Trump não é egoísta – esse é o problema

Após as últimas alegações de corrupção por parte de Trump e dos pedidos de seu impeachment, muitos jornalistas vêm especulando o que realmente motiva o presidente. Muitos alegam que Trump é egoísta.

Um artigo de Catherine Rampell publicado no Washington Post questiona: “O que move Donald Trump?” e responde: “ganância, nada além de ganância”. Rampell argumenta que a pressão de Trump sobre a Ucrânia foi apenas a mais recente das decisões ilícitas que ele tomou “para enriquecer ou, pelo menos, se beneficiar”. Enquanto isso, Amanda Marcotte, do Salon, chama as ações de Trump de uma forma de “autointeresse puro” e associa suas ações à “filosofia do egoísmo radical” de Ayn Rand.

No entanto, a filosofia radical de Rand rejeita a sabedoria convencional que iguala o egoísmo a comportamentos como o de Trump. E mais: faz a alegação provocadora de que a falta de egoísmo está na raiz da verdadeira corrupção moral exibida neste tipo de comportamento.

O significado convencional de egoísmo é uma preocupação excessiva com seus próprios interesses, sem se importar com o interesse dos outros. Por essa visão, se uma pessoa como Trump quisesse ganhar dinheiro de maneira egoísta, isso iria levá-lo a mentir ou enganar os outros para alcançar o que ele deseja.

Mas segundo a filosofia de Rand, o indivíduo realmente egoísta na verdade precisa ter um eu cujos interesses progridam. E, pensa ela, ter um eu significa ter um conjunto básico de convicções e valores que são verdadeiramente individuais. Muitas pessoas convencionalmente consideradas egoístas não possuem isso.

Considere este trecho de A Nascente, em que o herói de Rand, Howard Roark, diagnostica a corrupção moral do seu inimigo literário, Peter Keating. Keating é um colega arquiteto cujas principais decisões de vida são ditadas pela estimativa do quanto poderá ganhar em termos de prestígio dos demais. O comportamento de Keating aqui parece familiar?

Olhe para Peter Keating… Em que ato ou pensamento dele algum dia existiu um eu? Qual era seu objetivo na vida? Grandeza – aos olhos das outras pessoas. Fama, admiração, inveja – tudo isso procede dos outros. Os outros ditaram as suas convicções, pois ele não as possuía, mas ele estava satisfeito porque os outros acreditavam que ele tinha. Os outros foram a sua força motriz e a sua preocupação principal. Ele não queria ser formidável, mas queria ser visto como formidável.

Ele não queria construir, mas sim ser admirado como construtor. Ele pegava emprestado dos outros, para provocar uma impressão nos outros. Aí está a verdadeira abnegação. Foi o seu próprio ego que ele traiu e abandonou, Mas todos os chamam de egoísta (The Fountainhead, Signet edition, p. 605)

Logo após fazer estas observações, Roark avalia a ausência de um eu em Keating:

E não é essa a raiz de toda ação desprezível? Não o egoísmo, mas precisamente a ausência de um self. Olhe para eles. O homem que trai e mente, mas mantém uma fachada respeitável. Ele sabe que é desonesto, mas os outros acham que é honesto, e ele obtém seu respeito próprio a partir dos outros, adquirindo-o de segunda mão. O homem que aceita o reconhecimento por uma conquista que não foi sua. Ele sabe que é medíocre, mas é magnífico aos olhos dos outros…  O homem cujo único objetivo é ganhar dinheiro… O dinheiro é somente um meio para atingirmos um fim. Se um homem o deseja para um propósito pessoal… para investir em sua indústria, para criar, para estudar, para viajar, para desfrutar do luxo… ele é completamente moral. Porém os homens que colocam o dinheiro em primeiro lugar vão muito além disso… O que eles querem é ostentação: exibir, chocar, entreter, impressionar os outros (The Fountainhead, Signet edition, p. 605)

Existe aqui uma semelhança aterradora com algumas das características mais famosas de Trump. Seu frequentemente citado desrespeito pela verdade; seu apetite pela publicidade e pela aprovação das multidões; suas demonstrações ostensivas de riqueza (frequentemente apesar da sua falta de sucesso nos negócios); seu desejo de ser visto como “o melhor” em todas as categorias; sua disposição para fazer ou dizer qualquer coisa que o faça “ganhar”.

Keating, o homem que Roark critica por não ter um eu é, em outras instâncias, um personagem educado, articulado, e eventualmente reflexivo. Ele é um arquiteto que lê livros intelectuais e tenta justificar suas ações filosoficamente. Se Roark pensa que um personagem assim não tem um eu, imagine só o que ele pensaria sobre Trump.

Onkar Ghate escreveu um artigo incisivo identificando e criticando a ávida anti-intelectualidade de Trump. Ghate ressalta que não é o fato de Trump não ser inteligente, ou não possuir uma formação acadêmica. É o fato dele “projetar desdém” pela importância do pensamento e ação em princípio e pelo respeito à verdade. Visto à luz da filosofia de Rand, este desdém pela verdade significa uma desintegração do eu, pois “o eu de um homem é a sua mente – a faculdade pela qual ele percebe a realidade, forma julgamentos e escolhe virtudes.”

Esta última citação foi extraída do ensaio de Rand “Egoísmo sem um eu”, uma leitura obrigatória para quem deseja atingir um entendimento ainda mais profundo sobre os erros de se equiparar o egoísmo com fazer o que quiser à custa dos outros.

Neste ensaio, Rand explora a profunda conexão entre anti-intelectualidade do amoralista e sua falta de um eu. Ela retrata o desdém por princípios morais como uma expressão da “antipatia arraigada pelo pensamento abstrato” por parte de alguém que busca “esconder (ou preencher) o seu vácuo interno perturbador deixado pelo seu eu abortado.” O eu de um amoralista é, na melhor das hipóteses, “uma carcaça física guiada pela ansiedade crônica”, que vivencia o “sentimento crônico de que a vida, de alguma maneira, é uma conspiração das pessoas e das coisas contra ele.”

O verdadeiro autointeresse, na visão de Rand, não pode ser alcançado por caprichos motivados pela ansiedade – quer seja um capricho próprio ou daqueles que se busca impressionar. O egoísmo real requer uma reverência comprometida aos fatos do que a vida requer (incluindo como criar valor real para trocar com os outros). Ele requer um conjunto racional claro e bem definido de valores morais e virtudes. Deixemos de lado o suposto acordo por debaixo do pano de Trump com um aliado americano, a Ucrânia. O que é muito pior na política internacional de Trump é o seu desprezo assumido pelos princípios morais, uma atitude manifestada em sua deferência (e até mesmo em elogios) a ditadores da Rússia, Coréia do Norte, Arábia Saudita, dentre outros.

Quando o escândalo da Ucrânia estourou, a mídia tradicional ignorou amplamente as congratulações que Trump enviou ao presidente Xi pela comemoração septuagésimo aniversário da fundação da sangrenta República Popular da China. Enquanto isso, Trump se recusou a condenar o desprezo chinês pelos direitos humanos em Hong Kong e Xinjiang – e pode ter até mesmo concordado em se manter quieto para avançar nas negociações comerciais.

Aqueles que quiserem entender onde Trump – e o governo dos Estados Unidos – deu errado devem questionar a suposição de que os interesses próprios de um ser humano – ou os interesses de uma nação – podem ser definidos por caprichos, sem referências a valores morais e intelectuais. Faria bem a eles se lembrar do aviso de Rand: “A piada sombria da humanidade é o fato de que (o amoralista) é visto com um símbolo do egoísmo. Isso o encoraja em suas depredações: dá a ele a esperança de sucesso em fingir uma estatura que ele sabe que está além do seu poder.”

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Publicado originalmente em New Ideal.

Traduzido por João Pedro Fleck.

Revisado por Matheus Pacini.

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