Inveja, o sentimento autodestrutivo que alimenta a decadência argentina

Se houve um sentimento que alimentou o populismo argentino ao longo de nossa história, foi o da inveja. Dos caudilhos a Rosas, de Perón a Galtieri, de Néstor a Cristina.

A inveja tem sido a droga que nós, argentinos, usamos para redirecionar nossas frustrações e inseguranças. Usamos isso para transformar impotência em ódio, direcionando-o para terceiros cuja única falha foi ter sucesso em empreendimentos em que nós fracassamos.

A quem odiamos? Àquele que ousou revelar nossa falta de aptidão e incapacidade.

Como ele fez tal revelação? Atreveu-se a mostrar suas qualidades, capacidades e aptidões.

Em dois excelentes podcasts, o filósofo canadense-americano Stephen Hicks, autor do best-seller Guerra cultural: Como o pós-modernismo criou uma narrativa de desconstrução do ocidente refere-se à inveja como um sentimento autodestrutivo e autosabotador.

Vejamos os exemplos que o Dr. Hicks propõe:

  1. Vendo carros esportivos e luxuosos estacionados, um indivíduo decide riscá-los com uma chave sem motivo aparente.
  2. Sem motivo algum, um grupo de alunos do ensino médio ataca a aluna mais bonita e inteligente da turma para “colocá-la em seu lugar”.
  3. Um ator fracassado de Hollywood fica indignado diante da televisão quando vê que seu colega acaba de receber um “Oscar”. Indignado, exclama: “Eu odeio esse cara!” e desliga televisão.

O estudo das causas que despertam esse sentimento parece indicar que o que nos prejudica é observar o fato de alguém se destacar ou realizar determinada atividade de forma eficaz. Ao nos compararmos, observando nossa relativa falta de habilidades, experimentamos dor e frustração. Imediatamente, tentamos nos livrar dessa dor. Como? Culpando um terceiro pelo nosso infortúnio.

A tradição liberal, bem como autores como Nietzsche, lutaram contra a inveja e expressaram a necessidade de erradicá-la da alma humana. Já outros como Rousseau ou John Rawls a justificaram, achando nela aspectos positivos e úteis. Enquanto o socialismo caracterizou-se por estimular a inveja e gerar culpa no invejado, o capitalismo aceitou essa culpa pedindo desculpas por estimular a “ganância” ou por sua falta de “solidariedade”.

Segundo o Dr. Hicks, é quase inevitável sentir inveja em algum momento da vida; por exemplo: seu cunhado o convida para jantar em sua casa luxuosa, grande e imponente, seu carro esportivo estacionado em frente e você está atualmente desempregado e sem um centavo…. Como você se sente diante dessa situação?

Ou uma jovem próxima da maturidade experimenta um novo fracasso amoroso, mais um de uma longa lista, e é convidada para almoçar com uma amiga que está em um relacionamento consolidado, sentindo-se muito amada por seu perfeito parceiro. O casal demonstra o seu amor a cada momento. O que a jovem sentirá nessa circunstância?

Ou o já citado ator frustrado vendo o seu amigo receber o Oscar, como ele se sentirá?

O que é inveja?

A inveja é definida como uma emoção que surge em resposta ao sucesso de outra pessoa que nos obriga a focar em nosso próprio fracasso, na frustração causada por não conseguirmos alcançar os objetivos que estabelecemos para nós mesmos.

A inveja não deve ser confundida com “ciúme”. Enquanto o ciúme implica o medo de perder algo que acreditamos já possuir, a inveja implica, ao contrário, a percepção de que há algo que desejo, mas que não me sinto capaz de alcançar. Por exemplo: se encontro minha namorada beijando outro homem em um bar, sinto ciúmes (sinto a dor da perda potencial). Por outro lado, a inveja implica a crença de que não temos a capacidade ou inteligência necessária para alcançar o que queremos alcançar. Essa impotência causa dor e, para não assumir essa dor, redireciono-a regozijando-me pelo fracasso dos outros.

Usando os exemplos mencionados, se um tornado destruir o carro esportivo de nosso cunhado, ou se nossa amiga terminar com seu atual namorado, eu me alegro. Eu apaziguo minha dor contemplando o fracasso dos outros. A igualdade no infortúnio nos consola. Daí o ditado espanhol: “Mal de muitos, consolo para tolos”.

As fases da inveja

A inveja passa por vários estágios. Para que possamos senti-la, devemos apresentar as seguintes características:

  1. devemos ter um objetivo significativo por alcançar;
  2. devemos comparar-nos com outra pessoa que nos seja familiar e que tenha o mesmo objetivo que eu;
  3. percebemos que a outra pessoa avança melhor e mais rapidamente em direção a esse objetivo;
  4. na comparação percebo minha “inferioridade”;
  5. essa percepção questiona minha própria capacidade de atingir o objetivo;
  6. incentiva-se a ideia de que estou destinado ao fracasso;
  7. percebo a dor que essa ideia me causa;
  8. como não quero sentir essa dor, transformo-o em ódio à pessoa que causou a sensação;
  9. “mato” o mensageiro.

Como combater a inveja

Dr. Hicks lista vários mecanismos que permitem entender melhor e combater a inveja. Esses exigem que sejamos capazes de transformá-la em admiração, respeito, motivação ou emulação.

É importante ressaltar que a inveja não aparece se não houver semelhanças nos objetivos. Se eu nunca quis ser um super golfista, dificilmente terei inveja de Tiger Woods. A inveja também requer carreiras ou interesses semelhantes, encontrando-se dentro da mesma faixa etária ou hierarquia intelectual, ou na mesma faixa de habilidades. O invejado deve estar dentro de minha equipe de pares.

Uma maneira de combater a inveja é focar em nossas próprias responsabilidades, em nosso próprio autoaperfeiçoamento. Neste caso, a inveja tende a desaparecer.

A inveja e a política

Tanto o fascismo como o socialismo, ao promoverem o conceito de igualdade (através da lei), estimulam a inveja. Ao validá-la, eles a popularizam. Mas como o sentimento de inveja causa dor, será necessário redirecionar essa dor e transformá-la em ódio. Isso, por sua vez, tornará necessário o surgimento de “bodes expiatórios”: os ricos, a oligarquia, o capital concentrado. Slogans como “justiça social” ou “necessidade cria direitos” conseguem redirecionar a dor da inveja para transformá-la em políticas públicas de monitoramento e apropriar-se do sucesso dos outros. Qual é a justificativa ética para o imposto de renda?

Os mecanismos de redistribuição ajudam a aplacar a inveja? Desde Rousseau, muitos escritores têm apoiado a ideia de que os mercados livres acentuam as desigualdades.

Na realidade, o oposto é verdadeiro: enquanto o capitalismo iguala todas as castas sociais ao consumo abundante, as sociedades passadas eram repletas de castas e privilégios.

O capitalismo também tem um preço, não é gratuito: a abundância de oportunidades implica escolha, a qual traz consigo a enorme possibilidade de errar.

Os remédios consistem em voltar-se para si mesmo, entendendo que a comparação nunca deve ser com terceiros, mas consigo mesmo, e que o sucesso dos outros, em vez de nos prejudicar, pode nos estimular a aprender a lidar com isso. O que deve nos inspirar é nosso próprio destino, a busca de nossos próprios objetivos em nosso próprio ritmo de avanço e não no dos outros. Cada um com sua força e razões próprias.


Publicado originalmente em Infobae.

Traduzido por Priscila Vargas.

Revisado por Matheus Pacini.

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