O romance “Cântico” versus o socialismo

Ayn Rand foi uma escritora e filósofa russo-americana que criou o Objetivismo – escola filosófica baseada no preceito de que o homem deve ser o centro de seu próprio universo e sua felicidade o propósito moral de sua vida – o próprio fim de sua existência e não apenas um meio para a existência dos outros.
Cântico é um dos romances escritos por Ayn Rand como forma de ilustrar os valores objetivistas por ela defendidos. Tais valores incluem a exaltação do interesse próprio como um objetivo moral e ético dos seres humanos e a racionalidade como sua maior virtude. O objetivismo coloca que a única forma de organização social que promove a racionalidade é a cooperação voluntária e relaciona intimamente a liberdade com a razão. O livro trata-se de uma estória sobre um futuro distópico no qual, após uma guerra que destrói a próspera civilização humana, aqueles que sobreviveram criaram uma sociedade comunista em que o indivíduo era considerado mau e apenas o coletivo deveria ser exaltado.


Nesse futuro, seres humanos são nomeados com termos genéricos como “Igualdade” e ‘“Solidariedade”, seguidos por um número identificador; referem-se a si próprios apenas no plural como “Nós” e nunca “Eu”; e são privados do direito de se relacionarem com o sexo oposto, formar uma família ou escolher sua profissão. Em suma, toda e qualquer ação que diferencie e/ou individualize um ser humano do coletivo é proibida e punida pelo governo, na figura do Conselho dos Sábios.


A submissão com a qual os indivíduos estão acostumados desde o nascimento é tamanha que transgressões às regras impostas pelo Conselho são raras e, portanto, pouca atenção é dada à segurança e garantia do cumprimento das leis.


O personagem principal, o herói da estória, autonomeado ao final do livro de Prometeu, é um jovem que, apesar de demonstrar curiosidade intelectual e aptidão para se tornar um acadêmico, ou mesmo parte do Conselho dos Sábios, é forçado pelo Conselho das Profissões a ser um varredor de rua.
Prometeu aceita sua nomeação com resignação e orgulho, já que assim foi doutrinado a fazer desde o seu nascimento. Rand deixa claro o desapontamento e contestação natural que Prometeu sente quando tenta cumprir as absurdas leis impostas como dogmas inexoráveis pelo Conselho dos Sábios.


Prometeu segue varrendo ruas e respeitando as leis que lhe são impostas até que, junto com seus amigos, descobre algo que muda a forma como ele encara o mundo onde vive: um túnel subterrâneo da época antes da guerra: “o tempo que não deve ser mencionado”. Esse túnel, cheio de artefatos como fios de eletricidade, trilhos de metal etc. é uma descoberta que deveria ser reportada ao Conselho imediatamente, pois o primeiro ensinamento é que não existe conhecimento que deva ser mantido por apenas um indivíduo, sendo sempre compartilhado por todos.


No entanto, Prometeu sabia que, se reportasse a descoberta ao conselho, esse proibiria que ele visitasse o túnel. Assim, consegue convencer seus amigos, embora relutantes em transgredir as regras dessa forma, a manter a descoberta em segredo para que pudessem continuar a explorá-la.


Paralelamente à exploração do túnel, Prometeu descumpre outra regra e começa a se relacionar com a mulher que ele chama de “A Dourada” e que, ao final do livro, autonomeia-se Gaia.


No transcorrer da estória, Prometeu faz diversas descobertas através de experimentos com os artefatos encontrados no túnel, sendo a mais impressionante delas a eletricidade. Prometeu cria uma pilha e uma lâmpada elétrica. Então, decide levar essa descoberta ao Conselho dos Sábios, pois vê seu potencial transformador para a sociedade.


Prometeu esperava que o Conselho dos Sábios veria sua descoberta com um entusiasmo tão grande quanto o seu, porém, ele é recebido com exasperação e indignação. Os Sábios reclamam que nunca tinham visto tamanha transgressão: “como ele se atrevera a achar que seu conhecimento era superior ao do coletivo?” Uma descoberta como essas traria repercussões nefastas para a indústria das velas, cujo advento fora discutido por cinquenta anos antes de ser permitido. Parecia que Prometeu seria sentenciado à morte.


Prometeu então foge da cidade para a floresta – onde jamais alguém entraria para segui-lo devido às lendas sobre os perigos mortais do local.


Prometeu nunca se sentira tão bem nem tão livre como andando pela floresta, caçando sua própria comida, explorando novidades que nunca lhes tinham sido permitidas. Ele encontra Gaia, quem o havia seguido e, após dias se distanciando da cidade, encontram uma casa abandonada dos tempos antes da guerra. Nessa casa, descobrem uma biblioteca e aprendem conhecimentos perdidos. Decidem nomear-se como duas personagens da mitologia grega: Prometeu – aquele que descobriu como ser Deus e ensinar aos homens como serem deuses e foi morto por isso como castigo e Gaia – a mãe da Terra e da natureza.
Prometeu e Gaia decidem fundar uma nova civilização onde a individualidade e o individualismo são exaltados e a busca pela felicidade individual é aceita como um propósito moral da existência humana.
Cântico traz diversas reflexões importantes acerca da forma como o ser humano pode viver e se organizar em sociedade. Uma dessas reflexões é sobre o que é natural ao homem: a individualidade é uma condição natural que pode ser reprimida, mas não eliminada. O mesmo é verdade para a curiosidade intelectual e a busca da felicidade.


Na estória de Ayn Rand, vemos como reprimir essas características inerentes à condição humana nos parece antinatural e absurdo, mas também como isso gera um sistema instável que a qualquer momento, por uma influência externa mínima (como a descoberta do túnel) pode ruir.


Na história moderna, temos um exemplo disso – a terra natal de Ayn Rand, a Rússia que, sob o regime socialista soviético, tentou aniquilar a individualidade das pessoas, oprimiu qualquer pensamento que divergisse dos dogmas pregados pelos governantes e puniu transgressores de forma cruel, até com a morte.


Hoje sabemos que esse experimento socialista não deu certo – esse sistema terrível de opressão e repressão à condição natural humana de individualidade acabou por ruir e não existe mais.
Entretanto, ainda existem países sob regimes análogos, igualmente totalitários, como a Coreia do Norte, a China, a Cuba e a Venezuela, em graus distintos de socialismo e opressão. Essas sociedades foram corrompidas pelo pensamento socialista – uma distopia acadêmica que ignora uma questão fundamental: o homem.


O socialismo é sempre descrito por seus defensores como um sistema benevolente em que as pessoas são caridosas e encorajadas a trabalhar para o coletivo exercendo sua maior virtude: a solidariedade. Ele ignora, entretanto, a condição natural do homem – o ser o qual tenta governar – como ente individual, programado por milhões de anos de evolução para maximizar seu próprio bem-estar individual.
Quando essa condição não é ignorada, ela é colocada como negativa, a grande vilã causadora dos males da sociedade capitalista.


O Objetivismo de Rand nos mostra que o individualismo humano existe e sua existência é inegável. A história nos mostra que lutar contra o individualismo é ruim para o progresso social, seres humanos não têm incentivos para realizar seu potencial senão através da possibilidade de maximização do seu bem-estar individual. A filosofia de Rand nos permite não só entender que o individualismo é natural e indestrutível, mas aceitá-lo como bom: não só é normal e natural ter sua própria felicidade como seu maior objetivo, é também moral. Enfim, é humano.

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Revisado por Matheus Pacini.

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