferença, vale a pena contrastar os sistemas monetário e político de um país livre com o de um país escravagista.

Escravidão brasileira e liberdade americana

A história monetária brasileira é uma ótima amostra da capacidade humana para fraude. As primeiras expedições portuguesas praticavam a forma mais primitiva de troca com os diversos povos indígenas: escambo, com a constante ameaça de violência de ambos os lados. Porém, quando a posição da Coroa se solidificou no país após o fim da União Ibérica no século 17, o Brasil passou a adotar o perverso sistema monetário português.

Como expõe José Julio Senna (1946) em Os parceiros do rei: “… em Portugal não se repartia o poder político, tampouco o poder econômico. Ambos tinham uma fonte única, perfeitamente identificável.” Apesar de ainda utilizar o ouro e a prata, a Coroa Portuguesa costumava “quebrar a moeda”, isto é, expandir a sua base monetária utilizando o metal disponível para emitir moedas de menor conteúdo metálico, com o mesmo valor nominal. Por conta disso, a nação se organizava em um regime monetário fiat, apesar do conteúdo metálico das moedas.

O trabalho da primeira casa da moeda, estabelecida em Salvador em 1694, consistia simplesmente em remarcar as moedas metálicas de acordo com as diretrizes da Coroa, de forma a suprir as grandes cidades litorâneas com moeda o suficiente para manter o comércio fluindo com a metrópole. A moeda era propriedade da Coroa, tinha seu valor definido pela Coroa, e era usada para comerciar com a Coroa – essencialmente, um instrumento de contabilidade para a relação colônia-metrópole.

Uma exceção notável que ilustra o ponto deste texto é Minas Gerais. Após a descoberta e subsequente exploração de ouro na região mineira, seu uso de forma ilegal e sem demarcação da Coroa, assim como a virtual inexistência da escravidão na região, possibilitaram o crescimento de um mercado interno relativamente prolífico. Esse pequeno surto de liberdade, porém, foi uma breve anomalia na história brasileira.

Após a mudança da Coroa para o Rio de Janeiro em 1808, o sistema monetário se mostrou incapaz de suprir as demandas da nova economia, levando Dom João VI  a comprar moedas espanholas e, posteriormente, a fundar o Banco do Brasil, iniciando a tradição do papel-moeda de curso legal. As ações do rei ilustram a essência da política monetária brasileira até os dias de hoje: utilizar uma moeda fraudulenta baseada em dívida pública como forma de controle econômico por parte da elite política, buscando credibilidade na manutenção de uma reserva de moeda estrangeira. Enquanto no Brasil o modelo chartalista funcionou como um dos diversos instrumentos de dominação da Coroa, o sistema monetário americano surgiu justamente como um instrumento de defesa contra os arbítrios dos governos estaduais e federal.

Durante a Revolução Americana, o Congresso Continental começou a imprimir um papel moeda conhecido como Continental, visando financiar a guerra. Ainda durante a guerra, momento em que a organização social era primariamente uma taxis, os problemas do papel moeda já se mostravam aparentes, com os Britânicos recorrendo à falsificação em massa do continental como estratégia de guerra. Após o fim da guerra, porém, quando os EUA se estabeleceram como uma sociedade livre – um kosmos – a desvalorização intensa do continental, devido à expansão descontrolada de crédito por parte das diversas autoridades monetárias, tornou-a insustentável. Hoje em dia, essa experiência ainda é lembrada por um dito popular: se algo não tem valor, diz-se que “não vale um continental”.

Após a guerra, o Congresso estabeleceu o dólar como moeda nacional, visando justamente estabelecer limites ao gasto governamental, e garantir uma reserva de valor para o indivíduo. Ao contrário da moeda brasileira, o intuito do dólar era justamente não ser manipulável, razão pela qual o Coinage Act de 1792 estabeleceu um peso específico de ouro para a moeda, que poderia flutuar em relação à prata e qualquer outra moeda. Originalmente, o sistema monetário americano era tão livre e metalista que moedas estrangeiras como o peso espanhol tinham curso legal, desde que tivessem o conteúdo metálico apropriado.

Com a exceção de breves períodos de crise, quando os governantes tentaram, sem sucesso, estabelecer uma paridade forçada entre o ouro e a prata[13], a moeda americana seguiu estável até o começo do século 20. Após décadas importando a filosofia alemã, parte das elites política e intelectual americana concluiu que a moeda metálica trazia consigo um “problema” incontornável: ela impossibilitava a implementação dos mecanismos estatais de engenharia social com os quais o movimento progressista (do qual tratamos mais a fundo nesse artigo) sonhava.

Justamente por conta de seu mérito como instrumento de manutenção da liberdade econômica do indivíduo, a instituição da moeda metálica começou a ser destruída com a crise bancária de 1907. Após a expansão desenfreada de crédito por bancos desonestos – como o Knickerbocker Trust Company – resultar em graves crises financeiras, o governo americano escolheu punir não os bancos irresponsáveis com a própria falência -mas sim os bancos competentes – através da criação do Federal Reserve System (FED). O Fed foi fundado em 1913, com a missão de ser o regulador e o financiador de última instância, permitindo “maior flexibilidade” no funcionamento dos bancos e nas contas do governo – especificamente, a flexibilidade de gastar mais do que é produzido e redistribuir os custos para a sociedade. 

Não por coincidência, os EUA entraram de forma controversa na primeira guerra mundial quatro anos depois da criação do FED. É fácil imaginar como, se apresentada com o real custo da guerra na forma de impostos, a população se mostraria mais hesitante em participar de uma guerra do outro lado do oceano. Graças ao FED, os custos da guerra puderam ser mascarados até 1929, quando a dívida pública resultou na maior catástrofe financeira até então. Culpando o capitalismo e o lastro em ouro pela crise, como um suicida que culpa o chão por sua morte após saltar do topo de um prédio, a parca relação dólar-ouro foi se deteriorando cada vez mais, sendo extinta na década de 1930 com o New Deal de Roosevelt. Desde então, os EUA adotam um regime monetário fiduciário e fiat, que resulta em crises econômicas cíclicas.

Do positivismo ao pós-modernismo

Se a informação histórica é ampla e suficiente para que se percebam os efeitos práticos da adoção do chartalismo, por que diabos essa forma de pensar está se tornando popular novamente? A resposta para essa pergunta é apenas uma: a natureza expansiva da contradição em um corpo teórico.

De Léon Walras a Paul Krugman, passando por David Ricardo, John M. Keynes, Paul Samuelson, Robert Lucas e Milton Friedman, todos os autores que fundamentam a maioria dos cursos de Economia ao redor do mundo compartilham uma crença fundamental: é dever do Estado manter os níveis ideais de produção e emprego através das políticas fiscais e monetárias apropriadas. Apesar de suas diversas discordâncias superficiais, todos os autores ortodoxos adotam o coletivismo como premissa ética e metodológica, aceitando como normal a ideia de que a propriedade do indivíduo pode, e deve, ser violada em nome do bem comum.

Apesar de implícita, a nomenclatura utilizada pela economia positivista deixa clara a filosofia por trás da teoria. Indivíduos que se recusam a investir em títulos fraudulentos estão “entesourando” riqueza, e contribuindo para um estado de “armadilha de liquidez”. A inflação é definida não como a expansão fraudulenta de crédito pelo Estado, mas como a reação natural dos agentes econômicos ao aumento dos preços em uma moeda que perdeu seu valor. O lastro em ouro é considerado um problema justamente porque impede o gasto público desenfreado, impedindo assim as medidas “necessárias ao desenvolvimento econômico”. Sim, a ortodoxia chartalista considera a moeda honesta problemática precisamente pelo fato de ela ser honesta.

A contradição fundamental que possibilita o crescimento da MMT tem a ver com a necessidade de solvência do Estado. Se a moeda deve ser lastreada na dívida pública, garantindo ao Estado a capacidade de não decretar falência, e se a injeção artificial de moeda na economia contribui para o emprego e a produção, porque impor um limite à impressão de moeda? A resposta positivista é “porque após um certo patamar, a sociedade irá parar de responder aos estímulos monetários” – o que essa resposta realmente quer dizer é “porque para que as pessoas continuem investindo em um mercado fraudulento, o governo precisaria se tornar ainda mais autoritário”.

A filosofia positivista (da qual tratamos a fundo nessa série de textos) é coletivista, relativista, altruísta e autoritária. Apesar disso, há uma influência aristotélica que leva os positivistas a respeitarem, ainda que pouco, a lógica, a vida humana e a realidade objetiva – a filosofia kantiana moderna, base da MMT, não tem nenhum pudor em rejeitar os três. Se questionado sobre a crise concreta na qual suas ações podem acarretar, a resposta típica do positivista é algo vago como “a sociedade irá arcar com os custos, se organizar, e alterar o sistema monetário de forma a acomodar as novas circunstâncias”. A resposta kantiana é “não haverá crise, pois não há realidade”. Ao rejeitar completamente a realidade objetiva, o método lógico e o valor da vida humana, a TMM se blinda contra as contradições intrínsecas à economia positivista da mesma forma que um assassino se blinda contra o remorso de um mero roubo.

É importante que o leitor compreenda os princípios por trás da economia positivista ou “moderna”, bem como de qualquer outra teoria econômica para que possa entender e se blindar contra os efeitos práticos de sua aplicação. Afinal de contas, se a propriedade e a liberdade do indivíduo não são relevantes para a análise econômica, não há nada mais eficaz em gerar emprego do que o modelo russo e chinês de escravizar a própria população – e é exatamente em direção a esse regime que a economia positivista, e suas evoluções progressivamente menos racionais, irão nos levar.

_________________________________________

Revisado por Matheus Pacini.

Curta a nossa página no Facebook.

Inscreva-se em nosso canal no YouTube.

__________________________________________

[1] SCIABARRA, Chris Matthew. Ayn Rand: The Russian Radical, p. 245 – Tradução Livre.

[2] Em Ciclos fatais: socialismo e direitos humanos, Gianluca Lorenzon explica, de forma sólida e sucinta, como todo regime econômico socialista, mesmo que inicialmente brando, inevitavelmente se torna mais autoritário e violento.

[3] F. A. Hayek define o construtivismo como a associação entre ordem e premeditação. Para o autor, a falácia construtivista consiste em assumir que estruturas que seguem uma determinada ordem foram construídas por um indivíduo ou grupo, ignorando a possibilidade de ordens espontâneas.

[4] A Escola Austríaca de Economia tradicionalmente define moeda como o meio de troca hegemonicamente aceito em uma sociedade, e distingue entre três tipos de moeda: a moeda commodity, baseada no valor de uma commodity comercializável, como o ouro e a prata; a moeda fiduciária, baseada na dívida de um ente econômico, como o Dólar e o Real; e a moeda fiat (ou token), baseada em costumes ou na lei, como o Bitcoin e, em menor escala, também o Dólar e o Real.

[5] Por ortodoxia positivista, refiro-me às teorias econômicas que tiveram sua origem nas duas sínteses neoclássicas – um misto de macroeconomia keynesiana de análise de agregados e microeconomia clássica de análise de utilidade cardinal.

[6] O que – ou mais especificamente, quem define quais seriam esses níveis ideais não é um assunto discutido em profundidade.

[7] Milton Friedman, criador da Escola Monetarista, enxergava a moeda como sendo essencialmente um instrumento criado pelo mercado, mas propunha a sua regulação e controle por parte do Estado para fins de política pública.

[8] É importante distinguir lei de legislação. Lei diz respeito aos princípios que dizem respeito à interação social adotados coletivamente por um povo, que dá origem ao seu sistema legal. Legislação diz respeito às regras específicas que regem o funcionamento do Estado e do sistema legal de uma sociedade. A lei se desenvolve de forma espontânea através das interações independentes de indivíduos – kosmos – cabendo ao jurista identifica-la. A legislação, por outro lado, é desenvolvida e instituída de forma deliberada pelos legisladores de uma sociedade – taxis.

[9] É importante notar que um mercado livre de trabalho é essencialmente um kosmos, com os empregados e empregadores decidindo suas relações contratuais visando seu próprio benefício. Ao longo da duração de um contrato, porém, empregado e empregador funcionam como taxis, com o primeiro estabelecendo o curso de ação a ser tomado pelo último.

[10] Comércio, nesse caso, não deve ser entendido como comércio livre em um contexto de Mercado, visto que a ameaça violência era um fator omnipresente nas negociações de povos primitivos.

[11] Ao leitor interessado em entender o desenvolvimento histórico e social do escambo para o uso de moeda, deixo duas sugestões. The Origins of Political Order (As Origens da Ordem Política), de Francis Fukuyama, é uma análise sistemática do desenvolvimento social de diversos povos, com bastante informação sobre o período tribal e pré-tribal. The Nuer (Os Nuer), de E. E. Evans-Pritchard, por outro lado, observa apenas uma tribo africana em detalhes, dando ao leitor uma ideia mais concreta de como sociedades primitivas se organizam.

[12] Diversos outros países, da Suíça à Etiópia, adotaram sistemas monetários essencialmente livres em algum ponto. Devido à falta de uma filosofia que explicasse e defendesse esse uso de forma consistente, porém, estes sistemas monetários não duraram muito tempo.

[13] Sir Thomas Gresham (1519 – 1579) percebeu como, quando duas moedas coexistem e tem seu valor fixado em relação uma à outra, a moeda menos valiosa “expulsa” a de maior valor da economia. A explicação é relativamente simples: se uma lei faz com que 1 grama de ouro equivalha a 80 gramas de prata em um país específico, mas o mercado internacional está disposto a pagar 90 gramas de prata por grama de ouro, se torna lucrativo exportar ouro. Se, por outro lado, o mercado internacional está disposto a pagar 70 gramas de prata por grama de ouro, se torna lucrativo exportar prata. Hoje em dia, esse princípio é conhecido como a “Lei de Gresham”.

Uma resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Inscreva-se na nossa Newsletter