Há boas chances de que você conheça alguém que possui uma camiseta de Che Guevara. Versões romantizadas de sua cara barbuda são populares nos campi e em outros lugares – tão popular que a rede de lojas Urban Outfitters planejava lançar uma linha completa de itens de moda inspirada em Che, e dezenas de outros websites oferecem uma ampla variedade de acessórios.
Guevara foi um guerrilheiro marxista que nasceu na Argentina, recebeu o cargo de ministro da economia na Cuba de Fidel Castro, e foi morto em combate contra soldados bolivianos.
Mas aqui está o mistério. Na vida real, Guevara foi um carcereiro, torturador e assassino. Sem discriminar gênero, idade, cor ou qualquer outro atributo – defensores da liberdade de expressão, homossexuais, religiosos ou rockeiros, empresários ou inimigos ideológicos – ele favorecia a prisão, tortura e assassinato de todos.
“Para matar um homem”, Che certa vez disse, “não necessitamos de prova de culpa”. Nos primeiros dias da revolução cubana, Che escreveu ao seu pai sobre quando atirou em uma guerrilha camponesa: “Eu gostaria de confessar, pai, que naquele momento descobri que eu realmente gostava de matar”. Grande parte da história é muito triste.
Então, como um assassino se tornou um ícone da moda?
É uma situação tragicômica – e talvez inspirada pelo capitalismo da moda praticado nos Estados Unidos – uma empresa estatal cubana recentemente anunciou planos de lançamento de uma linha de perfumes “Ernesto” e “Hugo” em honra de Che Guevara e do agora falecido ditador socialista Hugo Chavez. O plano foi derrubado por autoridades do governo e punições apropriadas estão sendo estudadas para pessoas que sugerirem algo tão insultante no futuro.
Menos surpreendente, em 2008 uma estátua heroica de 3,5 metros de altura foi erguida na sua cidade natal, Rosário, na Argentina.
De volta aos Estados Unidos, a guerra cultura continua com produtos anti-Che tais como uma camiseta com a imagem de Adolf Hitler e a legenda “Minha camiseta do Che está na lavanderia”. Ou camisetas com a imagem e uma legenda sútil “Minha outra camiseta é do Hitler”.
A questão, obviamente, é que ninguém pensaria em usar um assassino nazista para fazer um fashion statement. Ou talvez não nos estranhos dias de hoje – com o ressurgimento da iconografia nazista em alguns círculos. Notavelmente, a Urban Outfitters decidiu abandonar sua linha Che em resposta aos protestos da comunidade cubano-americana e a esta carta aberta, publicada no The Huffington Post por Thor Halvorssen da Human Rights Foundation (Fundação pelos Direitos Humanos, tradução livre).
(Eu até gosto da ironia afiada das ideias do perfume e da “camisa na lavanderia”, todavia, pois Che raramente tomava banho, de acordo com os relatos dos seus companheiros).
O problema não é tanto Che Guevara em si – ele já morreu há mais de meio século. O problema é que o legado e o simbolismo de Che, o qual tem um poder nas mentes e corações de uma subcultura de jovens já por duas gerações. Os fatos sobre a brutalidade de Che são conhecidos, porém, o poder da lenda e do mito frequentemente supera o poder dos fatos. E na nossa cultura “de mercado” da liberdade de expressão, sempre haverá um mercado para aqueles que desejam produtos antimercado e antiliberdade. O tamanho do mercado é um indicador cultural que vale a pena acompanhar.
Para alguns, Che é um símbolo da revolução socialista. Para outros, ele representa ‘revolução’ em um sentido mais vago. Ou, simplesmente por simbolizar a luta contra o status quo. Para outros ainda, Che significa ser um mártir relativamente jovem por uma causa. Para analistas (de moda) sofisticados, a mercadoria de Che é brega – uma declaração banal de jovens mimados que querem aparecer e, como bônus, chocar seus pais e outros chatos (ver a gíria para square).
Mas em todas as suas variantes, o simbolismo de Che é uma declaração de como uma contracultura se vê.
O livro de viagem Chasing Che, de Patrick Symmes é, para mim, o melhor exemplo. Symmes é um homem ponderado da eclética esquerda, ele foi inspirado a recriar parte da jornada de Che por diversos países da América do Sul. Che começou sua jornada em uma motocicleta, mas tal como o ministério da economia de Cuba que posteriormente administrou, a motocicleta quebrou e Che não sabia muito sobre como consertá-la. Che e seu companheiro de viagem, Alberto Granado, então seguiram o seu caminho aos trancos e barrancos. Symmes, pelo contrário, era organizado e sabia como manter sua motocicleta BMW – e levou consigo seu bem treinado olho jornalístico para contar uma boa história dos povos e países que encontrou em sua jornada junto com o caminho de Che da Argentina ao Chile e Peru.
Porém, você mal descobriria por Symmes – somente nas páginas finais do livro – que Guevara torturou e matou de forma indiscriminada. Em vez disso, há um retrato delicado de um jovem em uma missão de autodescoberta e reforma social. Existe uma simpatia genuína pela impotência e apropriada indignação das injustiças feitas por governos poderosos e seus apadrinhados, junto com uma sensação adjacente de que a brutalidade de Che foi talvez uma resposta perdoável. E temos uma forte impressão de que a única alternativa ao semifeudalismo da América Latina é algum tipo de socialismo igualitarista.
Tudo isso sugere que nosso problema com Che é realmente de cunho filosófico. Não é somente o fato de que Guevara era um ativista bem letrado nos autores socialistas – Jean-Paul Sartre, Bertrand Russell, Friedrich Nietzsche, e é claro, Karl Marx e Friedrich Engels. É que todos nós, desde Che, estamos discutindo a significância abstrata de seu legado. O que é verdade e o que é mito? Quais ideais e males estão em jogo? E, como a batalha da moda demonstra – o que é moderno e descolado? Isso significa, utilizando o jargão filosófico, que a batalha de Che trata de epistemologia, ética e estética.
Expondo de outra forma: o problema não é Che Guevara, mas sim o Che Guevar-ismo.
Se quisermos nos livrar, algum dia, dos pesadelos do socialismo no século XX e evitar que se repitam no XXI, então maior conhecimento do real Che é fundamental para responder à sua purificação e mitificação. No entanto, o mais importante é combater as ideias filosóficas que levaram um jovem tão vigoroso como Ernesto Guevara Lynch a tal caminho violento e destrutivo.
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Tradução de Matheus Pacini
Publicado originalmente em Every Joe
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